Fragmentos de argila, conchas e material orgânico confirmam a antiga ocupação
Se ao imaginar a Floresta Amazônica você pensa em um lugar inóspito, hostil e ocupado apenas por animais selvagens, está na hora de repensar alguns pontos. Quando da chegada dos colonizadores europeus, a Amazônia era densamente ocupada por populações diversas, que vinham transformando o território há muito tempo com técnicas de caça e coleta, domesticação de espécies vegetais, produção cerâmica e enterramentos.
Estima-se que 60% da floresta teria surgido a partir do manejo realizado por seres humanos, o que leva pesquisadores, como Marcos Pereira Magalhães, a caracterizar a Amazônia como "antropogênica", ou seja, gerada a partir da ação humana durante longos períodos de ocupação.
E pelo visto esse manejo teve início muito tempo atrás. Pesquisas recentes lideradas pelo arqueólogo José Capriles, da Universidade Estadual da Pensilvânia, relataram evidências de ocupação humana no sudoeste do território há cerca de 10.600 anos. No sítio arqueológico, localizado no atual território da Bolívia, foram encontrados fragmentos de madeira e argila queimada, conchas de caracóis, peixes e restos de seres humanos.
Os resquícios atestam que a prática de caça e coleta era realizada juntamente com atividades agrícolas, e os habitantes do local teriam sido enterrados em amontoados de conchas cujos compostos conservaram parcialmente seus ossos, que de outra forma teriam se decomposto no solo ácido.
Segundo Caprilles, os enterros podem ter marcado a reivindicação desses caçadores-coletores em zonas úmidas temporárias, já que o clima se tornou mais seco apenas entre 8.000 e 5.500 anos atrás. Ele também observou que as pessoas que viviam nesses acampamentos teriam plantado batata-doce, mandioca, amendoim e pimenta enquanto esgotavam os recursos locais.
Na Amazônia, observa-se uma mescla entre caça/coleta e atividades agrícolas. Populações indígenas, antigas e atuais, transitam pelo território com base em seus conhecimentos sobre o funcionamento da floresta: em certas estações do ano os grupos assentam-se, constroem moradias temporárias e produzem mandioca, arroz, milho e outras variedades. Já em outras estações a movimentação pelo território é mais frequente, com a utilização dos recursos naturais disponíveis.
As evidências estudadas pelo grupo de Caprilles indicam que o local foi ocupado até cerca de 4000 anos atrás. Foram encontrados depósitos de barro queimado junto a pedaços de madeira, o que atesta o uso de fogueiras. Ossos de peixes e pequenos mamíferos estavam próximos ao local, e a datação por radiocarbono do esqueleto de cinco pessoas atesta a idade das sepulturas em cerca de 6250 anos ou mais.
A equipe suspeita que com a instalação de um clima mais seco, esses caçadores-coletores podem ter intensificado sua ocupação próximo às zonas úmidas e reivindicado esse local valioso, assim como seus recursos. Os sítios encontram-se em três pequenos montes de terra localizados em campos secos, que inundam durante os meses chuvosos.