Com a justificativa de que estavam combatendo a Aids, os oficiais perseguiram e prenderam inúmeras pessoas em 1987
O Brasil ocupa a primeira posição no ranking de países que mais matam pessoas transgênero no mundo. De acordo com dados divulgados no dossiê da Associação Nacional das Travestis e Transexuais (Antra), o país registrou 184 assassinatos de pessoas trans em 2020.
O estado de São Paulo é o mais perigoso para o grupo LGBT+, onde foi registrado o maior número de assassinatos. Depois dele, vieram Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que, inclusive, teve um aumento de 43% em comparação ao ano anterior.
Atualmente, a expectativa de vida para pessoas transexuais é de 35 anos. Para o restante da população brasileira, esse número quase dobra, chegando aos 75,5 anos, de acordo com o IBGE. E esses números são de hoje — imagine há 40 anos.
Ser travesti nos anos 80
A comunidade LGBT+ foi uma das mais afetadas pela Aids, que teve o seu auge entre as décadas de 1980 e 1990. O risco de morte era uma realidade diária na vida de muitas dessas pessoas, que conviviam com o fato de não terem informação o suficiente sobre o tema.
Mais do que isso, essas pessoas passaram a carregar o estigma da doença, embora não fossem as únicas a sofrerem com ela — pessoas cisgênero e heterossexuais tiveram e ainda estão sujeitas a adquirem o vírus. A consequência disso foi o aumento do preconceito, que já existia na sociedade brasileira e em muitas outras.
Em 27 de fevereiro de 1987, a Polícia Civil de São Paulo decidiu abrir uma operação que tinha como objetivo “combater a Aids”, que ficou conhecida como Operação Tarântula. Esse “objetivo” funcionou mais como justificativa para perseguir pessoas do grupo estigmatizado.
De acordo com Márcio Cruz, delegado-chefe na época, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 2018, o nome veio do fato de aranhas terem "vários braços, braços longos". Era assim que, principalmente, travestis estavam sendo vistas na época.
Cruz explica que a capital paulista estava passando por "um período pré-apocalíptico" quando a ação foi instaurada. Pessoas transgênero estavam sendo literalmente presas, acusadas de "ultraje ao pudor público e crime de contágio venéreo".
Tratava-se da legalização de prisões arbitrárias de travestis. Durante toda a operação, por volta de 300 pessoas foram perseguidas e, muitas delas, presas.
Lembranças brutais
À Folha de S. Paulo, Patricia Vieira Nascimento contou suas memórias sobre o período obscuro da história de São Paulo. Naquela época, ela e muitas amigas, também travestis, recorriam à prostituição para conseguirem sobreviver. E estar nas ruas significava estar em constante perigo.
"Aos 17, tentei me matar porque minha família não me aceitava. Quando completei 18 anos, saí de vez de casa e fui morar e trabalhar no centro", afirmou Patricia, que hoje tem 49 anos e trabalha em uma ONG. "Sou uma sobrevivente. A gente era caçada, literalmente. É esse nome, não tem outro. Éramos vistas como bichos".
Renata Peron, presidente do Cais (Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais), ouviu muitas pessoas trans que viveram nesse período e colheu muitos relatos que contavam experiências brutais.
"Colocavam as travestis dentro do camburão e elas se debatiam. O carro ia em alta velocidade. Quando parava, tinha menina de braço quebrado, uma com o salto enfiado na perna da outra. Era horroroso", explicou.
A operação não durou muito, mas causou muito dano especialmente para as travestis que habitavam as ruas da capital. Quando a Folha noticiou o começo da ação, em 1º de março de 1987, 56 pessoas foram presas. A manchete dizia: "Polícia Civil 'combate' a Aids prendendo travestis".
Em 10 de março do mesmo ano, a ação foi suspensa após o então secretário da Segurança, Eduardo Muylaert, intervir na situação. Ele se encontrou com grupos que lutavam pelos direitos LGBT+, que também enviaram uma nota de repúdio à Secretaria Estadual da Segurança Pública na época.
Com a denúncia, a operação foi ao fim. O preconceito, no entanto, ainda persiste, mesmo que em medidas diferentes. Conforme disse Patrícia, “naquela época, o preconceito era muito maior. Tinha lugares que a gente não entrava. Hoje, ele ainda existe, mas já avançamos muito."
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