“Não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor”, disse ao se ajoelhar durante o hino nacional
Publicado em 02/02/2020, às 12h00 - Atualizado em 10/02/2023, às 20h50
Há três anos, em 2020, o San Francisco 49ers perdeu o Super Bowl LIV, para a equipe do Kansas City Chiefs — que está de volta, este ano, a um dos maiores eventos esportivos do mundo. Neste domingo, 12, a equipe comandada pelo quarterback Patrick Mahomes tentará seu tricampeonato.
Um dos grandes nomes do esporte na atualidade, Mahomes também é figura na luta antirracista. Segundo repercutido pelo portal especializado The Playoffs, o astro dos Chiefs já participou de um vídeo pela campanha do Black Live Matter.
Em outra ocasião, ainda de acordo com o The Playoffs, Patrick questionou as críticas feitas pela imprensa e por técnicos da NFL a quarterbacks negros no esporte:
É claro que quarterbacks negros e afrodescendentes precisaram lutar para ter tantos de nós jogando na liga. Temos alguns jogadores tão inteligentes quanto atléticos. É estranho ver que eu, Lamar e Kyler recebemos algumas críticas que os outros não ouvem. De qualquer forma, a gente vai continuar provando todo dia que temos o potencial para sermos os melhores da NFL".
O racismo estrutural e institucional é algo frequente não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Mesmo assim, ao longo das décadas, figuras históricas surgiram para lutar por igualdade racial: Martin Luther King Jr., Malcolm X e até mesmo Colin Kaepernick.
Colin, aliás, foi o quarterback responsável por levar o San Francisco 49ers — equipe campeão por cinco vezes — ao Super Bowl XLVII; vencido pelo Baltimore Ravens.
Embora não tenha conquistado o título máximo da NFL, Kaepernick ainda assim é uma das grandes figuras do esporte. A história recente de Colin não é marcada por suas glórias dentro das quatro linhas, mas por todos que ele influenciou na luta social pelos direitos dos negros e contra a brutalidade da polícia americana em relação às minorias.
No dia 26 de agosto de 2016, o 49ers enfrentaria o Green Bay Packers em um jogo de pré-temporada. Como é tradicional em qualquer evento da NFL, o hino nacional americano foi tocado antes da partida.
Neste momento, diferente de todos os seus colegas, Kaepernick se ajoelha durante a execução da música. “Não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor”, disse o jogador após a partida.
Colin seria o estopim da onda de protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em tradução livre). A partir daí, o gesto passou a ser repetido por outros grandes nomes das mais diferentes modalidades esportivas, como Stephen Curry, Dwyane Wade, Rajon Rondo, Russell Westbrook e Carmelo Anthony.
A ousadia de um negro em protestar diante de uma das maiores demonstrações de patriotismo entre os norte-americanos gerou enorme controvérsia nas redes sociais. O assunto chegou até à Casa Branca.
Na época, o então presidente Barack Obama declarou apoio ao atleta e disse que a luta pela causa é válida, e que o protesto “é um exercício dos direitos constitucionais”. Os mais conservadores, como Donald Trump — que era apenas um candidato republicano à presidência dos EUA — criticaram o jogador.
Acho isso terrível, talvez seja bom ele achar um outro país”, disse Trump.
Após o episódio, o atleta revelou que recebeu ameaças de morte por ter se manifestado contra “a opressão à comunidade negra”. Em entrevista à ESPN dos Estados Unidos, Colin disse que se ele fosse morto por causa do protesto, só mostraria o quão ele está certo sobre o ato: “Se fosse morto, vocês provariam meu ponto e estaria claro para todo mundo o real motivo de isso ocorrer”.
Apesar de virar os holofotes para a causa, os casos de opressão não pararam. Depois de uma semana dos primeiros protestos, os norte-americanos presenciaram mais um caso da brutal violência dos policiais contra os negros.
Em seu trajeto pela rodovia de Tulsa, em Oklahoma, Terrence Crutcher, de 40 anos, foi parado por policiais rodoviários. E, mesmo desarmado e com as mãos para o alto, foi morto a tiros pelos oficiais.
Apesar do seu enorme talento e incontestável aptidão para a prática do futebol americano, a temporada seguinte de Kaerpernick foi diferente de todas as outras. O atleta não teve seu contrato renovado junto aos 49ers e passou as primeiras três semanas de 2017 como agente livre — jogador sem contrato vigente que está apto para assinar com qualquer clube ou franquia.
O tempo se passava, e a revolta contra Colin era inflamada por Trump, que chegou a tweetar: “Vocês não adorariam ver um desses donos da NFL, quando alguém desrespeita nossa bandeira, dizer ‘tirem esse filho da puta do campo agora. Fora. Você está demitido’?”.
Fora do esporte desde então — e com o apoio de diversos atletas da NFL — Kaepernick começou a acusar a NFL de boicotar sua volta aos gramados por conta de seu posicionamento. Em novembro daquele ano, o atleta levou o caso para e Justiça.
Patrocinado pela Nike desde 2011, Colin Kaepernick viu a camisa 7 dos 49ers — número que ele usava — ser a mais vendida nas lojas esportivas em 2016. Porém, muito se engana quem pensa que as vendas significavam apoio à causa levantada pelo jogador. Muitas pessoas compravam as camisas só para queimá-las em forma de protesto.
Sua carreira havia terminado, não por sua escolha, mas pela revolta contra os negros. Kaepernick se tornou um símbolo antirracista, que passou a ser admirado por defender seus ideais, mesmo que isso tenha culminado no seu veto profissional.
Mas influência do atleta não se resumiu a isso. Ele ainda precisava ressurgir. Mostrar que um negro pode superar qualquer sanção imposta por uma sociedade discriminatória. E isso aconteceu, em 3 de setembro de 2018.
Foi no dia do trabalhador, nos Estados Unidos, que a Nike usou a figura de Kaepernick para estampar os 30 anos da campanha Just do It ("Apenas faça"). O rosto do atleta, em preto em branco, estava espalhado por diversos painéis publicitários de boa parte do país com a frase “Acredite em algo. Mesmo se isso significa sacrificar tudo”.
Conservadores apoiadores de Donald Trump responderam ao anúncio queimando calçados e outros materiais esportivos da fabricante. O grupo também subiu no Twitter a hashtag #BoycottNike.
Mas isso não impediu que o valor da empresa tivesse o aumento de 5% na bolsa de valores — o que gerou um ganho de 6 bilhões de dólares pela empresa em apenas três semanas de campanha.
Segundo o site especializado The Ringer, o sucesso só evidenciou aquilo que Kaepernick e a Nike sempre acreditaram: “que as pessoas que apoiam a igualdade racial são mais numerosas e mais apaixonadas do que aqueles que se opõem a ela”.