Há um segredo do qual poucos ouviram falar nos clássicos da era analógica: figuras anônimas, às vezes algo perturbadoras, feitas para jamais serem vistas
Durante décadas, elas estavam em todos os filmes. As "China girls" ("garotas da china"), ou também "China dolls" ("bonecas da China"), "girl heads" ("cabeças de garotas") ou "leader ladies" ("mulheres do leader"), apareciam no início de cada rolo de filme, encarando a câmera, sorrindo ou olhando para o lado. Suas imagens foram transmitidas às retinas de bilhões de espectadores, sem que seus cérebros registrassem que elas estavam lá. Se um desses quadros aparecia para o público, era porque o projecionista havia cometido um erro.
As China girls eram modelos contratadas pelos cineastas para ajudar os técnicos de laboratório no processamento do filme. Era como um controle de qualidade, que calibrava as cores e garantia que elas apareciam de forma realista na projeção. Na filmagem, se o tom da pele ou do cabelo da mulher não estivessem próximas aos tons desejados, as cores do filme também pareceriam artificiais.
As filmagens, feitas pelos próprios laboratórios, surgiram ainda na época dos filmes em preto e branco. Em 1982, a Kodak passou a produzir negativos duplicados de uma mesma China girl, conhecida como LAD Girl (Laboratory Aim Density), e a distribuí-lo para os laboratórios. Esse quadro padrão ajudava os técnicos a fazerem uma avaliação rápida da qualidade das cores. Foram feitas várias versões, mas esta é a mais famosa:
A origem do termo China Girls é cercada de mistérios. Ele teria sido usado para se referir aos manequins feitos de porcelana, usados por alguns laboratórios para substituir os modelos vivos. Com resultados bem mais fansmagóricos:
Outras teorias relacionam o termo à qualidade da pele das modelos, que pareciam de porcelana, e às estampas orientais que elas usavam.
Quem eram as China girls ninguém sabe. Elas não ganhavam qualquer crédito. O que sabemos é que quase ninguém ouviu falar de uma China girl chinesa: o tom de pele usado para testar era o que os técnicos consideravam o mais "padrão": branco, com raras exceções, e mesmo em filmes com personagens principais não brancos.
Mas, sim, China girls orientais existiram:
Elas podiam ser modelos ou atrizes em busca da oportunidade de "fazer parte" de um filme. Outras trabalhavam nos laboratórios ou eram irmãs ou namoradas de um dos funcionários. “Algumas delas estão produzidas e arrumadas, mas muitas parecem ter sido puxadas do corredor ao lado”, afirma Rebecca Lyon, projetista que chefiou o Leader Ladies Project, da Sociedade de Cinema de Chicago, ao Atlas Obscura.
Na falta de candidatas, o estagiário podia se tornar uma China girl.
Quando os filmes iniciaram a transição do formato analógico para o digital, as China Girls começaram a sumir. Os últimos exemplares funcionais — e não um mero ovo da páscoa do diretor — são do começo do anos 1990.
Desde 2011, um projeto reúne imagens de "China Girls", encontradas por funcionários de arquivos ou antigos técnicos de laboratórios que mantinham uma coleção pessoal. Imagens raras mostram homens, manequins e animais. As imagens reunidas pelo Leader Ladies Project, que aceita colaborações, podem ser vistas no Facebook, Instagram e Tumblr.