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Curiosidades / Brasil

Lei de Gérson: Como uma campanha publicitária de cigarros herdou o sentido negativo do 'jeitinho brasileiro'

Em entrevista ao site da AH, o publicitário Eduardo Domingues explicou como, após um escândalo bancário, a propaganda estrelada pelo jogador ganhou uma conotação pejorativa

José Renato Santiago e Pamela Malva Publicado em 29/07/2021, às 20h00

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Fotografia de Gérson de Oliveira Nunes - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons
Fotografia de Gérson de Oliveira Nunes - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Um habilidoso menino, nascido em Niterói, Rio de Janeiro, que batia bola nas ruas próximas à sua casa, logo passou a disputar seus rachas nas praias do bairro de Santa Rosa. Ainda com 16 anos, sua canhotinha só perdia em garbosidade para a potência de seu nome, Gérson de Oliveira Nunes.

Logo o menino trocou as areias pelas quadras de futebol de salão e em seguida pelos gramados. Primeiro na pequena equipe do Canto do Rio, por muito pouco tempo, para, em seguida, vestir a mais popular de todas as camisas do futebol brasileiro, a do rubro-negro carioca, o Flamengo, onde estreou na equipe principal em 1959 com 18 anos.

No ano seguinte, lá estava ele como titular da seleção brasileira que disputou os Jogos Olímpicos de 1960, em Roma. A estreia com a equipe canarinha principal aconteceria em 1961. Ainda que jamais tenha sido considerado um atleta em campo, sua habilidade com a bola nos pés, sobretudo com a precisão cirúrgica de seus lançamentos, fez dele um dos maiores meio-campistas de seu tempo.

Após ser campeão carioca pelo Flamengo em 1963, foi contratado pelo Botafogo do Rio, onde voltaria a ser campeão carioca em 1967 e 1968, quando também conquistou a Taça Brasil. Suas grandes atuações vestindo a camisa alvinegra da equipe da Estrela Solitária acabaram por leválo à sua primeira Copa do Mundo, em 1966, na Inglaterra.

Mas foi no Mundial de 1970 no México, que Gérson viveu seu grande momento com a camisa amarela. Ele foi o líder da equipe, para muitos a melhor de todos os tempos, que conquistou o tricampeonato mundial. Segundo atletas daquele time, Gérson tinha ascensão até mesmo sobre Pelé, o maior de todos na História do futebol mundial.

A carreira vitoriosa continuou no São Paulo, onde liderou a equipe que deu fim a um incômodo tabu de 13 anos sem conquistas, logo com um bicampeonato paulista nos anos de 1970 e 1971. Por fim, voltou ao Rio de Janeiro para realizar um sonho, vestir a camisa de seu time do coração, o Fluminense, onde seria novamente campeão carioca em 1973 e encerraria sua carreira no ano seguinte, em 1974, com 33 anos.

A carreira irretocável é um dos maiores patrimônios de Gérson, que sempre foi lembrado por seus companheiros pelo apelido de papagaio, pois costumava passar o jogo inteiro falando com todos aqueles com quem atuava, sempre orientando, reclamando ou estimulando para que fizessem o melhor.

O único momento em que Gérson costumava se silenciar era nos intervalos das partidas ou logo ao final delas, quando aproveitava para fumar. Sim, o “canhotinha de ouro”, como também passou a ser conhecido, sempre foi um fumante inveterado e nunca escondeu isso de ninguém, ainda que pudesse significar uma contradição à imagem do jogador vencedor que foi durante toda a sua carreira.

Gérson fumando o cigarro Vila Rica / Crédito: Divulgação/ Eduardo Domingues

Uma propaganda

Já aposentado, foi convidado em 1976 para estrelar a campanha dos cigarros Vila Rica. O comercial começava destacando Gérson como o “cérebro do time campeão do mundo de 70”, cujo plano de fundo era a imagem de seu gol na final da competição.

Em seguida o repórter o perguntava: “Você, que sempre fumou, por que Vila Rica?” Ao fim da explicação dada, Gérson arremata sua fala com a seguinte sentença: “Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”

Ninguém poderia imaginar no que aquilo se transformaria. Retirada do contexto, o “gosto de levar vantagem em tudo” passou a ser utilizada, desde então, como uma regra tácita daqueles que querem levar vantagem sobre os demais, de forma antiética, como que passando os demais para trás. Pior que isso, essa frase passou a ser chamada de Lei de Gérson, que ainda nos dias atuais é usada de forma pejorativa.

Os diretores de criação da Caio Domingues & Associados, agência responsável pela peça comercial, ainda tentaram reverter o significado negativo da frase, ao desenvolver outra: “Levar vantagem não é passar ninguém para trás, é chegar na frente”. Mas esta, de longe, não teve a mesma repercussão. E poucos lembram que ela tenha sido veiculada.

