Conhecido por seus experimentos cruéis em Auschwitz, o médico nazista teve seu corpo exumado com um objetivo científico
Formado em medicina, o alemão Josef Mengele ocupava um cargo de prestígio durante o Terceiro Reich, que lhe garantiu a alcunha de “Anjo da Morte” em meio à Segunda Guerra. Mas o apelido não veio de maneira simples: o especialista foi responsável por diversos experimentos com judeus presos no campo de concentração de Auschwitz.
Quando a Alemanha perdeu o conflito, contudo, Josef decidiu fugir do país, garantindo abrigo na América Latina — estratégia usada por muitos outros nazistas fugitivos.
Ele se mudou primeiro para a Argentina, então para o Paraguai e por fim encontrou abrigo definitivo no Brasil. Sua vida chegou ao fim através de um acidente mundano: O Anjo da Morte morreu afogado na praia de Bertioga, em São Paulo, no ano de 1979, então aos 67 anos de idade, segundo aqueles que o abrigaram.
Anos depois que investigadores alemães foram capazes de localizar uma carta escrita pela família que escondeu o fugitivo. Nela, eles anunciavam a morte de Mengele para seus parentes. As autoridades brasileiras foram rapidamente informadas, e puderam encontrar a sepultura do nazista.
Em 2017, três décadas depois de sua exumação, os ossos de Josef deixaram o Instituto de Medicina Legal (IML) em direção a um destino científico: as salas de aula da USP, onde estudantes de medicina passaram a ter a oportunidade de analisá-los.
A ideia de usar os restos mortais de um dos nomes do Terceiro Reich de forma educativa veio do doutor Daniel Romero Muñoz, que além de professor de medicina foi um dos integrantes da equipe de 1985 que confirmou que a sepultura em solo paulista pertencia ao Anjo da Morte de Auschwitz.
Em entrevista à Folha em 2017, o doutor explicou os motivos por trás de sua decisão: "Os ossos são úteis para mostrar como se pode examinar os restos de um indivíduo e então confrontar a informação com dados de documentos relacionados àquela pessoa", disse.
"Por exemplo, examinando os restos dele, vimos que um osso do pélvis esquerdo estava fraturado, o que se conectou com a informação encontrada em seu histórico militar, que dizia que ele tinha fraturado a pélvis em um acidente de moto em Auschwitz", exemplificou Muñoz ainda.
Não existe dúvida que Josef Mengele deixou cicatrizes na vida de muitos que cruzaram o seu caminho em campos de concentração. Assim, quando foi divulgado o uso de seus restos mortais na USP, a notícia não veio sem que alguns questionamentos fossem levantados.
Para Cyrla Gewertz, por exemplo, uma sobrevivente do holocausto que foi entrevistada pela Folha, a ideia dos ossos do nazista sendo usados para estudo não lhe agradava na época.
Já tenho muitas memórias dolorosas dele, de coisas que ele fez para mim e para outros em Auschwitz. Essas são memórias que não posso apagar da minha mente”, explicou a senhora, que preferia que o médico perverso fosse simplesmente esquecido.
Mengele ficou conhecido por suas operações — que eram todas realizadas em anestesia — em que infectava gêmeos com doenças graves para ver como cada um iria reagir.
Seus atos levaram muitos prisioneiros judeus à morte e deixou sequelas físicas e psicológicas severas nos que sobreviveram.
Segundo o historiador Zdenek Zofka, que estudou a era nazista, Josef não era nenhum sádico movido pelo prazer que obtinha do sofrimento alheio. Em vez disso, havia parado de ver judeus como humanos, de forma que não registrava mais o peso de suas ações. Os via como "uma matéria morta" ou “cobaias”, segundo o site DW.