Fim da Guerra do Vietnã, em abril de 1975, acabaria por unificar o país asiático, até então dividido, e também por mudar para sempre os Estados Unidos
Do telhado da embaixada dos Estados Unidos em Saigon, capital do Vietnã do Sul, o sargento Terry Bennington pegou o rádio e ordenou ao seu pessoal que baixasse a bandeira e a encontrá-lo para aguardarem o helicóptero. Aqueles eram os últimos onze militares norte-americanos no Vietnã. Uma hora se passou, duas horas... e nada. Até que começaram a ver norte-vietnamitas subindo a rua. Eles sabiam que, se fossem pegos, não sairiam vivos dali – mas também não se renderiam, e lutariam até tombar.
“Quando estávamos nos preparando para abrir fogo, vimos um ponto bem longe e, conforme foi se aproximando, vimos que era um helicóptero. De repente percebemos que tínhamos uma chance de sair dali. Ficamos lá por tanto tempo, que fiz muitas promessas a Deus. E ele me atendeu”, conta Terry, sobre os momentos finais da participação norte-americana na Guerra do Vietnã, ocorrida entre 1955 e 1975.
O depoimento do militar faz parte da série documental Vietnã: A Guerra Que Mudou os EUA, recém-lançada mundialmente pelo Apple TV+, onde ficará disponível de forma permanente, para marcar os 50 anos do fim do conflito.
Em seis episódios, com direção de Rob Coldstream e a participação especial e roteiro do veterano desta guerra, Bill Broyes, a obra explora o efeito que um dos acontecimentos mais controversos da história dos EUA teve sobre o povo do país. A ideia, segundo eles, é mostrar a transformação do entusiasmo confiante em relação à guerra até, uma década depois, o país se modificar profundamente e para sempre.
Já no Vietnã, que se encontrava em conflagração pelo menos desde 1940, quando o Japão invadiu a então colônia francesa da Indochina, a queda de Saigon marcou o recomeço de um país, agora, unificado — para os vietnamitas, aliás, este conflito é conhecido como “A Guerra de Resistência contra a América”. Ou seja, contra um dos grandes vencedores da Segunda Guerra, colocando um fim na sensação de invencibilidade que os EUA adquiriram em 1945.
Ainda que tenham vivido outros embates nas últimas décadas, nenhum se equivale às consequências dos dez anos de presença maciça norte-americana nas selvas do sudeste asiático. Isso porque, à medida que as batalhas eram transmitidas na televisão dia após dia, protestos generalizados pelas ruas dos EUA surgiam contra o conflito, levando a uma mudança fundamental na identidade nacional do país e também a dilemas sobre o que foi a Guerra do Vietnã.
Em uma palavra, de acordo com o historiador militar britânico sir Max Hastings, ela foi uma tragédia. Para compreender essa história e seus desdobramentos, partimos de tempos longínquos, de quando o Vietnã ainda era parte da Indochina, uma colônia francesa.
Os primeiros contatos entre vietnamitas e franceses começaram ainda no século 17, por meio de missões jesuíticas no Vietnã lideradas pelo padre francês Alexandre de Rhodes, SJ. Durante boa parte do século seguinte, a relação entre os dois povos foi majoritariamente econômica, focada em trocas comerciais – concomitante, continuava a ação dos missionários católicos.
O cenário começou a mudar em 1787, quando o bispo Pierre Pigneau de Behaine, pediu que o governo francês organizasse uma expedição militar para ajudar o herdeiro ao trono do Vietnã, Gia Long (nascido Nguyễn Ánh), a retomar suas terras e unificar o país. As tropas francesas atenderam ao pedido e lutaram pelo imperador até 1802. A partir daí, a presença da França no país asiático seria cada vez maior, transformando o Vietnã em parte de sua colônia na região.
“No século 19, a França conquistou o Vietnã, o Camboja e o Laos e criou a colônia da Indochina Francesa, dividindo o Vietnã em três partes: Tonkin, Annam e Cochinchina. Reprimindo revoltas nacionalistas, conseguiram manter o domínio colonial no país até a Segunda Guerra, quando a Indochina foi ocupada pelos japoneses”, descrevem os autores de A Guerra do Vietnã: A História Ilustrada Definitiva.
