"A monarquia acabou no Brasil inteiro, menos em Petrópolis", explicou o economista Anderson Juliano ao site Aventuras na História
Parece estranho sequer cogitar a possibilidade de que existem pessoas que, até hoje, tentam quitar dívidas criadas há mais de dois séculos. Mas é isso que acontece no centro e em alguns bairros valorizados em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Por lá, ainda está vigente a apelidada “taxa do Príncipe”.
Mas, se vivemos em uma república desde 1889, que príncipe? Bom, essa é uma condição criada por Dom Pedro II. Curiosamente, mesmo que o imperador tenha falecido no século 19, a sua taxa segue vigente na região onde seus restos foram enterrados.
Neste caso, quem recolhe, através dos pagantes do município são os Orleans e Bragança. Tal linhagem imperial não comanda mais a política do país, mas interfere nos bolsos de moradores. Sendo assim, sempre que um imóvel, localizado no antigo terreno da Fazenda do Córrego Seco, muda de dono, ocorre uma taxação.
Quem o vende, em tese, deve bancar 2,5% do valor da venda aos descendentes de parte da antiga família imperial. Sobre esse assunto, em entrevista a Aventuras na História, o economista e ex-vereador de Petrópolis, Anderson Juliano, explica que a existência dessa porcentagem tem respaldo de uma legislação federal que a regulamenta.
No caso específico da cidade, a taxa é recolhida pela Companhia Imobiliária de Petrópolis, administrada por dez herdeiros da antiga família de Dom Pedro II, segundo reportagem do UOL de 2018. Na época a imobiliária foi procurada, contudo, não se manifestou. Pode ocorrer até de um proprietário reformar um imóvel e deixá-lo mais caro para a venda. Porém, ele não escapa da “taxa do príncipe”.
O site de Luiz Philippe de Orleans e Bragança, deputado federal e descendente da família imperial, deixa claro que apenas o ramo Petrópolis da família recebe o laudêmio numa sessão de perguntas e respostas.
Apenas o ramo de Petrópolis recebe laudêmio. O ramo de Vassouras, da qual Luiz Philippe pertence, não o recebe", explica o texto.
A página também explica como o laudêmio ocorre na prática.
"O laudêmio é pago toda vez que um imóvel é vendido na região central de Petrópolis.
Porque o imóvel nunca foi comprado do proprietário original: no caso Pedro II. Isso significa que suas terras foram ocupadas e ele não desapropriou quem as ocupou. Ao contrário, deu titularidade e optou pelo sistema de laudêmio. Nesse sistema o proprietário recebe a titularidade, beneficia o terreno e em caso de venda do imóvel repassa um percentual a família de Petrópolis herdeira do terreno original.
O laudêmio NÃO é um imposto, mas sim uma espécie de aluguel diferido, pago somente em caso uma transação", detalha.
Por outro lado, na prática, é o comprador — e não o vendedor — quem acaba desembolsando o valor, senão ele não recebe a escritura.
"Mesmo se você agregar valor ao terreno, na hora de comprar, é preciso o comprador pagar laudêmio em cima da benfeitoria [inclusa no valor do imóvel] e não sob o terreno da casa", comenta Juliano.
A tática vem do conceito do tal laudêmio, um prêmio pela ocupação. A ideia surgiu no período colonial, quando a coroa portuguesa autorizava a utilização de terras somente com o pagamento de uma pensão anual, chamada de foro. Só que foi só em 1847 que Dom Pedro II resolveu reforçar a questão.
Com a intenção de colonizar terras na região da Fazenda do Córrego Seco, em Petrópolis, ele distribuía terrenos para imigrantes alemães. Os estrangeiros eram úteis duplamente para a coroa: não só serviam como colonos, como também eram taxados toda vez que vendessem o lote para outra pessoa.
Incitado por essa questão, Anderson Juliano dialogou com o então Deputado Federal, Jorge Bittar, para a criação do Projeto de Lei n.º 6.834/2013, que extinguiria o laudêmio voltado às famílias.
Mas, a questão ainda não foi para frente: não houve um posicionamento e o status é de aguardo ainda da CCCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania). "Estamos há mais de um século em uma República. Esse tipo de taxa não cabe mais, essa já foi paga e muito bem paga", argumenta o ex-vereador.
Segundo Juliano, a “taxa do Príncipe” dificulta o desenvolvimento da cidade, pois o local deixa de ser atrativo para a instalação de empresas, que preferem regiões do Rio de Janeiro com menores taxas e mais incentivos. "Em Duque de Caxias não tem família real, então eu não tenho que pagar nada", exemplifica.
Além disso, isso interfere na desigualdade social, segundo o economista. A taxa permanece a mesma — 2,5 % — independente se a compra é de um apartamento milionário ou em um conjunto habitacional mais simples.
O ex-vereador também explica que o valor deve ser pago à vista, não há opção de parcelamento. Isso dificulta a vida de quem planeja financiar um imóvel em Petrópolis. "Geralmente, quando você financia um imóvel, tem um desconto, a própria escritura às vezes é de graça, o cartório não cobra ou cobra uma taxa menor; já o Príncipe, ele não faz nada disso", critica.
Outra questão é que o dinheiro não é retornado em âmbito público — como para escolas, creches ou hospitais. Através do site Luiz Philippe de Orléans e Bragança, é justificado que o valor tem um investimento específico. "Boa parte do laudêmio pago ao ramo de Petrópolis é utilizado na conservação de prédios históricos e públicos de Petrópolis, como o Palácio Imperial, que a família imperial faz questão de manter em benefício do povo brasileiro."
Todavia, Juliano condena o fato de não haver investimentos dos descendentes da família real para com as minorias locais. "Se não mexermos em Brasília, a taxa acaba apenas com a extinção da família", opina ele, que costuma dizer que a "monarquia acabou no Brasil inteiro menos em Petrópolis".
Curiosamente, o laudêmio não é exclusividade da família real. Ele também ocorre por uma série de outras questões. Por exemplo, em outras áreas do Brasil, há quem tenha que pagar taxa à Igreja Católica ou à marinha. A última não foi incluída no PL, pois, segundo o ex-vereador, cabe ao "poder executivo fazer isso".