Da mitologia grega a Guerra do Vietnã: as inspirações de Suzanne Collins para criar uma das sagas mais vendidas da história
Jogos Vorazes é uma das distopias mais marcantes da literatura mundial. A trilogia original de Suzanne Collins acompanha a jovem Katniss Everdeen que vive num país distópico chamado Panem (onde seria a América do Norte).
Panem é comandado pela Capital — uma metrópole tecnologicamente avançada. Todos os anos, a Capital seleciona dois jovens moradores de cada um dos doze distritos de Panem que são obrigados a participarem de uma competição televisionada no qual os "tributos" (nome dado aos selecionados) lutam até a morte.
Os Jogos servem como um lembrete sobre uma revolta ocorrida há décadas e também é uma forma de mostrar o poder da Capital diante de todos os outros Distritos.
Com mais de 85 milhões de cópias vendidas em todo o mundo, Jogos Vorazes é uma das sagas mais vendidas da história. No Brasil, as obras são publicada pela Editora Rocco, que recentemente lançou 'Amanhecer na colheita'; o quinto livro do universo criado por Suzanne Collins.
Mas quais foram as inspirações da autora norte-americana para criar a série Jogos Vorazes? Conheça algumas delas!
O contexto de Jogos Vorazes se passa em uma nação onde tudo o que acontece é televisionado. A sociedade pós-apocalíptica governada pela Capital fascista mantém as massas sob controle, alimentando-as com combates sangrentos de jovens até a morte.
Os jogadores escolhidos como "tributos", além de enfrentarem combates corpo-a-corpo primitivo com outros concorrentes, também precisam "lutar" pela simpatia — e patrocínio — das pessoas.
Assim, Katniss se torna tanto uma guerreira como uma estrela de reality show. Ela não basta ser mortal com seu arco e flecha para sobreviver, também precisa "seduzir" os espectadores em troca de comida ou remédios.
Em entrevista ao The Guardian, Suzanne contou que a ideia de Jogos Vorazes surgiu quando ela trocava de canais de sua televisão, alternando entre reality show e a notícias sobre guerras.
Eu estava muito cansada... e eu estava passando por imagens em reality shows onde esses jovens estavam competindo por um milhão de dólares ou algo assim, então eu estava vendo filmagens da guerra do Iraque, e essas duas coisas começaram a se fundir de uma forma muito perturbadora, e esse é o momento em que eu tive a ideia para a história de Katniss".
O Guardian também aponta que a autora possui uma relação um tanto quanto pessoal com a guerra e a mídia, afinal, seu pai passou sua carreira na Força Aérea dos EUA e serviu na Guerra do Vietnã.
Minha mãe tentou muito nos proteger, mas ocasionalmente depois dos desenhos animados da tarde de qualquer coisa que estivesse passando... o noticiário noturno passava e eu via imagens da zona de guerra e ouvia a palavra Vietnã e eu sabia que meu pai estava lá e era uma experiência muito assustadora para mim", relatou.
A experiência de uma vida com uma família da Força Aérea formou em Suzanne Collins duas preocupações que se tornariam centrais para a trilogia de Jogos Vorazes: um fascínio pelos campos de batalha, antigos e modernos, que seu pai com mentalidade histórica explicaria aos seus quatro filhos em detalhes estratégicos. E também a mitologia clássica, que será explicada adiante.
Segundo a mitologia grega, Atenas era obrigada a enviar jovens para serem sacrificados ao Minotauro (um monstro com corpo de homem e cabeça de touro) — uma forma de punição pela derrota dos atenienses pelos cretenses na guerra de Minos.
O rei Minos exigia esses "tributos" como forma de vingança. E, sendo assim, esse tributo consistia no envio de sete jovens e sete donzelas atenienses para Creta a cada nove anos para serem lançados no Labirinto e se tornarem alimento para o Minotauro.
O ciclo só foi quebrado quando Teseu se voluntariou para enfrentar o Minotauro, vencendo-o e deixando o labirinto com a ajuda de um novelo de lã dado por Ariadne, filha do rei Minos, que se apaixona por ele.
A história se aproxima muito do contexto de Katniss Everdeen, que se ofereceu como tributo aos Jogos Vorazes e encontrou uma forma de quebrar o ciclo de violência. A relação foi explicada por Collins em entrevista ao New York Times em 2018.
Eu era tão fã de mitologia grega quando criança que é impossível que ela não entre em jogo na minha narrativa. A conexão com o mito de Teseu aconteceu imediatamente", relatou. "Como um jovem príncipe de Atenas, ele participou de uma 'loteria' que exigia que sete meninas e sete meninos fossem levados para Creta e jogados em um labirinto para serem destruídos pelo Minotauro".
"Em uma versão do mito, essa punição excessivamente cruel resultou dos atenienses se opondo a Creta em uma guerra. Às vezes, o labirinto é um labirinto, às vezes é uma arena. Na minha adolescência, li 'The King Must Die' de Mary Renault, em que os tributos acabam na Bull Court. Eles são treinados para se apresentar com um touro selvagem para uma plateia composta pela elite de Creta que aposta no entretenimento".
"Teseu e sua equipe dançam e dão cambalhotas sobre o touro no que é chamado de salto de touro. Você pode ver representações disso em esculturas antigas e pinturas em vasos. O show terminava quando eles exauriam o touro ou um dos integrantes da equipe era morto. Depois que li aquele livro, nunca mais consegui voltar a pensar no labirinto como um simples labirinto, exceto talvez eticamente. Ele sempre será uma arena para mim", explicou.
Outro debate levantado por Jogos Vorazes diz respeito a repressão de regimes totalitários e como a violência impacta nos jovens; afinal, os Jogos são usados como uma forma de distração, para evitar revoltas. Em entrevista à Scholastic, Suzanne disse que trouxe aos livros o que ela chama de "a emoção voyeurística".
Assistir pessoas sendo humilhadas, ou levadas às lágrimas, ou sofrendo fisicamente... é isso que eu acho muito perturbador. Há esse potencial para dessensibilizar o público para que, quando eles vejam uma tragédia real acontecendo no noticiário, isso não tenha o impacto que deveria"
A Teoria da Guerra Justa é um modelo de pensamento e de conjuntos de regras de conduta que discutem em quais condições uma guerra é ou não moralmente aceitável. O conceito é trazido por Suzanne em seus livros, como ela própria explicou em uma entrevista publicada em seu site oficial.
"A Teoria da Guerra Justa evoluiu ao longo de milhares de anos em uma tentativa de definir quais circunstâncias dão a você o direito moral de travar uma guerra e qual é o comportamento aceitável dentro dessa guerra e suas consequências. O porquê e como".
Ela ajuda a diferenciar entre o que é considerado uma guerra necessária e desnecessária. Na trilogia Jogos Vorazes, os distritos se rebelam contra seu próprio governo por causa de sua corrupção. Os cidadãos dos distritos não têm direitos humanos básicos, são tratados como trabalho escravo e são submetidos aos Jogos Vorazes anualmente".
"Acredito que a maioria do público de hoje definiria isso como motivo para revolução. Eles têm uma causa justa, mas a natureza do conflito levanta muitas questões. Os distritos têm autoridade para travar uma guerra? Qual é a chance de sucesso deles? Como o ressurgimento do Distrito 13 altera a situação? Quando entramos na história, Panem é um barril de pólvora e Katniss a faísca", finaliza.