Como um tipo de canibalismo seguido por determinadas tribos indígenas brasileiras, a prática pode ser melhor entendida se analisada a partir das características do próprio povo
O canibalismo é um ato simbólico feito por diferentes grupos de pessoas ao redor do mundo. Mais conhecida entre os indígenas, principalmente brasileiros, a prática, muitas vezes, é julgada a partir do ponto de vista etnocêntrico — uma das consequências históricas do pensamento antropológico evolucionista, que esteve vigente durante o século 19.
Quando o darwinismo social, que considerava a sociedade europeia como o ápice da evolução humana, em contraste às sociedades “primitivas”, como as aborígenes, falava sobre canibalismo, o resultado era uma análise carregada de preconceitos.
Com o relativismo cultural de Franz Boas, nas primeiras décadas do século 20, passou a ser possível realizar a avaliação sem privilegiar os valores de um só ponto de vista, e investigar sociedades a partir de suas próprias características específicas.
O endocanibalismo
Um dos tipos de canibalismo é o endocanibalismo — ou seja, a ação de alimentar-se de pessoas de um mesmo grupo social. Neste caso, comer gente da sua própria tribo.
Na fronteira do Brasil com a Venezuela, existe um enorme grupo de yanomamis. São aproximadamente 25.000 pessoas, 10.000 delas em território brasileiro, vivendo em 100 aldeias. Em sua cultura, o senso comum é que não há morte natural: se todas elas acontecem por motivos decorrentes de ação humana, todas exigem vingança.
O endocanibalismo praticado por essas tribos pode ser observado em grandes cerimônias, nas quais os cadáveres são preparados e dissecados, e depois de serem cremados são comidos juntamente com purê de banana.
Além deles, os waris, até o final da década de 1960, também praticavam essa espécie de canibalismo em Rondônia. Em um ritual funerário elaborado, quase todas as partes do corpo eram tratadas de formas diferentes. Ossos eram quebrados, alguns órgãos cremados, coração amassado e embrulhado em folhas, entre outras coisas.
Segundo a antropóloga Aparecida Villaça, o ato era meramente simbólico, e não representava nenhuma intenção gastronômica ou de entretenimento. O luto dos waris durava em volta de seis meses, onde os familiares do morto poderiam destruir todos os seus restos, e, assim, esquecê-lo.
“O endocanibalismo dos waris é uma predação sem hostilidade”, explica. “Comer é a prova irrefutável da não-humanidade da coisa comida. Tanto para os inimigos, que não eram considerados gente, quanto para os parentes, cuja morte é difícil de aceitar”.