Segundo pesquisa publicada na revista Lancet, ‘voto’ em Bolsonaro teve interferência direta em perdas relacionadas à Covid-19
O voto em Jair Bolsonaro determinou com que cidades fossem mais afetadas durante a pandemia. É isso que mostra um artigo publicado pela revista Lancet realizado por um grupo independente de pesquisadores com vínculos à Fiocruz, Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
De acordo com o levantamento, cidades que apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 tiveram mais mortes em decorrência do novo coronavírus do que as que apoiaram o candidato petista Fernando Haddad.
Ao analisarem os dados de 5.570 cidades brasileiras, os pesquisadores estimaram que o risco de morte em centros bolsonaristas era 44% maior. Municípios sulistas e do sudeste pró-Bolsonaro, por exemplo, sofreram muito mais que cidades no Nordeste, onde o apoio não era massivo.
Importante salientar que a análise comparou cidades com estruturas sanitárias semelhantes, com o intuito de que variáveis, como a subnotificação de casos, não pudesse interferir para qualquer um dos lados.
A principal diferença foi o voto em Bolsonaro", afirma à Folha de S. Paulo Christovam Barcellos, um dos autores do estudo e que atua como geógrafo e pesquisador em saúde pública na Fiocruz.
Um dos exemplos citados diz respeito à cidade cearense de Crato e ao município de Sapiranga (RS) — sendo que ambos são considerados grandes centros e possuem um IDH médio. Enquanto na região nordestina a taxa de mortes foi de 110 a cada 100 mil habitantes, o índice na sulista foi de 360.
"Se a gente comparar municípios médios com IDH alto, aqueles que são bolsonaristas têm quase o dobro da taxa de mortalidade [por Covid-19] de municípios de igual estatura", completa o pesquisador.
Outro município observado foi Chapecó (Santa Catarina) que, no início da pandemia, em 2020, mantinha uma taxa de óbitos muito menor que a média nacional. Entretanto, após o prefeito João Rodrigues tomar posse, em 2021, o índice de mortes acumuladas se tornou o maior do país: 75%.
Aliado de Bolsonaro, Rodrigues defendeu que Chapecó adotasse o polêmico tratamento precoce e o controverso lockdown inverso, quando os comércios abrem e os doentes são atendidos em suas residências.
"Nessas cidades há uma espécie de monopólio da comunicação por políticos locais importantes. A palavra do empresário tem um peso maior do que em cidades grandes. Criou-se um ambiente favorável para a sabotagem da ciência, para a circulação de fake news e para colocar em dúvida todo o conhecimento científico", continua Barcellos.
Por fim, mesmo com a forte atuação do SUS ou com o alto IDH dos municípios, os pesquisadores apontam que essa 'sabotagem', ligada à ausência de uma coordenação nacional comandada pelo governo federal e as palavras de lideranças políticas e empresariais, tiveram um peso negativo no combate à Covid-19.