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Matérias / Getúlio Vargas

"Mataram Getúlio!": Velório de Vargas foi marcado por desmaios e ataques

Logo após o anúncio da trágica morte de Vargas, manifestantes ocuparam ruas e praças, atacando sedes de partidos de oposição

Luiza Lopes Publicado em 24/08/2024, às 09h00

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Manifestantes atacam jornais após notícia de morte de Vargas, em 1954 - Divulgação/Memorial da Democracia
Manifestantes atacam jornais após notícia de morte de Vargas, em 1954 - Divulgação/Memorial da Democracia

Agosto de 1954. Getúlio Vargas, então presidente, sofria com a ameaça de um golpe militar. Ou, pelo menos, seria tirado à força do Palácio do Catete, para depois serem convocadas eleições. 

Na época, em seu segundo mandato (1951-1954), enfrentava uma crise política e econômica crescente

Ele [Vargas] não queria sair por baixo, ter sua biografia manchada depois de tantos anos no topo e de toda a fama e imagem positiva que tinha criado”, explica Thiago Cavaliere, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), à Aventuras na História. 

No dia 24, após uma reunião com aliados e familiares, onde se discutiu a possibilidade de resistência, renúncia ou licença temporária, decidiu pela licença. Porém, na manhã seguinte, incapaz de dormir, Vargas se retirou para seu escritório e tirou a própria vida com um tiro no peito

Carta-testamento

Ao lado de sua cama, foram encontradas duas folhas datilografadas e assinadas, contendo o documento que ficaria conhecido como sua "Carta-Testamento", texto profundamente pessoal, combinando desabafo, justificativa e despedida. 

Nas linhas, Vargas expressou sentimentos de traição, desgaste emocional e físico. Sua decisão é apresentada como uma “escolha inevitável”. Para Marcos Napolitano, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), "há uma forte carga emocional, incrementada pela narrativa de martírio do líder em nome do povo”. 

O presidente relatou o "sacrifício pessoal" e a "resistência constante" que suportou em sua luta para proteger o povo brasileiro.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado", escreveu o político. 

Segundo Cavaliere, “a carta-testamento pode ser encarada como um fim triste e absurdamente impactante de uma figura política que chegou ao máximo que se pode chegar para salvar sua biografia”. 

Quem tira a própria vida, em virtude de uma (suposta) injustiça, se declarando uma pessoa que viveu em função do povo brasileiro, nada mais é para os trabalhadores como um herói. E foi essa a imagem que ficou no imediato pós-suicídio”, afirma o historiador.

O estudioso acrescenta: "Se o presidente tivesse saído do poder devido a um processo de impeachment, sido retirado pelas Forças Armadas ou ainda condenado por assassinato do Major Vaz e pela tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, hoje a memória sobre ele talvez fosse completamente diferente". 

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Caixão com corpo de Getúlio Vargas é carregado / Crédito: Getty Images

Comoção popular

Logo após a notícia do suicídio de Vargas, manifestantes ocuparam ruas e praças em todo país, atacando sedes de partidos de oposição, especialmente da UDN, além de jornais aliados ao udenismo e quartéis. "Mataram Getúlio! Mataram Getúlio!" gritavam os manifestantes

O povo ficou chocado. Pois, no momento do suicídio, a popularidade de Vargas estava ameaçada. Mas quando ele se mata, a população passa a vê-lo como um mártir. Se ele se suicidou, é porque era inocente, um injustiçado. Assim que o povo enxergou a situação”, conta Cavaliere

"O jornal do Lacerda, A Tribuna da Imprensa, além de O Globo, dois periódicos que criticavam mais fortemente o governo, foram depredados”, conta. O jornalista, inclusive, teve de se refugiar na embaixada dos Estados Unidos. Porém, o local foi atacado, e ele escapou de helicóptero para o cruzador "Barroso", ancorado na baía da Guanabara.

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Manchetes dos jornais O Globo e Última Hora sobre morte de Vargas / Crédito: Arquivo Nacional; Hemeroteca da Biblioteca Nacional/Acervo Última Hora

Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, na entrada do Palácio do Catete, uma enorme fila se formou de cidadãos comuns, ansiosos para ver o corpo do presidente. A visitação, que se estendeu pela madrugada, foi marcada por cenas de desespero, com desmaios, choro e crises nervosas, explica a Assembleia Legislativa de São Paulo. "Perto de 3 mil pessoas, principalmente com crises nervosas e desmaios, foram atendidas pelo serviço médico de emergência montado nos jardins do palácio, onde centenas de coroas estavam depositadas", explica o texto. 

Estima-se que mais de um milhão de pessoas tentaram chegar ao velório, mas apenas 67 mil conseguiram ver de perto o corpo de Vargas.

Veio à tona toda a memória do homem que criou as leis trabalhistas, do 'pai dos pobres'. Isso levou a uma explosão de manifestações nas ruas a favor de Vargas. Uma mistura de choro e revolta. As pessoas andavam chorando com fotos dele nas mãos", destaca Cavaliere

De acordo com o memorial, na manhã do dia 25 de agosto, uma imensa multidão acompanhou o caixão até o aeroporto Santos Dumont, de onde um avião o levaria para São Borja, no Rio Grande do Sul.

Impedidos de entrar no aeroporto, formou-se uma concentração em frente ao quartel da 3ª Zona Aérea, que foi repelida por tiros disparados pelos oficiais da Aeronáutica, dispersando os manifestantes. 

Porto Alegre

Enquanto isso, em Porto Alegre, logo após as primeiras notícias sobre a morte de Vargas, populares se reuniram no Comitê Central Pró-Candidatura Leonel Brizola, ligado à ala esquerda do PTB, em busca de informações. 

Saindo de lá, tomaram as ruas com fotos de Vargas e bandeiras nacionais com tarjas pretas, em sinal de luto, repercute o Memorial da Democracia. 

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Manifestantes colocam tarjas pretas nas bandeiras em sinal de luto./ Crédito: Divulgação/Memorial da Democracia

As sedes dos principais partidos de oposição, como a UDN, foram depredadas. Também atacaram o jornal "O Estado do Rio Grande", ligado ao Partido Libertador, as oficinas do "Diario de Notícias" dos Diários Associados, e as rádios Farroupilha e Difusora. 

Apenas no final da tarde, o governador do Rio Grande do Sul, general Ernesto Dorneles, primo de Vargas, solicitou auxílio do Exército para conter os manifestantes. Os distúrbios em Porto Alegre resultaram em dois mortos e dezenas de feridos.