Uma das lutas mais marcantes da história do pugilismo acabou de maneira inusitada e sanguinária
Historicamente, ao lado do atletismo, o pugilismo é um dos esportes mais antigos que se tem conhecimento. Há registro da modalidade sendo praticada no longínquo ano 3.000 a. C., no Egito, segundo aponta o site da Confederação Brasileira de Boxe. O esporte evoluiu tanto com o passar dos anos, que se tornou modalidade olímpica a partir da edição de 688 a.C, que ocorrera em Olímpia, na Grécia.
Milenar, o pugilismo tem muitas memórias, mas raras são tão emblemáticas quanto aquele 28 de junho de 1997, que colocou frente a frente Mike Tyson e Evander Holyfield valendo o cinturão dos 'pesos-pesados'.
A luta
Na ocasião, Tyson estava a uma vitória de igualar as marcas de Holyfield e Muhammad Ali, afinal, o triunfo o daria o cinturão da Associação Mundial de Boxe pela terceira ocasião diferente, o equiparando aos lutadores citados.
Além disso, o embate era bem mais significativo para Mike que, aos 30 anos, ainda tentava figurar entre os grandes nomes de sua categoria, apesar das suas recentes aparições nos noticiários não serem tão favoráveis a sua imagem.
A primeira luta estava marcada para o ano de 1991, porém, Tyson foi acusado de estupro e o duelo teve de ser adiado. A grande espera acabou após 5 anos, em novembro de 1996. Tyson era o atual campeão e muitos já viam Holyfield em decadência, mas a ousadia do desafiante acabou triunfando.
Mike Tyson não se deu por vencido. A revanche prometia ser intensa, épica e cheia de emoções. Realmente ela foi, só que a raiva que queimava dentro de Tyson era intensa demais. Foi então que o impensável aconteceu.
Fatídica luta
Naquela noite, o MGM Grand Arena, em Las Vegas, transformou-se em um caldeirão. Fora os presentes envolta do ringue, a luta foi assistida por quase 2 milhões de assinaturas só no sistema pay-per-view, gerando uma receita de cerca de 100 milhões de dólares naquela época, valor que ultrapassa a marca dos U$D 175 milhões em cotação atual.
Faltando 40 segundos para o final do terceiro round, os pugilistas estavam enroscados em um clinch. Irritado com as cabeçadas que levava de Evander, Mike mordeu a orelha direita de seu adversário, arrancando um pedaço e cuspindo-o no chão.
Holyfield gemeu de dor e gritou tamanho o desespero que sentia. Já Tyson foi levado ao corner, enquanto seu oponente ainda sangrava demasiadamente. Após alguns minutos de paralisação, para os médicos avaliarem a situação de Evander, a luta prossegue com Mike perdendo dois pontos: um por agressão e outro pelo grau de ferimento que causou.
Com os ânimos a flor da pele, Mike, pouco tempo depois, morde Holyfield novamente. Desta vez na orelha esquerda. Agora, no entanto, a luta é encerrada e Evander é considerado o campeão.
Com isso, uma briga generalizada é vista no MGM Grand Arena. Público, treinadores e seguranças protagonizam uma cena para se esquecer. Após a luta, a Comissão Atlética de Nevada decide cassar a licença de Tyson para lutar. Além do mais, ele é multado em 3 milhões de dólares, a punição mais pesada já imposta na história da modalidade.
“Eu mordi porque queria matá-lo”
No ano passado, após 23 anos do incidente, Mike Tyson concedeu uma entrevista à TV Fox News relembrando o incidente: “Eu mordi porque queria matá-lo”, disse ao revelar que só agiu daquela maneira porque Holyfield tirou sua concentração.
“Eu estava maluco com os socos na minha cabeça e tudo mais. Eu realmente perdi o foco da luta. Ele me tirou da minha estratégia”, disse. Tyson ainda relata o que sentiu naquela ocasião. “Olha só, por bem ou por mal, não vou deixar ninguém tirar a minha glória. Vou encarar com tudo que posso’. E foi o que eu fiz. Assumo a minha responsabilidade por isso. Foi a minha glória e assumi a minha responsabilidade”.
