O episódio, que causou até a morte do então presidente, revelou o frágil sistema de saúde brasileiro — além de trazer uma cura inexistente até hoje
Em 1918, o navio transatlântico Demerara saiu de Liverpool, na Inglaterra, passando por Lisboa, em Portugal, com objetivo de levar imigrantes e residentes de volta para o Brasil. A primeira parada foi em Recife, a segunda em Salvador, e a terceira no Rio de Janeiro, na época, capital do país. O problema é que, junto com diversos imigrantes, uma mutação da gripe comum pisava em solos tupiniquins.
O navio atracou em setembro do mesmo ano, no mês seguinte, a Gripe Espanhola já havia atingido as maiores cidades do país. O resultado foi um cenário marcado pelo caos. Apresentando os sintomas de uma gripe comum, entretanto, inédita para ser tratada com eficácia, a Influenza devastou boa parte da população brasileira, trazendo um número grande de cadáveres para as ruas de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo.
De acordo com o relato do deputado Sólon de Lucena, a gripe atingiu não somente as classes mais baixas da sociedade da época — como era de se esperar —, mas também figuras ilustríssimas no Brasil, tão qual o próprio presidente da República. Rodrigues Alves havia sido reeleito, mas adoeceu da gripe e veio a falecer em 1919, obrigando o país a participar de uma eleição fora de época.
Tosses e espirros por todo lado
A disseminação da gripe (feita através de gotículas expelidas em tosses, espirros ou durante a fala) foi potencializada pelo fluxo intenso de pessoas dentro da Europa e do velho continente até outros locais bem mais distantes, como o Brasil. Soldados, que já estavam com suas imunidades afetadas graças aos esforços da guerra, morriam ao chegarem em suas terras por problemas decorrentes da doença, como a tuberculose.
Em 1918, a Gripe Espanhola vitimou 50 milhões de pessoas ao redor do mundo todo. Para se ter noção, a Segunda Guerra Mundial acabou vitimando 60 milhões de pessoas, mas distribuídas ao longo de seis anos (1939-1945). Já a Primeira Guerra Mundial, tem em seus números oficiais o irrisório número — se comparado com os da gripe — de 8 milhões e meio de mortes.
A cidade de São Paulo esteve diante de um de seus piores anos, com uma média aproximada de 8 mil e 500 mortes por ano. No período da Gripe, foram 14.811 mortes registradas somente na capital. A superlotação de seus hospitais não foi um elemento exclusivo da terra da garoa. Tanto escolas quanto transportes públicos estavam completamente vazios.
Medo constante
Um medo pairava sobre o ar do Brasil, e as pessoas tinham medo de serem contaminadas pela mortal doença. A mortalidade estava estampada nas ruas, especialmente nos subúrbios cariocas. Quando uma das pessoas da casa morria, os familiares — com medo da contaminação e sem ter onde enterrar o doente, já que todos os cemitérios estavam cheios — deixavam os cadáveres nas ruas.
Os serviços de remoção e de limpeza pública eram responsáveis pela difícil e indigesta tarefa de dar fim aos corpos, muitos deles eram destinados a valas coletivas, já que não existem caixões o suficiente para comportar todas as pessoas que morrem nas grandes cidades. A polícia passava pelas ruas recrutando homens robustos que se encaixavam em um serviço incômodo, o de coveiros.
Muitos dos profissionais da área haviam morrido, o contato direto com mortos era, obviamente, uma exposição grande a uma gripe que ainda não apresentava cura. Além disso, a remuneração não era exatamente a melhor possível para arcar com despesas médicas.
Ano letivo adiantado
O ano letivo terminou mais cedo, já que, para evitar o contágio na população mais nova, as aglomerações em escolas poderiam ser fatais. Entretanto, sem o acesso à comunicação que temos hoje em dia, as aulas foram canceladas o resto do ano, e a determinação foi para que todos os alunos fossem aprovados sem exames.
As aglomerações também foram proibidas em outros ambientes, como cinemas e teatros — que foram lacrados e desinfetados. Além disso, os cemitérios foram fechados e as pessoas proibidas de ir ao local em 2 de novembro, dia de finados.
Diversos foram os remédios milagrosos que apareciam nas farmácias que, supostamente, curavam as pessoas da gripe e as livrariam de suas mazelas. No entanto, tudo era uma farsa: grande parte eram somente embustes que exploravam o desespero alheio, até porque, a doença não tinha, e ainda não tem cura.
Em São Paulo, uma receita caseira prometia a mesma coisa, porém, era menos abusiva quando comparada com os valores estipulados por farmacêuticos: cachaça, limão e mel. Para o Instituto Brasileiro da Cachaça, a partir daí que ficou conhecida a receita da caipirinha.
Devastando a população de forma abrupta, a Gripe Espanhola passou a se enfraquecer rapidamente. Em dezembro de 1918, os casos registrados eram poucos, e o Carnaval do ano seguinte discutiu a temática — tão atual quanto agora.
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