Durante a Segunda Guerra, o teólogo foi uma das principais figuras entre os líderes religiosos alemães que acreditavam que o cristianismo não era nada compatível com o nazismo
Por vezes, distante dos fatos e com o olhar em perspectiva reduzida, o fenômeno do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial parece ter ocorrido de forma uniforme e homogênea. A verdade, no entanto, é que Hitler não chegou ao poder sem inimigos.
Na época, a grande maioria dos mais importantes políticos alemães, incluindo o próprio presidente Hindenburg, acreditava que a nomeação do futuro Führer para a chancelaria apenas serviria para que o líder nazista pudesse ser controlado e, depois, descartado. Infelizmente, todos eles estavam enganados.
Numa série sucessiva de eventos favoráveis, Hitler se tornou ditador. Diversas personalidades Alemanha afora se posicionaram contra um governo nacional-socialista e escritores, intelectuais, cientistas e religiosos, como Dietrich Bonhoeffer (1906-45), tornaram-se ativos na resistência. A maioria pagou o enfrentamento com a morte.
Pastor e teólogo protestante, Bonhoeffer foi a principal figura entre os líderes religiosos alemães dentro do movimento antinazismo: escreveu e falou abertamente sobre a necessidade de oposição a Hitler e articulou inúmeras tentativas para derrubar o ditador.
Nascido em Breslau, filho de um professor universitário de psiquiatria e neurologia, Bonhoeffer tinha uma gêmea, Sabine, e outros seis irmãos. A mãe era professora e neta do teólogo Karl von Hase, tendo dado aos filhos uma educação humanitária e cristã.
A perda de um irmão mais velho, de apenas 18 anos de idade, durante a Primeira Guerra, foi fundamental para que Bonhoeffer se decidisse pelo estudo da teologia — ele recebeu a Bíblia do irmão morto e permaneceria com ela até o fim da vida.
Bonhoeffer estudou em Tübingen, Roma e Berlim, onde obteve o doutorado em teologia em 1927, quando tinha apenas 21 anos. Mais tarde, começou sua atividade como pastor na Espanha e passou um breve período nos Estados Unidos, retornando à Alemanha para lecionar na Faculdade de Teologia.
A ascensão de Hitler ao poder dividiu a Igreja Evangélica Alemã — onde, tal como a doutrina nacional-socialista, a ideia de que os judeus faziam parte de uma “raça” à parte passou a ser defendida. Observando o desenvolvimento da situação, Dietrich deixou a Alemanha para pregar no Reino Unido, onde esteve entre 1933 e 1935.
Quando retornou, Bonhoeffer se uniu a Martin Niemöller e outros pastores e teólogos da Igreja Confessante. Erguida por aqueles que não concordavam com a Hitler, ela foi criada em torno dos que acreditavam que o cristianismo não era compatível com o nazismo.
Defensor da liberdade para pregação do Evangelho, crente na “Graça de Deus” — um dos fundamentos da teologia luterana —, no ecumenismo entre as igrejas cristãs e preocupado com a política antissemita de Hitler, Bonhoeffer acreditava que a igreja só teria finalidade se existisse para quem estivesse fora dela e que fosse clara a “sua obrigação incondicional para com as vítimas de todos os sistemas sociais”, mesmo que eles não pertencessem à sociedade cristã.
Mantendo constante correspondência com o exterior e alarmado com a perseguição sistemática aos judeus, em 1938 ele fez os primeiros contatos com a resistência quando seu cunhado Hans von Dohnanyi o pôs a par das intenções de membros da agência de inteligência do Exército alemão.
Bonhoeffer entrou para a Abwehr, que já nessa época era um ninho de conspiradores liderados pelo almirante Wilhelm Canaris. Nesse meio-tempo, ele publicou uma de suas obras mais famosas, Discipulado, de 1937, em que expôs a doutrina da Graça por meio do Evangelho e de Cristo.
Com a ameaça iminente de guerra, Bonhoeffer visitou a Inglaterra no ano seguinte, mas não obteve sucesso em convencer os Aliados a prestar apoio à resistência alemã. Alvo do Serviço de Informações da SS, a Gestapo fechou seu se minário e o proibiu de pregar, escrever ou publicar em 1940. Mas ele não deixou de conspirar contra Hitler.
Em 1942, por meio do general Hans Oster, chefe do Estado-Maior do general Ludwig Beck, o ex-chefe do Alto-Comando do Exército e um dos líderes antinazistas dentro do círculo militar, Bonhoeffer apresentou ao Ministério das Relações Exteriores britânico propostas concretas para os termos de paz, mas os ingleses rechaçaram as negociações.
Em 1943, Bonhoeffer foi preso, acusado de subversão (por meio da Abwehr, ele vinha dando apoio à fuga de judeus da Alemanha). Ele havia noivado com Maria von Wedemeyer poucos meses antes. Com o fracasso do atentado a Hitler, conduzido pelo coronel Claus von Stauffenberg em julho de 1944, Bonhoeffer foi enviado para o campo de concentração de Buchenwald e depois para Flossenbürg.
Em 9 de abril de 1945, duas semanas antes da libertação do campo e a poucos dias do fim da Segunda Guerra, foi enforcado, nu e com as mãos amarradas. Wedemeyer sobreviveu à guerra, casou-se com o filho de um teólogo e teve dois filhos.
O martírio de Bonhoeffer e suas ideias sobre cristianismo e igreja influenciaram fortemente o pensamento religioso protestante pós-guerra. Dietrich Bonhoeffer é considerado um dos maiores teólogos do século 20.
Rodrigo Trespach é Historiador e escritor, autor de 13 livros. entre eles: Personagens do Terceiro Reich (ed. 106) e Histórias não (ou mal) contadas: Segund Guerra Mundial 1939-1945 (ed. Harper Collins Brasil).