Questionado se repetiria sua atitude de morder a orelha de Holyfield, ele afirma que sim. “Eu espero que não. Eu digo, ‘não, nunca vou fazer isso outra vez’, mas pode ser que eu faça. Se ele voltar a fazer o que ele fez para levar a mordida, eu morderia outra vez, sim”, completou. Apesar das desavenças, os dois fizeram as pazes após alguns anos.
A orelha
Após a luta, muito se especulou sobre o paradeiro do pedaço da orelha de Evander Holyfield, no entanto, até hoje, ninguém foi capaz de afirmar com certeza onde ela foi parar. Embora, alguns pontos ajudem a colocar uma luz sobre essa história.
Quando a luta acabou, Holyfield foi para os vestiários enquanto Tyson reclamava com a arbitragem, ainda enfurecido pela decisão. Segundo matéria publicada pelo The New York Times dois dias depois da luta, que foi repercutida pelo UOL, um pedaço da orelha de Evander foi achado por Mitchell Libonati, descrito pelo periódico como um “funcionário com um rodo do hotel MGM Grant”.
"[Libonati]localizou parte da orelha de Holyfield no ringue, enrolou ela em uma luva de látex e bateu furiosamente na porta do vestiário de Holyfield", relata o NYT. “Eu tenho algo que ele provavelmente vai querer”, disse ao guarda do pugilista. O jornal disse que o pedaço encontrado tinha menos de dois centímetros.
Imediatamente, a equipe de Evander a colocou em um balde de gelo e partiram para o hospital na esperança de reimplantá-la. Porém algo inesperado aconteceu. "Eu e o cirurgião plástico procuramos no meio do gelo e não conseguimos encontrar mais", disse o preparador físico Tim Hallmark ao NYT. Assim, o lutador acabou levando oito pontos no que restou de sua orelha.
A investigação prossegue no livro "The Bite Fight: Tyson, Holyfield and the Night That Changed Boxing Forever" do jornalista George Willis, que dá uma versão um pouco diferente do ocorrido.
Na publicação, ele explica que Brian Rogers, paramédico contratado para a luta, havia colocado o pedaço da orelha em um plástico vermelho e a guardou na ambulância. "Eu jamais olhei o que tinha dentro do saco, simplesmente peguei e guardei".
Ele então deixou Evander e o saco no Valley Medical Center, onde o pugilista recebeu os cuidados do cirurgião Julio Garcia. Quando abriu o recipiente, no entanto, o médico ficou decepcionado. “Ali havia um pedaço da pele, mas não da cartilagem”.
O saco foi deixado aos cuidados das enfermeiras e ele foi encaminhado ao pré-operatório. Quando tudo terminou, ele retornou à sala, mas o saco havia sumido e nunca mais foi encontrado. "Garcia suspeita que ele deve ter sido jogado fora acidentalmente ou alguém pode ter levado intencionalmente", concluiu Willis.
Horas depois de ter operado Evander, Julio recebeu uma ligação informando que alguém havia encontrado outra parte da orelha, desta vez com a cartilagem. Mas como a cirurgia já havia sido feita e por todo esse tempo depois, por volta de 1h30, aquele pedaço já estaria inutilizado.
Ninguém sabe ao certo que fim levou aquele pedaço, mas uma reportagem da Folha de S.Paulo de junho de 97 diz que um corretor de imóveis afirmou ter desembolsado 18 mil dólares a um segurança do hotel para ficar com o que seria parte da orelha de Holyfield.
"Ele me mostrou o que tinha achado, e eu decidi comprar", disse o corretor Pete Stevens ao jornalista João Carlos Assumpção. "É o pedaço certo. Um cirurgião amigo meu comparou com fotos da parte que faltava da orelha do Holyfield e falou que aquele era o pedaço".
O livro ainda levanta outras teorias, dizendo que o pedaço possa ter sido leiloado em Nova York por 25 mil dólares, ou até mesmo que ele estaria em exposição em um restaurante em Cincinnati.
O mistério é tanto que um comercial da Nike em 2013 brincou com a situação. Nele, Mike Tyson aparece devolvendo o pedaço da orelha de Evander dentro de uma caixinha.
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