Filha de nazistas, a alemã converteu-se ao Exército de Libertação Nacional e executou um plano arriscado para punir o coronel que cortou as mãos do guerrilheiro argentino
Era 9 de outubro de 1967 quando a guerrilha liderada por Che Guevara foi atacada. O revolucionário, capturado e interrogado, foi assassinado no mesmo dia, por uma rajada de fuzil, aos seus poucos 39 anos. Ele havia levado a revolução para a Bolívia, liderando o Exército de Libertação Nacional (ELN) no país.
Depois da execução, o destino do corpo de Che ficou em aberto. No entanto, a CIA ainda queria a morte do argentino causada pelo Exército boliviano fosse confirmada. Assim, três oficiais decidiram cortar as mãos de Che e enviá-las aos Estados Unidos, afinal, queriam provar, através de exame das impressões digitais, a identidade. Mas a morte do guerrilheiro não ficaria impune.
Confira a seguir 5 fatos sobre Monika Ertl, a comunista que vingou Che Guevara:
Em 1971, ano da vingança, Monika Ertl já participava ativamente do Exército de Libertação Nacional (ELN) na Bolívia. No entanto, sua vida nada tinha a ver com a revolução antes de se mudar para o país latino-americano. Na verdade, a mulher havia nascido em Munique, na Alemanha, em 1937.
O território, naquele período, estava dominado pela ideologia nazista — e não foi diferente para a família Ertl. Eles frequentavam círculos importantes na Alemanha nazista e, durante a Segunda Guerra, o pai de Monika, Hans, serviu ao próprio Adolf Hitler como fotógrafo do Ministério da Propaganda.
Conforme investigado pelo jornalista alemão Jürgen Schreiber no livro 'La mujer que vengó al Che Guevara: la historia de Monika Ertl' ('A mulher que vingou Che Guevara: a história de Monika Ertl', em tradução livre), lançado em 2010, a família Ertl se mudou para a Bolívia com o fim da Segunda Guerra. Eles não foram os únicos: Klaus Barbie, o Carniceiro de Lyon, também foi se esconder no país.
Em 1958, Monika casou-se com Johan Harrjese, um engenheiro rico da comunidade germânica na Bolívia. Mas o casamento durou pouco. Dez anos depois, já divorciada, a mulher fez uma breve visita à Alemanha, onde, pela primeira vez, teve contato com ideais revolucionários vindos de grupos organizados da juventude europeia. A mudança já estava sendo formada dentro da jovem.
Quando voltou à capital boliviana, a alemã já estava com a cabeça transformada por aqueles jovens revolucionários. O pouco que faltava para ela ser convertida aconteceu pelo acaso. Em La Paz, conheceu os irmãos Guido Inti e Oswaldo Chato Peredo, membros do Exército de Libertação Nacional, fundado por Che Guevara.
Ela ofereceu abrigo aos dois e pediu para fazer parte do ELN. Havia, enfim, começado a trajetória de Monika como guerrilheira. No começo, no entanto, ela levava uma vida dupla, trabalhando em um centro para órfãos e dando aulas de alemão em um instituto. Em um momento, por volta de 1969, decidiu abandonar tudo e seguir apenas como Imilla, codinome usado pela revolucionária.
O guerrilheiro havia sido assassinado pelo Exército boliviano, apoiado pela CIA, dois anos antes disso, em 1967. Guido Inti Peredo, com quem Monika teria tido um romance, também foi assassinado pelo mesmo coronel responsável por cortar as mãos de Che Guevara e enviá-las aos EUA: Roberto Quintanilla Pereira. A alemã já tinha motivos o suficiente para se oferecer para a tarefa de vingar os dois, ao assassinar o oficial.
O homem já era alvo de organização de esquerda desde que decidira matar um de seus maiores revolucionários. No entanto, a tarefa de matá-lo havia sido considerada muito arriscada por ao menos dois assassinos contratados. Quintanilla estava em Hamburgo, onde foi enviado para atuar como cônsul, sendo protegido de possíveis atentados na Bolívia.
Parecia simples demais para funcionar. Até hoje, ninguém consegue explicar como Monika conseguiu assassinar Quintanilla ao visitá-lo sob o disfarce de uma professora de música que havia sugerido um intercâmbio com estudantes bolivianos. Ela havia telefonado uma semana antes e, no dia 1º de abril de 1971, entrou no gabinete, tirou Colt Cobra 38 especial de sua bolsa e atirou contra o cônsul.
Mas, para além disso, a mulher conseguiu ainda sair ilesa da cena do crime brutal. Usando uma peruca e óculos, ela vingou Che Guevara por meio do plano que, por mais descomplicado que parecesse, levou um ano de preparação para ser realizado. Ela teria brigado com a esposa do oficial, Ana, depois do assassinato, mas nenhum segurança chegou a intervir. E ela deixou o local tranquilamente.
Monika teve uma vida curta. Depois do assassinato cometido por ela, sabia que não poderia viver sem cair em uma emboscada planejada por seus opositores. E foi exatamente isso que aconteceu: exposta, caiu em um cerco das forças de repressão do governo Hugo Banzer. No dia 12 de maio de 1973, em La Paz, Imilla foi morta.
Ela morreu com apenas 32. Segundo sua irmã Beatriz, até hoje não se sabe onde estão os restos mortais da revolucionária. Seu nome apenas está gravado no jazigo de sua família na capital boliviana, mas, até agora, quase 50 anos depois, o destino do corpo da vingadora de Che Guevara permanece um mistério.
Errata: A reportagem errou ao afirmar que as mãos de Che Guevara foram enviadas aos EUA com o intuito de se fazer um teste de DNA. A informação foi alterada.