Com o canal televisivo enfrentando uma grave crise financeira, a emissora apostou suas fichas na produção polêmica — e perdeu todas
Em 1993, a Rede Manchete passava por sua primeira crise graças a direção da empresa IBF. Além de perder o direito de transmissão do Carnaval Carioca, alguns funcionários da filial de São Paulo estavam com os salários atrasados desde 1992, chegando a tomar os transmissores e colocar no ar um slide denunciando o sucateamento da emissora. A esperança de melhora partia das telenovelas.
Após o sucesso de Pantanal, de 1990, que chegou a ultrapassar a líder Globo em audiência, a sucessora A História de Ana Raio e Zé Trovão consolidou a vice-liderança no horário nobre, em 1991. A direção da emissora notou que novelas de apelo popular poderia salvar a emissora de uma dívida que ameaçava a sua permanência no ar, e continuou a produzir novelas com temas brasileiros. Amazônia, com altos investimentos e um elenco de peso, não se consolidou na audiência no ano de 1992, aumentando o prejuízo e ocasionando em greves.
A Manchete decidiu apostar então suas últimas fichas em uma telenovela que gerasse polêmica, mas que não fosse apelativa, mantendo a imagem de emissora classe A. Reuniu os escritores José Louzeiro, Regina Braga, Eloy Santos e Alexandre Lydia, propondo escrever uma releitura tragicômica sobre o processo de impeachment que o então presidente Fernando Collor de Mello enfrentava. O título escolhido foi O Marajá — palavra-chave em sua campanha.
Com direção de Marcos Schechtman, que depois viria a dirigir O Clone em 2001, a produção tinha a jornalista Mariana, interpretada por Julia Lemmertz, como protagonista, revelando os bastidores do poder. O presidente Elle era uma reprodução quase perfeita de Fernando Collor: o ator era Hélcio Magalhães, que apesar da formação como jornalista, trabalhava há três anos como sósia do presidente, fazendo comícios e campanhas publicitárias.
Além de Collor, outros nomes presentes durante o impeachment foram parodiados; Rosane Collor, a primeira-dama, foi parodiada como Ella. Wálter Francis interpretou PC, em referência a PC Farias. Além dos personagens, a novela inovava na estética, produzida em plano sequência para que as cenas de diálogo fiquem em tempo real, além de ter vários diálogos em primeira pessoa, de maneira que o telespectador se sentisse imerso na situação apresentada.
A novela foi gravada entre o final de 1992 e o início de 1993. Logo que ficou pronta, já começou a ser anunciada na programação em chamadas durante os intervalos comerciais. Porém, mesmo sem citar o nome de Collor, o recém saído presidente se ofendeu com a obra e recorreu a justiça. Com estreia programada para as 21h30 de 26 de julho de 1993, a emissora só foi informada que o recurso de Collor tinha sido aceito às 18h00 do mesmo dia.
Uma correria no departamento jurídico se instaurou. Enquanto tentavam caçar a liminar, o Jornal da Manchete se estendeu por mais 20 minutos, esperando algum parecer. Entretanto, a liberação só poderia ser feita depois do julgamento, que duraria no mínimo 60 dias. Sem ter como preencher a programação, antecipou a minissérie que passaria após a estreia de O Marajá, frustrando a audiência que, curiosa, esperava pela nova novela.
A liberação só ocorreu em 1994 com acordos de cortes em cenas com referências claras ao ex-presidente, porém, Adolpho Bloch, fundador da emissora, não teve interesse em exibir após os cortes, alegando que os problemas arranjados com a família Collor e com o Supremo Tribunal Federal só traria ainda mais problemas a emissora, que já estava sendo pautada para haver a cassação de sua concessão.
O paradeiro das fitas é desconhecido. O ex-diretor geral da emissora, Fernando Barbosa Lima, em entrevista a Folha de S. Paulo no ano de 1999, deu a versão de que Adolpho as guardou em um lugar de sua confiança, com medo que fossem levadas pela família Collor. Porém, ao falecer, em 1995, partiu sem revelar o destino que as mesmas tomaram.
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