O Anjo das Pernas Tortas é um dos personagens mais folclóricos do nosso futebol. Mas você conhece suas origens?
Após a lesão de Pelé na Copa do Mundo de 1962, coube à Garrincha comandar a Seleção Brasileira na conquista do bicampeonato mundial no Chile. A performance do Anjo das pernas Tortas é vista por muitos como uma das mais emblemáticas da história da competição; assim como Maradona em 1986.
Ao lado do rei do futebol, o ídolo máximo do Botafogo nunca perdeu uma partida com a amarelinha. Foram 30 jogos contra seleções nacionais, com 24 vitórias e seis empates. Fora dos campos, porém, a vida nem sempre foi um adversário fácil de se driblar.
Pelé, internado desde o dia 29 de novembro, é constantemente questionado por não se posicionar diante do Golpe de 1964 ou então contra o racismo no esporte. Isso sem comentar a polêmica com sua filha Sandra.
Já Mané teve uma relação um tanto quanto conturbada com a cantora Elza Soares. Além do mais, Garrincha morreu na miséria, aos 49 anos, em 20 de janeiro de 1983, vítima de cirrose hepática. Seu velório, aliás, teve de ser pago por Agnaldo Timóteo.
Casos extracampo à parte, todos sabem sobre as histórias humildes dos craques: como os primeiros chutes de Edson Arantes do Nascimento na cidade mineira de Três Corações ou de Manoel Francisco dos Santos em Pau Grande (RJ).
Apesar disso, as origens de Garrincha sofreram um apagamento histórico ao longo dos anos. Afinal, você sabia que o Anjo das Pernas Tortas é descendente de índios?
Amaro Francisco dos Santos, pai de Garrincha, nasceu no interiorzinho alagoano, no município de Quebrangulo, onde pertencia à tribo Fulni-ô. Devido à pobreza e a fome, responsável pelo fim da tribo na região — hoje só existente no agreste pernambucano —, Amaro migrou em direção ao sul aos 26 anos; trajeto muito comum entre indígenas e nordestinos da época.
Conforme recorda matéria do UOL, as dificuldades dos povos nativos começaram logo na época da divisão das capitanias hereditárias, que culminou com uma dispersão das populações locais aos poucos.
Desta forma, Manoel Francisco dos Santos acabou nascendo no Rio de Janeiro em 28 de outubro de 1933, onde sua família se estabeleceu depois de conseguirem se empregar em uma fábrica de tecidos.
Apesar de suas raízes, Mané não pode ser considerado um representante de sua etnia, conforme aponta matéria da Fundação Nacional do Índio (Funai). Afinal, só são considerados membros do Fulni-ô aqueles que acompanham o ritual sagrado Ouricuri.
Também é necessário falar a língua nativa da etnia, o yaathe (ou ia-tê) — importante ressaltar que os índios também falam o português —, além de viverem nas aldeias, completa a fonte.
As origens de Garrincha, todavia, já haviam sido reveladas por Ruy Castro na biografia ‘Estrela Solitária’ (1995). "Em sua infância, Garrincha viveu em 'selvagem liberdade'. Descalço, andava pelas matas de Pau Grande sem que ninguém notasse em casa sua ausência. Cavalgava 'em pelo' no cavalo que pertencia ao pai.”
Adorava caçar pássaros, jogar bola e nadar no rio. Garrincha, já a esta época, era 'ingovernável' como um índio”, completou.
Atualmente, aponta a Funai, só existem aldeias Fulni-ô em Pernambuco, cerca da cidade de Águas Belas. Por não conseguirem se manter apenas com a roça, pesca e caça, os nativos precisam trabalhar na cidade.
Apesar disso, eles são o "único grupo do Nordeste brasileiro que conseguiu manter viva e ativa sua própria língua (o ia-tê), assim como um ritual a que chamam Ouricuri", aponta o portal a página Povos Indígenas no Brasil; que explica que eles realizam o ritual com o maior sigilo possível.
“Todos os fulni-ô que trabalham fora de Águas Belas, como funcionários, professores, policiais, durante a primeira semana do ritual pedem licença para se ausentarem do trabalho e se concentrarem na aldeia do Ouricuri; os que podem aí permanecem sem sair durante todo o ritual", continua a fonte.
Caso haja a quebra desse sigilo, aponta o portal, os anciões se asseguram que aqueles que desrespeitam a norma tenham uma morte estranha.
“No ritual do Ouricuri, o Ia-tê desempenha um papel fundamental, já que é a língua preferencialmente falada durante as suas quatorze semanas de duração. É aí que se socializam os membros mais jovens pelo ensino de um código simbólico diferente daquele utilizado pela sociedade envolvente", completa.