Em entrevista ao Aventuras, o escritor Adelmo Rossi defende que Assis antecipou conceitos descobertos por Freud: "Machado não foi o precursor da psicologia moderna, mas seu criador"
Publicado em 03/08/2024, às 13h00 - Atualizado em 08/08/2024, às 18h36
Considerado o maior escritor da literatura brasileira, Machado de Assis faleceu em 29 de setembro de 1908. Mesmo 115 anos após sua morte, o Bruxo do Cosme Velho segue fascinando pessoas por seus livros realistas, e também românticos, caracterizados pela ironia, objetividade e crítica social.
Machado é considerado a frente de seu tempo por promover a discussão de temas que são cada vez mais atuais. Mas não foi só isso, ele também analisou a sociedade, as emoções humanas e complexidade da mente de uma forma tão profunda que muitos de seus conceitos foram descobertos, anos depois, por Sigmund Freud, o pai da psicanálise.
Machado não foi o precursor da psicologia moderna, mas seu criador", disse Adelmo Rossi em entrevista exclusiva à equipe do Aventuras na História.
"Ao mesmo tempo que o homem tido como inventor da psicologia, Wilhelm Wundt, em 1856, na Alemanha, fazia experimentos com técnica de associação, Machado de Assis, por meio de personagens, mostrava as associações de palavra na relação entre os personagens, intencionalmente criados para esse fim. A relação entre seres humanos se passa na psicologia da palavra", contextualiza Rossi, graduado em psicologia, mestre em filosofia e autor de 'O Imortal Machado de Assis — Autor de Si Mesmo', onde debate as relações entre as obras machadianas e freudianas.
O autor salienta que a psicologia não existe fora da realidade, muito pelo contrário, ela está imersa na vida cotidiana e se manifesta por meio do uso da linguagem, nas associações de palavras. "É nessa perspectiva que Machado antecipa os conceitos depois desenvolvidos por Freud", destaca o autor.
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Ao estudar a extensa obra machadiana, Rossi também analisou os conceitos dos quais o Bruxo do Cosme Velho se apoiou, revelando em sua obra que muitos deles, considerados conceitos fundamentais da psicologia, foram explorados pelo escritor brasileiro antes mesmo de Freud popularizá-los.
A exploração de temas como o narcisismo, a mentira e a "cura pela palavra" nos romances de Machado são exemplos da conexão intrigante com os princípios desenvolvidos mais tarde pela psicanálise. "Um dos conceitos fundamentais utilizados por Machado é a Travessia do Rubicon, que corresponde ao complexo de castração de Freud".
O conceito pode ser exemplificado pelo ato do imperador Júlio César em desrespeitar a lei que o levou a expandir o território romano, aponta o pesquisador. "Atravessar o Rubicon está relacionado a todo ato arriscado que pode ser punido, ou castrado".
"Outro conceito, sem o qual não se vive, é o de Petalogia, ou estudo da mentira, que se liga ao riso, por Freud nomeado chiste. Um terceiro seria a cura pelo mesmo, ou o princípio homeopático Similia similibus curantur, que Freud nomeou cura pela palavra, em Machado seria a cura pela literatura", continua.
O conceito de narcisismo, fundamental na obra de Freud, também pode ser identificado nas criações literárias de Machado. Enquanto Freud, que só mais tarde reconheceu que o narcisismo está na origem de todas as doenças, Machado de Assis já havia identificado a rivalidade e a competição humana como fontes de conflitos internos e doenças.
"Freud, médico, muito preocupado em salvar vidas de doentes incuráveis a ele encaminhados, se justifica somente em 1914, aos 58 anos, quando diz que havia começado pelos sintomas", discorre Marcos Rossi. "Veio então a descobrir, na relação com seu príncipe herdeiro Jung, que o narcisismo está na origem de todas as doenças. Quer dizer, não foi da clínica que Freud descobriu o narcisismo, mas em si, na relação com Jung, quando o próprio Freud adoeceu".
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Pelo seu lado, Machado de Assis, escritor literário, havia percebido logo na origem, bem jovem, o narcisismo na fonte do agir humano, e mostra isso nas relações entre personagens dos casos clínicos que constrói por meio da literatura", prossegue.
A semelhança entre os pensamentos de Machado de Assis e Freud, apesar de nunca terem se encontrado ou estudado reciprocamente, pode ser explicada pela racionalidade intrínseca dos dois. "Tanto Machado quanto Freud eram seres humanos bastante racionais, ao contrário de imaginários", defende Rossi.
"Machado percebeu logo no início a competição e a rivalidade humana como causa das doenças, enquanto Freud chegou a essa percepção aos 58 anos. Parece que o atraso de Freud se deve ao seu próprio desejo inconsciente de ser bem-sucedido, ou seja, o inconsciente estaria no Narcisismo", finaliza.
