Marcada por amores intensos e traições desoladoras, a vida da pintora brasileira foi reconstruída por Mary Del Priore em obra
Tarsila do Amaral é uma das mais famosas pintoras da história brasileira, sendo conhecida por suas instigantes telas de cores vibrantes em homenagem à fauna nacional e provocativas temáticas sociais. Entre suas obras, que foram ícones do movimento modernista, se destacam "Abaporu" (1928), "A Negra" (1923) e "Operários" (1933).
Indo além de seu legado como artista, porém, uma palestra realizada na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano no início deste mês de março buscou reconstruir como foi a vida pessoal de Tarsila, que é menos falada.
O evento foi o primeiro da iniciativa Ciclo de Palestras sobre História do Brasil, que conta com a curadoria do pesquisador Paulo Rezzutti e fará homenagens a diversas outras mulheres de extrema importância para compreender a história de nosso país.
O primeiro encontro, por sua vez, trouxe a historiadora Mary Del Priore, que lançou em 2022 a biografia "Tarsila: Uma vida doce-amarga", para falar sobre a pintora paulista.
Nascida em Capivari, interior paulista, em uma família de fazendeiros do café, a artista modernista é descrita por Priore como "caipira". Sua entrada no meio artístico nacional, no entanto, ocorreu mesmo na cidade de São Paulo, onde Tarsila passou a morar após seu curto primeiro casamento, que terminou com seu parceiro deixando-a pela cunhada.
Essa primeira união turbulenta, vale enfatizar, foi só um dos muitos desdobramentos da vida amorosa da pintora que seriam vistos como vergonhosos por sua família tradicional e religiosa.
As mulheres eram formatadas para serem mães de família, a vida tinha que ser um relógio, onde nada saísse dos ponteiros, as obrigações para com os familiares, a criação dos filhos. Então vocês imaginam tudo isso depois sendo quebrado a machadadas pela vida da Tarsila", observou Priore.
A historiadora abordou também, é claro, o romance da artista com o escritor Oswald de Andrade, por quem ela seria "profundamente apaixonada".
Ela casa na igreja com o Oswald de Andrade (...), e começam aí talvez os dois anos mais penosos da vida da Tarsila, porque o Oswald absolutamente não estava interessado no casamento. O próprio tratamento dele em relação a ela, do momento que eles resolvem se casar, muda na correspondência que trocam, porque ela fica entre Paris e São Paulo, e ele, que tinha antes uma linguagem amorosa, passa a ter uma linguagem muito ríspida. E nitidamente chama atenção dela para o fato que precisam impressionar a sociedade paulistana (...), Oswald lembra ela o tempo todo que eles têm um papel social a desempenhar", contou.
Esse relacionamento terminaria com o poeta traindo sua esposa com Pagu, outra relevante artista brasileira que, na época, era uma amiga do casal, frequentando sua residência.
Depois de Oswald, a pintora modernista teria ainda muitas desilusões, como a maneira como foi esquecida do cenário artístico brasileiro durante anos (ao que só voltou a ser valorizada no fim da vida), sua breve prisão na ditaduraVargas, outro amor que terminou em abandono e ainda a morte de sua única filha. Para lidar com todos esses acontecimentos, a figura teria se voltado à espiritualidade:
O final da vida da Tarsila é muito místico, é como se nós conseguíssemos amarrar a juventude e a velhice dela. Ela se torna extremamente religiosa, se torna espírita, é muito amiga do Chico Xavier, com quem se corresponde. É uma mulher piedosa, que se divide entre o catolicismo e o espiritismo (...), o que é uma maneira dela minimizar essa solidão no qual vive", disse Priore.
Confira abaixo a palestra na íntegra: