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Matérias / Santos Dumont

A Encantada: Chalé de Santos Dumont foi construído após aposta com amigos?

Teria o pai da aviação ganhado garrafas de uísque ao concluir o projeto da casa em Petrópolis? Entenda!

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 23/07/2023, às 11h00 - Atualizado em 30/11/2023, às 14h46

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A Encantada, chalé de Santos Dumont - Reprodução, Domínio Público e Wikimedia Commons
A Encantada, chalé de Santos Dumont - Reprodução, Domínio Público e Wikimedia Commons

Considerado pai da aviação, o aeronauta mineiro Alberto Santos Dumont teve muito mais contribuições inventivas do que muitos possam imaginar. É verdade que ele ficou marcado por, no dia 19 de outubro de 1901, circum-navegar a Torre Eiffel, levando à loucura uma multidão que se aglomerava nas pontes do rio Sena. Já em 23 de outubro de 1906, ele se tornou a primeira pessoa a decolar a bordo de um avião impulsionado por um motor a gasolina, ao voar com o Oiseau de Proie, popularmente conhecido como 14-Bis, no Campo de Bagatelle, em Paris.

O 14-Bis de Santos Dumont/ Crédito: Domínio Público

+ Santos Dumont x Irmãos Wright: O debate pelo pioneirismo da aviação

Mas além dos feitos, outro fato que chama a atenção sobre a vida de Dumont é justamente a última residência onde o pai da aviação morou, o chalé 'A Encantada', localizada na histórica cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Afinal, sua construção surgiu como uma aposta entre amigos?

As invenções de Dumont

Embora seja reconhecido como pai da aviação, Santos Dumont não se resumiu apenas a criações voltadas para essa área. Quem explica mais sobre o assunto é o pesquisador e arquivista Rodrigo Moura Visoni, autor de 'Os Artigos de Santos Dumont', em entrevista exclusiva à equipe do Aventuras na História.

"Santos Dumont construiu um motor portátil em 1926; patenteou um dispositivo de fecho para livros em 1927; testou um esqui mecânico em 1928; e registrou, em 1929, um dispositivo carrossel para corridas de lebreiros, bem como um obus porta-amarra, destinado ao salvamento de náufragos. Nenhum desses inventos, porém, são populares hoje em dia", explica.

A liberdade de Dumont para se aventurar pelas invenções vem de berço, nos mais amplos sentidos da frase: não só pelo fato de Alberto ser oriundo de uma família abastada, mas também porque seu pai foi um engenheiro formado em Paris.

O pai de Santos Dumont, além de engenheiro, era cafeicultor, dono da maior fazenda de café do Brasil, a Fazenda Dumont, na região oeste do estado de São Paulo, município de Ribeirão Preto (SP)", relata o pesquisador.

Na década de 1880, para se ter ideia, a Fazenda Dumont já produzia 50.000 arrobas anuais, mas em determinado momento, o transporte de carroças já não dava mais conta da demanda. Assim, Henrique Dumont, pai de Alberto, providenciou a instalação de uma linha férrea ligando os terreiros da fazenda à linha da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, em Ribeirão Preto.

Ferrovia na plantação de café de Fazenda Dumont/ Crédito: Domínio Público

"Com apenas 7 anos, Santos Dumont já guiava os locomóveis da fazenda e, aos 12, divertia-se como maquinista das locomotivas. Também se interessava pelo funcionamento do maquinário utilizado no beneficiamento do café: secadoras, peneiras, descascadoras, separadoras", aponta Rodrigo. "O pai de Santos Dumont foi importante por fazê-lo ter contato com máquinas modernas e familiarizá-lo com tecnologia de ponta, além de havê-lo levado a uma exposição na França na qual estava em exibição um motor a gasolina, novidade da época que viabilizaria a aviação".