Comercialmente falando, a propaganda foi um grande sucesso e fez do cigarro Vila Rica um campeão de vendas. Já a frase ficou para sempre associada ao famoso jeitinho brasileiro, algo com forte denotação negativa, que acabou se impregnando ao nome de Gérson, que nem sequer foi o autor da frase, e sim seu mero intérprete. Anos depois, ele afirmou ter se arrependido de ter participado da propaganda.

Pôsteres de Gérson com o cigarro Vila Rica / Crédito: Divulgação/ Eduardo Domingues

Por trás da agência

No final de 1974, a R. J. Reynolds Tobaccos chegou ao Brasil procurando por agências de publicidade. Foi assim que o Vila Rica chegou às mãos dos criativos da Caio Domingues & Associados, empresa que começou a desenvolver a campanha do produto em 1975.

Em entrevista exclusiva ao site da Aventuras na História, o publicitário Eduardo Domingues, ex-diretor geral da agência, explicou como foi o processo de criação da campanha. Segundo o profissional, tudo começou com uma característica do produto.

“Trata-se de uma campanha feita há 46 anos. E ela é lembrada até hoje por causa do slogan marcante”, narrou Eduardo. “De fato, havia uma diferença do cigarro, porque ele tinha 100 mm e custava a mesma coisa que os outros de 85 mm. Então havia um diferencial que a gente traduziu como um diferencial de preço.”

Foi com base no “costume de levar vantagem, no sentido de querer aquilo que você paga”, então, que o diretor de criação da agência na época deu início à campanha “Leve vantagem. Leve Vila Rica!”. Segundo Eduardo, contudo, é importante pontuar que “o primeiro comercial, filmado no Clube Caiçaras, não tinha o Gérson”.

O conceito nasceu muito antes do Gérson, mas muito mesmo. Deu certo e a gente decidiu fortalecer ele. E como poderíamos fazer isso? Encontrando uma pessoa que, durante sua vida, levou vantagem. E foi assim que a gente caiu no nome do Gérson.”

Logo depois do novo comercial, portanto, que usava a imagem do antigo jogador, o Vila Rica explodiu. Segundo o ex-diretor da agência, “o cigarro, em 90 dias, aumentou as vendas em 26%, o que é uma coisa inédita no mercado de cigarros”.

“Aumentou muito, vendeu muito e deu muito certo. Até aí tudo bem. Campanha boa, personagem interessante. Tudo tranquilo até 1981”, narrou Eduardo. “Naquele ano, teve o caso do Brasil Investe, do Mário Garnero. Aí a coisa pegou fogo.”

Gérson na propaganda do cigarro Vila Rica / Crédito: Divulgação/ Eduardo Domingues

Um obstáculo complexo

Em seu novo livro, que o publicitário está desenvolvendo com base em suas experiências na Caio Domingues & Associados, Eduardo narra como o slogan do Vila Rica caiu por terra. Na obra, ele lembra do escândalo bancário que atingiu milhares de pessoas.

“Infelizmente, o nome do Gérson foi usado indevidamente, em 1981, na reportagem da Revista Exame sobre o Mario Garnero e o golpe com seu banco BrasilInvest”, escreveu o publicitário, na obra. “Título enorme na reportagem de página dupla: ‘Lei de Gérson’.”

“A matéria toda era sobre como o Mario tinha levado vantagem ludibriando os seus investidores com o branco que acabou quebrando e deixando um monte de gente endividada”, narrou Eduardo, ainda em entrevista ao site da AH. “A partir daí, esse negócio de levar vantagem pegou uma conotação negativa.”

Daquele ano em diante, a equipe de criação do Caio Domingues & Associados teve de mudar completamente a abordagem e abandonar o famoso slogan. O problema é que, segundo Eduardo, “os outros slogans nunca foram tão fortes quanto o original”.

“Agora, nessa história toda, o coitado do Gérson começou a ser perseguido”, narrou o publicitário. “Anos depois, quando encontrei com ele, ele me contou que, na escola, os colegas das filhas dele brincavam com elas dizendo que 'seu pai gosta de levar vantagem em tudo', no sentido negativo da frase.”

É inegável, contudo, que Gérson e o Vila Rica mudaram a história da propaganda de cigarros no Brasil. “Ele, como personagem, deu uma força maior no slogan. Foi um salto da propaganda”, explicou o publicitário. “Além disso, ainda foi a primeira vez, em uma propaganda de cigarro, que alguém falou com a câmera.”

Por fim, para Eduardo Domingues, que depois de diretor geral da Caio Domingues & Associados chegou a se tornar presidente, “ninguém nega que o slogan pegou uma conotação negativa. Mas o importante é que ele não foi criado com esse intuito”.


Por José Renato Santiago, Doutor e mestre pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo com pós-graduação pela ESPM. Autor de livros sobre a história do futebol, gestão do conhecimento e capital intelectual.


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