Na luta por sua independência da França, que se esforçou para retomar o controle de sua colônia, e do Japão, o movimento revolucionário Viet Minh, fundado em 1941 por Ho Chi Minh, líder do norte, entrou em conflito contra os franceses e, ao derrotá-los, deu fim à Primeira Guerra da Indochina.
Em 1954, na Conferência de Genebra, na Suíça, o Vietnã se tornou independente, porém, na forma de dois Estados: o Vietnã do Norte, sob domínio comunista, e o Vietnã do Sul, sob a égide capitalista.
Com os franceses se retirando, os norte-americanos começaram a tomar seu lugar, enviando as primeiras unidades do Grupo Consultivo de Assistência Militar, conhecido como consultores militares, para o Vietnã do Sul em 1º de novembro de 1955 – data que marca o “início formal” da “guerra americana” em terras vietnamitas.
No filme Apocalypse Now Redux, a versão estendida do diretor Francis Ford Coppola, há um momento em que o personagem de Martin Sheen, o capitão Willard, conversa com colonos franceses que permaneceram em sua plantação após o fim da Guerra da Indochina. Ao ser indagado pelo oficial norte-americano sobre quando deixariam o país, um deles replica, dizendo que “nunca sairiam”.
Na sequência, o chefe da família emenda: “Foram os EUA que criaram o Viet Minh em 1945. Agora vocês tomaram o lugar dos franceses. O que podem fazer? Nada, absolutamente nada”. A cena faz referência ao fato de os norte-americanos armarem os militantes vietnamitas na fase final da Segunda Guerra.
Apesar de inicialmente simpáticos à causa do Vietnã do Norte, com a derrota do Japão, os EUA perceberam o que haviam feito. E depois, com a retirada dos franceses em 1954, a administração do então presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, decidiu que era hora de “intervir” no Vietnã do Sul.
Naquele ano, com a Guerra da Coreia recém-paralisada e a Guerra Fria a todo vapor, imperava na Casa Branca a Teoria do Dominó, que pautaria boa parte da ação externa dos EUA até 1990. Ela pregava que, “se um país, ou região, caísse para o comunismo, os países com os quais esse fizesse fronteira cairiam em seguida”.
Portanto, com a China sob o comando de Mao Tsé-Tung desde 1949, os EUA concluíram que, se todo o Vietnã se tornasse comunista, o mesmo aconteceria no resto do sudeste asiático. E, assim, em 1955, começou a saga dos americanos no Vietnã.
Na primeira década – sob o governo de Eisenhower e de John F. Kennedy –, os EUA limitaram sua presença no Vietnã do Sul aos chamados “consultores militares”. Contudo, com a posse de Lyndon B. Johnson, após o assassinato de JFK, em 1963, as centenas que estavam no país rapidamente se tornaram milhares.
Em 1964, depois do incidente do Golfo de Tonkin, quando – em condições até hoje nunca completamente esclarecidas – navios de guerra da Marinha dos EUA foram supostamente atacados por barcos do Vietnã do Norte, o Congresso norte-americano passou uma resolução que autorizava o governo a “tomar todas as medidas necessárias para repelir qualquer ataque armado contra as forças dos EUA e evitar novas agressões”.
Em outras palavras: o governo dos EUA autorizou uma guerra sem a necessidade de uma declaração formal. Além de intensificar os bombardeios contra as forças do Norte, o congresso aumentou ainda mais o efetivo de pessoal militar.
Em março de 1965, o total de forças dos EUA no Vietnã do Sul era de 23 mil; em julho, 75 mil, e no fim do ano, após a batalha de La Drang – o primeiro confronto direto entre militares norte-americanos e norte-vietnamitas – chegou a 184 mil.
Apesar da vitória tática, La Drang se provaria uma armadilha para os EUA. O general William Westmoreland, comandante das forças norte-americanas no Vietnã até 1968, acreditava que aquilo era a prova de que a superioridade militar do país, em poder de fogo e mobilidade, infligiria mais baixas ao inimigo do que poderia suportar. Porém, a concepção do general era baseada em uma visão enviesada.