Outro fato curioso na infância do aeronauta é que Santos Dumont foi longe de ser um aluno considerado 'exemplar', mas sempre foi autodidata em estudos de sua área de interesse. "Santos Dumont apreciava ler, em especial os livros do romancista francês Júlio Verne (1828-1905) Cinco semanas em balão e Robur, o conquistador, permeados de máquinas voadoras futuristas, e as obras de Camille Flammarion (1842-1925) e Wilfrid de Fonvielle (1824-1914), também franceses, a respeito da história da navegação aérea".

"Tomando paixão por aeronáutica, começou a construir e empinar pipas, a elaborar pequenos aeroplanos com hastes de palha, cujos propulsores eram acionados por tiras enroladas de borracha, e a soltar balões de seda. Os estudos formais se deram em diferentes educandários: Colégio Culto à Ciência (1883-1886), em Campinas; Colégio Kopke (1887) e Colégio Morton (1888), em São Paulo; Colégio Menezes Vieira (1889), no Rio de Janeiro; e Escola de Minas (1890), em Ouro Preto", completa.

A aposta pelo chalé?

Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, o mineiro também se viu atormentado pelo conhecimento de que a tecnologia que ajudara a criar havia sido transformada em arma.

"Santos Dumont foi testemunha da deflagração da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na Europa e escreveu para um amigo brasileiro: 'Caro amigo, em minha última carta eu te dizia que aqui só se falava em guerra, agora, infelizmente, esta é a realidade! Não fazes ideia como isto é triste! Paris está sendo bombardeada, já há quatro dias, por aeroplanos alemães; de terra tem-se feito fogo contra eles, porém, não se pode ainda matar um'.", recorda Visoni.

Antes de tirar a própria vida em 1932, aos 59 anos, Santos Dumont ainda deu outra demonstração de sua genialidade ao construir sua última residência, o chalé 'A Encantada', localizada da Rua do Encanto, na histórica cidade de Petrópolis.

'A Encantada' foi construída em 1918 pelo engenheiro Eduardo Pederneiras, que já havia feito o hotel Copacabana Palace, no Rio. O espaço possui uma série de aspectos curiosos, como as escadas, por exemplo, que apresentam degraus em formato diferenciado.

Fotografia da escada externa / Crédito: Divulgação/ Conhecendo Museus 

O formato aplica um efeito um tanto quanto peculiar: devido ao seu ângulo de inclinação, e para evitar que as pessoas tropeçassem, Santos Dumont suprimiu um dos lados de cada degraus. Assim, no caso da externa, a pessoa que quer subi-la é obrigada a pisar primeiro com o pé direito; e no caso da escada interna, é o pé esquerdo que deve liderar os passos.

O chuveiro a álcool na Encantada era uma novidade num tempo em que a água para banho era aquecida a lenha", relembra Rodrigo sobre outra invenção presente no chalé.

"O equipamento consistia num balde perfurado no fundo e dividido ao meio. Enquanto um dos compartimentos guardava a água fria, o outro recebia a água quente, que passava por um aquecedor a álcool preso à parede e abastecido por um pequeno reservatório do combustível. Por meio de duas alavancas, o morador controlava a vazão de cada parte do balde e dosava a temperatura do banho", explica.

O chuveiro de Dumont / Crédito: Divulgação/ Reportagem/ Globo

Mas o pesquisador e arquivista derruba um mito em torno da construção. Segundo muitos dizem, quando Santos Dumont observou o terreno vazio na Rua do Encanto 22, ele imaginou a construção de um chalé alpino em formato de ninho de pássaro.

Porém, seus amigos duvidaram que ele conseguiria erguer o projeto em um terreno tão íngreme e apostaram uma caixa de garrafas de uísque no seu insucesso. "Provavelmente é inverídica a história da suposta aposta com amigos que haveria dado origem ao chalé", diz o pesquisador.

No livro Uma casa muito encantada — obra dedicada à história do imóvel —, dos autores Francisco Luiz Noel e Patrícia Souza Lima, não há menção a tal aposta", finaliza.