Obra do pintor paulista mostra o momento da Proclamação da República com zero romantismo
Em 1893, o paulista Benedito Calixto pintou um quadro singular. Cenas históricas costumam ser romantizadas quando se eternizam por um artista. Mas não esta: sem qualquer glamour, um grupo de pessoas minúsculas, numa praça empoeirada, celebra um evento misterioso, sem muita empolgação. Não há heróis nem cavalos rampantes. A cena é retratada uma mera quartelada.
Em sua época, a Proclamação da República foi imensamente impopular. Para ter uma ideia, nas últimas eleições do Império, em agosto de 1889, os republicanos só haviam feito dois deputados. E 1893 era um ano particularmente infeliz para o novo regime: Floriano Peixoto enfrentava duas revoltas, a da Armada e a Federalista, governando como um ditador.
Calixto, um autodidata, se tornaria famoso depois por outro tipo de pintura histórica, não de cenas, mas de indivíduos que se firmaram na identidade paulista, como o patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva (retratado em 1901) e o bandeirante Domingos Jorge Velho (1902). Ambos de momentos históricos anteriores à República.
O Campo de Santana, local onde ficava o Comando do Exército e também o Senado, a Casa da Moeda, a Prefeitura e a Estação D. Pedro II, era um pântano até o século 18. O nome oficial, que nunca colou, era Campo da Aclamação, pois ali havia sido — ironicamente — aclamado dom Pedro I como imperador.
O movimento começou com o marechal Deodoro convocando as tropas no Comando do Exército — o prédio grande que aparece à direita. Não eram as únicas tropas da cidade, mas não houve choque. Até o fim do dia, o imperador entregaria o governo aos republicanos, sem nenhuma tentativa de resistência.
Desde a Guerra do Paraguai, as Forças Armadas sentiam que estavam perdendo prestígio, com baixos salários e diversas humilhações vindas de civis no governo. Em anos recentes, o afastamento de dois coronéis pelo ministro da Guerra, que era civil, acabou empurrando os militares em direção ao republicanismo.
A fumaça indica que os canhões haviam sido disparados. Mas essa foi uma revolução sem tiros: os conspiradores simplesmente ocuparam prédios e deram ordem de prisão a autoridades imperiais. Ou é uma licença poética ou eram disparos de festim, celebrando a proclamação do marechal Deodoro.
Membro do Partido Conservador e amigo pessoal de dom Pedro II, o marechal Deodoro da Fonseca não queria derrubar o governo — ao menos não no começo. Ele foi convencido que havia uma ordem de prisão para ele — invenção do major Frederico Sólon. Então mudou de lado e bravou "Viva a república."
Apenas os militares têm faces reconhecíveis. Civis (se de fato são civis) se limitam a algumas poucas pessoas próximas das casas ao fundo, observando com indiferença. Nas imortais palavras do futuro ministro Aristides Lobo, “O povo assistiu bestializado à proclamação da República”.