Além de subestimar seu adversário, ele não considerou que, para Ho Chi Minh, o embate provou que eles ganhariam dos EUA assim como ganharam da França. Isso porque o líder em Hanoi, na capital do Norte, não se concentrou no número de baixas, mas em um plano maior.
Apesar da morte de 2 mil homens contra 237 dos EUA, os norte-vietnamitas sabiam que uma guerra prolongada iria exaurir o inimigo, como de fato aconteceu. Além de minar o moral dos soldados, o número de mortos se provaria vital para virar a opinião pública norte-americana contra o conflito. O Vietnã aguentaria suas baixas, a América não. Mas o pensamento de Westmoreland não era isolado, era a forma generalizada de pensar nos EUA daquele tempo.
Segundo Bill Broyles, que combateu o Vietnã de 1969 a 1971, as pessoas do início da guerra pensavam completamente diferente daquelas que chegavam depois. “Os primeiros tinham a mentalidade da Segunda Guerra Mundial”, resume. E isso só começaria a mudar com a chegada de 1968.
Embora outros grandes embates tenham ocorrido em 1966 e 1967, as forças do Vietnã do Norte evitavam o atrito com os norte-americanos, pois sabiam que estariam em desvantagem. Então, ao invés de baterem de frente contra eles, preferiam usar técnicas de guerrilha – as mesmas utilizadas de forma eficaz contra os japoneses e os franceses. Numa delas, os guerrilheiros comunistas atacavam as retaguardas das tropas em patrulha pelas densas selvas e depois desapareciam na vegetação.
Além de os militares norte-americanos terem se deparado com um novo tipo de estratégia, para a qual não haviam sido treinados, começaram a ter seu moral seriamente danificado pela guerra psicológica do inimigo, que ficou conhecido pelos soldados dos EUA como vietcongue, depois de VC e, mais tarde, de Charlie, uma forma “carinhosa” oriunda do código fonético militar: VC viraria “Victor Charlie”.
Com ataques por todo o território do Vietnã do Sul, não demorou muito para os generais norte-americanos perceberem que uma tremenda logística estava por trás daquilo: a Trilha Ho Chi Minh que, na verdade, eram várias que interligavam o Norte ao Sul, permitindo que armas e equipamentos vindos da China e da União Soviética chegassem aos Charlie.
Muitas vezes avançando nos países vizinhos Laos e Camboja – o que fez com que os EUA lutassem uma guerra secreta nesses territórios –, a trilha se estendia por quase 20 mil quilômetros, com cidades inteiras escavadas sob a terra para proteger os combatentes dos bombardeios maciços lançados pelos aviões dos EUA. Essa é a origem dos famosos túneis do Vietnã, que hoje são atração turística.
No Ano Novo de 1968, a guerra se encontrava num impasse. Apesar do pouco progresso, graças à superioridade material, os norte-americanos haviam conseguido conter as forças do Vietnã do Norte – mas sem atingir os objetivos do general de ganhar a guerra até o final do ano anterior. No entanto, a situação não continuaria assim por muito tempo, pois os norte-vietnamitas tinham outros planos.
O primeiro dia do ano no calendário lunar tradicional do Vietnã, conhecido como Tết Nguyên Đán, ou simplesmente Tet, é 30 de janeiro, uma data que era para ser tranquila naquele 1968, pois o Vietnã do Norte e o do Sul transmitiram via rádio que haveria um cessar-fogo de 48 horas.
O anúncio, porém, fazia parte de uma operação de dissimulação estratégica: o general Vo Nguyen Giap, cérebro militar norte-vietnamita, vinha preparando uma grande investida no território do Sul. Chamada de Ofensiva do Tet, ela atingiu mais de cem localidades, desde a capital Saigon, passando por importantes centros urbanos, como a cidade portuária de Da Nang, até a antiga cidade imperial de Hue.
