Costume era ilegal, humilhante e visto como indecente — mas as esposas geralmente aceitavam por vontade própria para desfazer um casamento infeliz
O mercado é o centro da vida rural. Nele, as pessoas negociam o que lhes sobra por aquilo que não tem. E nisso um camponês surge com sua esposa puxada por uma cordinha, como uma vaca ou cabra. E põe ela a leilão, para quem pagar mais — é acertar o valor e sair com o produto, incluindo todas as obrigações conjugais.
Não é uma cena de escravidão, mas do país que lutou mais que qualquer outro para acabar com ela. Não dos confins do Coração das Trevas, mas no coração do império que pretendia civilizar quase literalmente meio mundo.
Não da Idade Média, mas da era das máquinas, de grandes cientistas revelando ao mundo a moderna química, evolução, eletricidade e radioatividade. Quando, no trono, estava uma mulher, a jamais esquecida Vitória.
Se, no Brasil, era possível se comprar e vender seres humanos, vender a própria esposa era (ao menos publicamente) barrado pelo catolicismo, que proibia terminantemente o divórcio. Mas o protestantismo inglês basicamente existe porque um rei, Henrique VIII, teve seu desejo de se divorciar recusado pelo papa.
Mas o divórcio não era para todo mundo. A venda de esposas surgiu no final do século 18, época em que a dissolução do casamento ainda era restrita aos ingleses que podiam bancar um complexo processo de anulação ou pagar uma multa de £ 3.000 — o equivalente a £ 15.000 hoje (cerca de R$ 75.000).
Quem não tinha esse cacife recorria a outros meios para conseguir o divórcio. Segundo o historiador Samuel Menefee em seu livro Wives for Sale, entre 1837 e 1901, foram registradas 387 vendas de esposas na Inglaterra.
O costume era visto como grosseiro e indecente pelas classes superiores. E, quando ia parar nas cortes, era sempre anulado. Em 1696, certo Thomas Heath Maultster foi condenado por dormir com a mulher de George Fuller, pela qual havia pago 2/4 de libra.
Leilões em espaços públicos eram a forma mais comum de oficializar a venda. O marido levava a esposa até o local e amarrava uma corda ao redor do pescoço, cintura ou pulso dela. Em muitos casos, a venda era anunciada no jornal local e tudo era acertado com um comprador antes mesmo do dia do leilão.
Isso porque o evento servia como algo simbólico, para que fosse de conhecimento público que um casamento havia terminado e outro havia começado.
Por mais humilhante que a coisa fosse, era quase sempre voluntária. A mulher tinha voz na hora de escolher o novo marido, que frequentemente era o seu amante — e causa do divórcio. Daí surgem ilustrações, como a abaixo, trazendo brincadeiras visuais com chifres sobre a cabeça do marido.
Alguns historiadores argumentam que o costume era aceito pela população feminina por ser a única maneira de acabar com um casamento infeliz.
Raramente a coisa chegava a esse grau. O acordo era a garantia de que o ex-marido não iria processar o novo. Ainda que as leis inglesas absolutamente não previssem a venda de esposas e o caso configurasse adultério, as autoridades faziam vista grossa.
Quanto aos preços, eles podiam ir de quantias irrisórias até somas bastante elevadas. Em 1862, na cidade de Selby, uma esposa foi vendida por um pint de cerveja. Já na cidade de Ripon, uma esposa foi vendida por 300 pence, quantia elevada para a época.
A situação só começou a mudar em 1856, ano em que o Matrimonial Causes Actfoi aprovado pelo Parlamento Britânico. A partir daí, os processos de divórcio eram julgados por tribunais civis, o que tornou a medida mais acessível pela população. Mesmo assim, a venda de esposas continuou por mais algumas décadas, e o último registro de um caso desse tipo aconteceu em 1913, em Leeds.