“A justiça é destruída para sempre quando matamos um homem inocente”. A trajetória de McMillian para escapar da pena de morte será contada no filme Luta por Justiça
Era 1º de novembro de 1986, quando o corpo de Ronda Morrison, uma jovem branca de 18 anos, é encontrado espancado, estrangulado e com três tiros nas costas, em Monroeville, Alabama, nos Estados Unidos.
Rapidamente uma campanha para que o assassino fosse capturado teve início. O xerife da cidade, Tom Tate, estava sofrendo uma enorme pressão popular, mas sem nenhuma pista, era impossível que algum suspeito fosse responsabilizado pelo homicídio.
Dias depois, em uma região próxima, outra mulher foi morta. Dessa vez, o culpado tinha sido pego. Seu nome era Ralph Meyers. A todo custo, Tate tentava relacionar o crime com o caso de Morrison. Até que um nome foi colocado como principal suspeito: Walter McMillian.
Walter não possuía antecedentes criminais, era casado e vivia uma vida tranquila. Entretanto, algo que chamava a atenção de seus vizinhos era o fato dele ter tido no passado um caso com uma mulher branca. O suficiente para que uma sociedade racista acreditasse em sua culpa.
A condenação
Meyers indicou McMillian como seu cúmplice no crime, e mesmo sem nenhuma evidência que ligasse o homem com Ronda, ele foi também responsabilizado por essa morte. Na época, o jornal The New York Times publicou que Walter “foi imediatamente enviado ao corredor da morte do Alabama, na prisão estadual de Holman, Atmore, que geralmente é reservada para condenados. assassinos aguardando execução”, em uma ação do xerife Tate, considerada como “extraordinária”.
Após sua prisão, em junho de 1987, McMillian explicou que estava em um evento organizado pela Igreja que frequentava no momento do assassinato e, que havia dezenas de pessoas que poderiam sustentar seu álibi. Ao que Tate apenas respondeu: “Eu não dou a mínima para o que você diz ou o que faz. Eu não dou a mínima o que o seu povo diz também. Vou colocar doze pessoas em um júri que acharão seu maldito rabo preto culpado”.
Após quase 15 meses esperando julgamento, o dia tinha chegado. Meyers recebeu uma sentença de 30 anos de prisão, após admitir sua culpa. Em 17 de agosto de 1988, o júri considerou o réu, Walter, culpados das acusações. Ele recebeu a pena de prisão perpétua.
Entretanto, um mês depois, o juiz, Robert E. Lee Key Jr, responsável pelo caso, modificou a sentença para pena de morte. Alegando que McMillian “merecia ser executado pelo assassinato brutal de uma jovem na primeira flor da vida adulta”. Foi quando o advogado Bryan Stevenson, de 28 anos, decidiu entrar no caso e provar a inocência do condenado.
O advogado, Bryan Stevenson
Diretor do, então recém-formado, Alabama Capital Representation Resource Center e advogado da Escola de Direito de Harvard, Bryan entrou com uma apelação para rever a pena de Walter. Durante os primeiros meses, todos os pedidos para um novo julgamento foram negados, e inclusive Stevenson alega que recebeu uma ligação do juíz Lee Key aconselhando-o a largar o caso.
“Fui à comunidade e conheci dezenas de afro-americanos que estavam com esse homem condenado no momento em que o crime ocorreu a 18 km, que sabiam que ele era inocente”, contou o advogado em entrevista ao programa de rádio americano Fresh Air, em 2016.
Quatro anos havia se passado, até que um depoimento veio à público. Com esperança de que a Justiça aceitasse realizar um novo julgamento. Meyers, confessou para Stevenson que McMillian era inocente e que tudo que ele falara era mentira.
Ele ainda afirmou ter colocado a culpa em Walter por pressão dos policiais, que ameaçaram colocá-lo no corredor da morte. Mesmo com a nova confissão da principal testemunha do crime, a Suprema Corte negou mais uma vez a petição.
Um ano depois, Stevenson descobriu mais evidências de que todo o julgamento era uma fraude. Vídeos e áudios de testemunhas sendo ameaçadas foram encontrados, assim como provas de que elas tinham sido pagas para mentir sob juramento.
Absolvição
Em 23 de fevereiro de 1993, já no quinto recurso ao Tribunal de Apelações Criminais do Alabama, um novo julgamento foi marcado. Pouco tempo depois, em 2 de março do mesmo ano, todas as acusações foram retiradas. Após quase seis anos no corredor da morte, Walter McMillian foi libertado e voltou para casa.
Mesmo parecendo que o pesadelo tinha chegado ao fim. A vida já não era mais a mesma. Em uma palestra realizada um mês após sua libertação, McMillian falou sobre os perigos que a Justiça americana apresenta: “Estou profundamente preocupado com a maneira como o sistema criminal me tratou e com a dificuldade que tive em provar minha inocência. Também estou preocupado com os outros. Acredito que há outras pessoas sob sentença de morte que, como eu, não são culpadas”.
Stevenson também comentou sobre a vida após o réu ser absolvido. “Quando pessoas inocentes são libertadas, agimos como se devessem agradecer por não terem sido executadas. E não as compensamos muitas vezes. Não as ajudamos. As questionamos. Ainda temos dúvidas sobre elas”.
Walter entrou com uma ação contra o xerife Tate e a equipe que o condenou, mas perdeu. Nenhum membro da polícia ou da promotoria jamais foi responsabilizado pelos danos causados. McMillian contou que, depois de tudo, nunca recebeu um pedido de desculpa.
Ele morreu em 11 de setembro de 2013, e passou o resto da vida com sequelas da prisão. Chegando até mesmo a desenvolver demência devido ao trauma do sistema carcerário.
Sua história será contada na obra cinematográfica Luta por Justiça, que tem estreia marcada para 27 de fevereiro de 2020, e está levantando grande expectativa tanto no público quanto na crítica especializada. No filme, dirigido por Destin Cretton (A Cabana e O Castelo de Vidro), Jamie Foxx interpretará McMillian, e Michael B. Jordan viverá o advogado Stevenson.
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