“Charlie estava em todo lugar”, descreveu um marine que lutou contra os vietcongues em Saigon. Estima-se que, no prelúdio da batalha, em torno de 4 mil vietcongues haviam se infiltrado em meio à população, causando o caos enquanto forças adicionais com mais de 30 mil homens fariam o assalto principal. Pegos desprevenidos, os militares dos EUA e do Vietnã do Sul se viram lutando batalhas por sítios estratégicos considerados “intocáveis”, como a embaixada dos Estados Unidos e o aeroporto de Saigon.
As imagens feitas pela mídia, presente em vários locais enquanto as tropas lutavam, foram fundamentais para convencer as pessoas nos EUA de que tudo não estava indo tão bem assim, como a Casa Branca e o Pentágono divulgavam.
A Ofensiva do Tet foi o ponto de virada da guerra. Mesmo que tenha sido uma derrota militar para o Vietnã do Norte, afetando a capacidade de combate dos vietcongues, “a derrota maior foi para o outro lado”, afirmou Dang Xuan Teo, um VC infiltrado em Saigon que, hoje, é coronel reformado do Exército do Vietnã.
De acordo com dados do Arquivo Nacional dos Estados Unidos, 1968 foi o ano mais sangrento do conflito: dos 58.220 estadunidenses que morreram no Vietnã, 16.899 foram só naquele ano. Com imagens transmitidas diariamente, e com ainda mais jovens voltando sem vida para casa, a sociedade norte-americana começou a questionar.
Com o movimento dos direitos civis crescendo em uma sociedade consternada que não parava de receber más notícias da Ásia, o democrata Lyndon Johnson decidiu não concorrer à reeleição de 1972. Os Republicanos, então, viram a oportunidade de voltar à Casa Branca. E, prometendo “trazer nossos rapazes de volta para casa” e acabar com a guerra, Richard Nixon foi eleito presidente dos EUA.
O conflito entrava na segunda fase, mas, apesar das promessas, ainda estava longe de acabar. Em resposta ao Tet, os militares pediram tropas adicionais. E conseguiram. Em março de 1968, o total de forças dos EUA no Vietnã do Sul era de 510 mil. Já no ano seguinte, quando Nixon chegou à presidência, o número já havia passado de 540 mil, o pico do efetivo norte-americano no país.
Assim que assumiu, o novo presidente recebeu informações extraoficiais de que “o Vietnã era uma guerra impossível de ser vencida”. Juntando isso à opinião pública contrária ao conflito e também à dura realidade de cerca de 300 caixões voltando para os EUA semanalmente, Nixon pediu aos assessores uma estratégia para “sair dali o mais rápido possível”.
O problema era como fazer isso. No Vietnã, a raiva dos soldados e, sobretudo, o despreparo deles para lutar em condições que jamais imaginaram, deram origem a alguns dos momentos mais trágicos do conflito, como o massacre de Mỹ Lai – onde forças dos EUA estupraram e mataram mais de 500 civis, incluindo mulheres e crianças, acusados de serem VCs ou simpatizantes.
Eventos como esse, que recebiam grande cobertura da mídia americana, fizeram com que os soldados que retornavam ao país fossem recebidos com hostilidade pelo público. Eram comuns, nas manifestações antiguerra, cartazes como “assassinos de bebês” e “você não me representa”. Um contraste com a recepção calorosa aos que voltaram da Segunda Guerra Mundial.
A geração militar filha dos “libertadores de 1945” sofreu para se adaptar à nova realidade. No Vietnã, só queriam voltar e, quando voltavam, não eram bem-vindos. Esse drama psicológico levou a dias de fúria, chegando a ter veteranos inflados de estresse pós-traumático abrindo fogo contra civis em espaços públicos. Agora imagine esta sociedade complexa ainda ser afetada por dois outros elementos: o racismo e as drogas.
Testemunhos em primeira pessoa revelados na série do Apple TV+, como o do fuzileiro naval Malik Edwards, ilustram o drama da desigualdade racial do período.
Conforme o conflito ia avançando para a segunda fase, as antigas famílias tradicionais brancas – onde lutar pelo país era questão de honra – começaram a não mandar mais seus filhos para o Vietnã. Nos lugares, iam jovens brancos pobres, operários, latinos e, sobretudo, negros. Ou seja, enquanto na Segunda Guerra as unidades eram segregadas, no Vietnã imperava as piores tarefas, como ser o “esclarecedor” – o primeiro militar em uma patrulha. “Estas eram quase sempre atribuídas aos jovens negros”, diz Malik.
