Durante comício em 1936, trabalhadores de Hamburgo fizeram saudação nazista, mas August se destaca por ser o único a não fazer o gesto
No dia 13 de junho de 1936, uma grande concentração de trabalhadores ocupava o estaleiro Blohm & Voss, em Hamburgo, para acompanhar o comício nazista de lançamento do navio Horst Wessel.
Enquanto todos erguem os braços fazendo a saudação hitlerista, um homem se destaca por ser o único a não fazer o gesto de lealdade ao tirano. A foto do momento se tornou símbolo da manifestação de resistência contra o nazismo. Mas quem era ele?
A história começou a ser desvendada muito tempo depois do fim da Segunda Guerra Mundial quando, em 22 de março de 1991, o jornal Die Zeit publicou um artigo com tal registro.
A matéria foi recebido com surpresa por Irene Eckler, que reconheceu seu pai, August Landmesser, como personagem por trás desta história. Em 1996, após reunir diversos documentos pessoais, Irene lançou um livro contando sua história. Conheça a trajetória de August Landmesser.
Embora tenha se tornado símbolo contra o nazismo, August Landmesser começa essa história se 'aliando' ao regime de Adolf Hitler. Conforme recorda artigo do site português Visão, Landmesser ingressou no Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores da Alemanha em 1931.
Pós-Primeira Guerra, a Alemanha vivia um período de dificuldades econômicas e descrença política. Carente de uma figura de liderança, os alemães viam na figura de Adolf uma perspectiva melhor de futuro; apesar do seu discurso — também — cheio de falas absurdas e ideais extremamente radicais.
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Portanto, muitas pessoas, assim como Landmesser, ingressaram no partido com a esperança de superar alguns desses problemas sociais. August, por exemplo, estava desempregado na época.
Mas não demoraria para sua relação com o nazismo estremecer. Um ano depois de Hitler chegar o poder, quando foi nomeado chanceler em janeiro de 1933,Landmesser se apaixonou pela mulher de sua vida: a judia Irma Eckler.
Com as práticas antissemitas cada vez mais presentes na sociedade alemã, August resolveu ser fiel àquela que verdadeiramente havia tocado seu coração. Assim, quando a paixão foi descoberta por membros do partido, em meados de 1935, Landmesser foi expulso.
Ainda mais, quando os dois tentaram se casar, naquele mesmo ano, foram impedidos pelas recém-estabelecidas Leis de Nuremberg — que ampliou a discriminação contra judeus na sociedade alemã. O amor, ainda assim, floresceu, com a primeira filha do casal, Ingrid.
Por todo seu contexto pessoal, August Landmesser passou a ser cada vez mais contrário ao regime que florescia no país — o que pode ser visto na foto já citada; tirada meses antes de Ingrid completar um ano de vida.
Em 1937, a relação com Irma já era sólida e passou a chamar cada vez mais a atenção pública, principalmente pela segunda gravidez da mulher, que esperava por Irene. Entretanto, as políticas raciais que vigoravam na Alemanha viam a relação como uma afronta à raça ariana. A união não poderia continuar.
Sabendo disso, August tentou fugir com sua família para a Dinamarca em julho daquele ano, mas a família acabou presa e foi instruída a se separar. Landmesser 'concordou' em troca da liberdade de todos. Mas ele jamais abandonaria sua amada.
Apesar do medo da repressão, ele não poderia viver abrindo mão da sua filha recém-nascida. O casal decidiu continuar a relação em segredo. Mas as consequências seriam trágicas.
Em julho de 1938, os nazistas descobriram que casal continuava junto e agiram de forma mais drástica: August foi condenado por "desonrar a raça", sendo obrigado a passar 30 meses em um campo de trabalhos forçados em Borgermoor. Ainda assim, ele tinha a esperança de reencontrar sua família após a punição. Mas, a despedida também marcou o último encontro.
Logo após a prisão de August, os nazistas passaram a perseguir Irma, que acabou caindo nas garras da Gestapo, e levada para presídios e campos de concentração. A mulher também foi separada de suas filhas: Ingrid, a mais velha, foi enviada para um orfanato e depois recebeu autorização para ser criada pelos avós paternos; já Irene foi enviada para pais adotivos.
Irma Eckler foi morta em fevereiro de 1942 na câmara de gás em Bernburg — onde se estima que 14 mil pessoas foram assassinadas, segundo o United States Holocaust Memorial Museum. Entre as vítimas do local também esteve Olga Benário, a esposa de Luís Carlos Prestes.
August foi liberto em janeiro de 1941, entretanto, jamais conseguiu reencontrar as filhas ou manter contato com a esposa. Posteriormente, em fevereiro de 1944, devido à demanda por soldados para o Exército Alemão — cada vez mais enxuto e em decadência —, Landmesser foi convocado para compor um batalhão penal. Devido ao seu passado 'manchado', August foi enviado para as missões mais perigosas, aponta o Visão.
Pouco se sabe sobre sua participação na guerra, as únicas coisas que se tem conhecimento é que ele foi dado como desaparecido em 17 de outubro de 1944, enquanto lutava na Croácia. Embora seu corpo nunca tenha sido achado, ele foi considerado oficialmente morto em 1949.
Em 1951, o Senado de Hamburgo reconheceu oficialmente o casamento entre August Landmesser e Irma Eckler. Ingrid decidiu manter o sobrenome do pai, enquanto Irene o de sua mãe.