A história ainda divide opiniões
Ninguém podia dizer que lhe faltava autoridade: com seus experimentos na década de 1910, Ilya Ivanovich Ivanov basicamente inventou a inseminação artificial. E, já então, ele havia ousado revelar seu sonho: criar um híbrido de chimpanzé (ou outro grande primata) e humano.
A ideia é cientificamente plausível: a distância genética entre humano e chimpanzé é similar à de um cavalo para um jumento, e esses se reproduzem facilmente.
Obviamente, possibilidade não significa dever. O híbrido seria um pesadelo ético. E é aí que entra alguém não exatamente conhecido pela ética: Josef Stalin. Documentos descobertos em 2005 indicariam que ele acreditava ser possível criar um superexército de homens-macacos. Eles seriam armas vivas.
Por que Stalin achava que um chimapanzomem seria tão poderoso, só perguntando ao seu fantasma. O que sabemos é que Ivanov recebeu uma bolsa equivalente a U$ 200 mil para testar suas ideias em Guiné, na África Ocidental.
O New Scientist relata que ele teria tentado inseminar três fêmeas com sêmen humano, mas falhou. Então procurou inseminar humanas em um hospital, sem seu consentimento, e foi gentilmente convidado a voltar para a União Soviética.
O cientista não voltou de mãos abanando. Ele levou chimpanzés vivos ao seu laboratório e por incrível que pareça conseguiu cinco voluntárias para serem inseminadas, mas os macacos morreram antes de o experimento prosseguir.
Em 1930, o cientista caiu em desgraça com o regime soviético. Stalin havia se encantado com as teorias do jovem agrônomo Trofim Lysenko, que rejeitava a genética e seleção natural, defendendo um novo tipo de lamarckismo - isto é, a possibilidade de se passar à geração seguinte características adquiridas por esforço.
As divergências científicas receberam o mesmo tratamento que a diferença de opinião política. Em dezembro de 1930, o velho cientista foi preso e exilado para o Cazaquistão. Morreria de derrame um ano depois.
As controvérsias do estudo
Apesar da versão acima ser disseminada ainda hoje, ela continua sendo muito debatida dentro da comunidade científica, como é exposto no artigo de Eric Michael Johnson escrito para o Scientific American, em novembro de 2011.
Nele, Johnson discorre sobre a afirmação de que o ditador soviético Josef Stalin era um devotado darwinista que financiou um programa para criar “homens-macaco superguerreiros” em seu objetivo de dominar o mundo, dizendo que a fala é “especialmente bizarra”.
Um dos primeiros pontos defendidos pelo autor é que a única fonte que afirma isso vem de um artigo de 2002 publicado na revista acadêmica Science in Context, do historiador científico russo Kirill Rossiianov.
“O artigo de Rossiianov demonstra claramente que a criação de ‘superguerreiros’ não teve parte no trabalho de Ivanov. A suposta citação de Stalin não foi encontrada no jornal e não há evidências de que Stalin fez tal declaração. Não deveria ser surpresa, portanto, que a afirmação não tenha fundamento algum”.
Segundo conta, o interesse de Ivanov pela hibridização ocorreu muito antes da Revolução Russa de 1917, tendo pouca conexão com a ideologia marxista. “A primeira menção de Ivanov à sua ideia de usar inseminação artificial para determinar se um híbrido de macaco-homem poderia ser produzido ocorreu em uma conferência de zoologia austríaca em 1910”.
O apoio da Comissão Financeira Soviética, segundo Eric, só veio depois de várias tentativas fracassadas de obter financiamento. Ainda assim, o suporte só foi dado devido a reputação de Ivanov, que afirmou que gostaria de testar várias hipóteses sugeridas na literatura científica. Não tendo nenhuma ligação com planos de governo stalinista.
Com a viajem do pesquisador, junto a seu filho, para a África Central, para realizar seus experimentos de inseminação artificial em março de 1926, Ivanov “apenas” tentou inseminar três mulheres antes de ser forçado a abandonar o projeto por considerá-lo inútil.
“Desesperado para usar seu financiamento limitado, Ivanov então tomou a terrível decisão de tentar a inseminação de mulheres africanas com esperma de chimpanzé sem seu conhecimento”, conta Johnson. “Ele fez uma proposta aos médicos de um hospital local sobre sua experiência e estava pronto para prosseguir quando o Governador Geral da Guiné Francesa, Paul Poiret, rejeitou o plano. Sem opções e sem recursos, Ivanov e seu filho decidiram voltar para casa”.
“Ivanov esperava continuar sua experiência na Rússia por meio de mulheres voluntárias (e ele encontrou pelo menos uma que estava disposta a participar). No entanto, quando se espalhou a notícia de que ele havia tentado inseminar mulheres africanas sem seu consentimento, ele foi condenado pela Academia Soviética de Ciências e todo o apoio foi eliminado”, completa.
Posteriormente, Herman Muller, pesquisador do campo da eugenia positiva e um dos apoiadores de Ivanov, chegou a enviar uma carta para Stalin defendendo um programa eugênico. “No entanto, o momento não poderia ter sido pior. Lysenko e seus seguidores advertiram Stalin de que a pesquisa genética levaria tanto à eugenia quanto ao fascismo e, agora, Stalin estava convencido”.
Muller foi forçado a fugir de Moscou por medo de ser preso e, dias depois, recebeu a notícia de que vários de seus colegas foram baleados como "inimigos do povo". E Ivanov teve o fim já citado.
Essa matéria foi publicada originalmente em 2016 na revista impressa. A pedido dos leitores, revisamos as informações mencionadas no texto
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