Em contrapartida, esta parcela da população, que nunca havia se perguntado a razão daquela guerra ou de estarem ali, começaram – em parte influenciada pela propaganda norte-vietnamita – a questionar as autoridades, a conhecer seus direitos e a brigar por eles. O próprio Malik, quando deixou o Vietnã, entrou para o movimento Panteras Negras.
O outro problema eram as drogas. Situado no Triângulo Dourado da Ásia, uma das principais áreas produtoras de ópio e metanfetamina do continente, o Vietnã possibilitava aos militares cansados dos combates “drogas de pureza quase absoluta”.
Segundo informações do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em 1971, pouco mais da metade das Forças Armadas já haviam fumado maconha, 31% usado psicodélicos como LSD, mescalina e cogumelos, e 28% cocaína e heroína.
Com a tropa desmotivada, constantemente sob efeito de narcóticos, e preocupada apenas em sobreviver e voltar para casa, um fenômeno surgiu: fragging. Traduzido como “fragmentação”, o termo se refere à prática de um soldado matar ou tentar matar outro soldado, geralmente um superior.
“Os jovens (os mais velhos tinham 19 anos) não estavam interessados em morrer por Kissinger, Nixon ou por algum major. Se os fuzileiros estivessem em perigo, eles fariam algo. E se era ordem, queriam saber o que eu faria a respeito”, conta o tenente comandante de pelotão no Vietnã Bill Broyles, lembrando quando foi ameaçado com fragging, em caso de colocar seus homens em perigo, e tendo de reconquistar o respeito deles.
Em parte, a promessa de tirar as tropas do Vietnã foi a responsável pelo cenário. A Ofensiva do Tet deixou clara que a guerra não podia ser vencida e, diante da garantia de que os EUA logo sairiam do país, um vácuo ocupou a mente dos soldados: se eles iriam embora, por que morrer por uma causa perdida?
Enquanto isso, em Washington, nos EUA, o governo chegava a duas “soluções” para o conflito. Complementares, pautariam o restante da ação norte-americana no Vietnã: “escalar para depois desescalar” e a “vietnamização” da guerra.
Com a expressão “escalar para depois desescalar”, a administração Nixon orientava usar a estratégia conhecida como “tapete de bombas” ou “bombardeamento de saturação” por toda a antiga Indochina e não apenas no Vietnã do Norte. Baseada nas ideias de Henry Kissinger, então secretário de Segurança Nacional, ela previa afetar o poder militar dos norte-vietnamitas até serem forçados à mesa de negociação.
Apesar de envolver os vizinhos da região, de ter custado a vida de aviadores norte-americanos e de outros milhares terem sido feitos prisioneiros, a manobra de Kissinger deu certo. Conversações secretas foram abertas com o Vietnã do Norte já em 1970, avançando ao longo dos anos seguintes até culminar nos Acordos de Paz de Paris, em 1973.
Concomitantemente, Kissinger também negociava uma “vitória” para que os EUA não saíssem completamente derrotados do sudeste asiático. Se, no passado, a América interveio no Vietnã – naquilo que muitos viam como uma guerra civil entre Norte e Sul – para impedir o avanço do comunismo chinês na região, o diplomata iria diretamente à fonte: negociar um encontro presencial entre Nixon e Mao Tsé-Tung.
Está aí a origem da famosa visita de Nixon à China em 1972 e da aproximação sino- -americana que, mais tarde, possibilitaria à China se tornar uma potência global – hoje competindo de igual para igual com os EUA.
A outra estratégia na esfera militar e a segunda “solução” proposta pela administração Nixon era a “vietnamização” do conflito, ou seja, transferir capacidade de liderança e de combate para os militares do Vietnã do Sul, que deveriam assumir o papel dos EUA no campo de batalha, permitindo que os soldados norte-americanos pudessem voltar para casa.
Apesar de terem continuado com os bombardeios em massa durante as negociações em Paris – incluindo o “Bombardeio de Natal” de 1972, que durou onze dias e despejou mais de 20 mil toneladas de bombas no Vietnã do Norte –, a “vietnamização” do conflito estava dando bons resultados. Não apenas os soldados sendo repatriados, como também os norte-vietnamitas concordando com os termos propostos pelos norte-americanos.
A principal garantia que os EUA queriam é que o Vietnã do Norte iria respeitar o Vietnã do Sul depois que suas tropas deixassem o país. Além disso, a pedido do presidente do Sul, Nguyễn Văn Thiệu – em uma das raras sugestões que pôde dar sua opinião nas negociações –, os EUA exigiriam que o Norte retirasse os militares do Sul.
Mesmo que inicialmente estivesse inclinado a não aceitar, Lê Đức Thọ, o negociador sênior norte-vietnamita, concordou com isso (provavelmente estimulado pelos efeitos do “Bombardeio de Natal”).
Em 12 de janeiro de 1973, finalmente foi anunciado que EUA e Vietnã do Norte haviam chegado a um tratado de paz. Em 60 dias, os EUA retirariam o restante de suas forças do país e o Vietnã do Norte liberaria os cativos de guerra, compostos em sua maioria pelos pilotos abatidos. Mas não foi o que aconteceu. Nem Norte nem Sul estavam dispostos a parar de lutar e encerrar a guerra, desobedecendo ao cessar-fogo acordado em Paris.
Foi somente com a renúncia de Nixon da presidência, como desdobramento do escândalo político Watergate, que o Politburo (o comitê executivo dos partidos comunistas) em Hanoi se deu conta de que tinham uma chance real de acabar com a guerra.
Mesmo que os sul-vietnamitas tivessem mantido a luta armados pelos EUA, os guerrilheiros do Norte temiam que, se lançassem ofensivas maiores, Nixon voltaria ao Vietnã. Com a saída dele e a ascensão de um novo presidente, Gerald Ford, parecia ser hora de agir.
Em março de 1975, após meses de intensa preparação, as forças do Vietnã do Norte atacaram o Sul. Com as tropas pressionadas por todos os lados, Nguyễn Văn Thiệu cometeu a decisão fatal de evacuar o Planalto Central e montar uma linha defensiva perto de Saigon e nas cidades costeiras.
Diante do caos, com deserções em massa de soldados e ondas de refugiados, os norte-vietnamitas logo chegaram à capital. Até que, em 30 de abril de 1975, tomaram Saigon.
Paris deu à guerra um fim aparente, mas foi com a queda da capital do Sul que finalmente terminavam os vinte longos anos de presença militar norte-americana no país asiático.
A grande superpotência nuclear pode ter simbolicamente ganhado com a China, no entanto, saiu derrotada do Vietnã, com 58.220 mortos – número que, somado aos aliados dos EUA, passa de 200 mil. Já do lado vietnamita, os mortos foram entre 500 mil e 1,5 milhão de soldados, mais de 600 mil civis e 400 mil laosianos e cambojanos.
No total, o conflito interrompeu mais de 3,5 milhões de vidas. E interferiu em outras tantas. Na obra documental do Apple TV+ fica evidente como os sobreviventes nunca mais foram os mesmos, independentemente do lado.
“A série pode ser a última oportunidade para que esta geração, que por muito tempo evitou falar da guerra, conte sua história”, alerta a produtora Caroline Marsden, nos fazendo refletir não só sobre as mudanças de quem viveu na pele, mas também na América, no Vietnã e no mundo.
Não por acaso, as decisões políticas que levaram ao fim da Guerra Fria foram influenciadas pelo que ocorreu no Vietnã. E tendo o combate entre Leste e Oeste terminado sem derrotar o outro lado, hoje vivemos seus ecos, com conflitos que surgiram (e seguem surgindo) de disputas mal resolvidas entre capitalistas e comunistas. Tal como diz Bill Broyles ao fazer um paralelo entre as guerras do Vietnã e ao Terror: “Meu Deus, não aprendemos nada. Não aprendemos nada.”