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Matérias / Televisão

A falsa entrevista com o PCC que colocou a carreira de Gugu em xeque e se transformou em um caso de polícia

Produção do Domingo Legal aproveitou a repercussão da onda de crimes que assolava a cidade e exibiu uma matéria com supostos membros da quadrilha

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 28/08/2020, às 10h00

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Trecho da entrevista com falsos membros do PCC exibido no programa Domingo Legal, apresentado por Gugu - Divulgação
Trecho da entrevista com falsos membros do PCC exibido no programa Domingo Legal, apresentado por Gugu - Divulgação

Entre os anos de 2002 e 2003, o estado de São Paulo viveu uma intensa onda de atentados organizados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Ao todo, as duas séries de atentados — que somadas superaram 60 ataques — provocaram a morte de seis pessoas, além da depredação de bases policiais e edifícios públicos.

A cidade vivia um caos e a segurança pública era muito cobrada. Os ataques ocorreram na capital paulista e também em cidades no interior do Estado de São Paulo, como Jundiaí, São Carlos e São José do Rio Preto.

Em 2006, o PCC queimou um ônibus durante um ataque / Crédito: Wikimedia Commons

O ato foi uma maneira do PCC reduzir o isolamento de seus líderes — Marcos Willians Herbas Camacho (o Marcola), Júlio César Guedes de Moraes (o Julinho Carambola), e Sandro Henrique da Silva Santos (o Gulu) — nas prisões, além de atacar a imagem do Governo e o Regime Disciplinar Diferenciado, o RDD.

Toda essa tensão era acompanhada cotidianamente nos programas policiais. O assunto era tão comentado que, inclusive, chegou a um dos líderes de audiência nos finais de semana: o Domingo Legal.

No dia 7 de setembro de 2003, o programa comandado por Augusto Liberato, o Gugu, exibiu uma bombástica entrevista com dois supostos membros do PCC — que eram identificados como Alfa e Beta.

Trecho da entrevista exibida no Domingo Legal / Crédito: Divulgação

Além de assumirem a autoria do sequestro do padre Marcelo Rossi, que acontecera na semana anterior, a dupla também ameaçou fortemente, outras personalidades, como os apresentadores José Luiz Datena (Bandeirantes), Marcelo Rezende (Rede TV!) e Oscar Roberto de Godoy (Record) — que comandavam programas policiais —, e o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo.

A revolta dos ameaçados

A repercussão do programa foi imediata, tanto é que, no dia seguinte, Datena usou seu programa para falar sobre a ameaça que recebeu. Visivelmente revoltado com o sensacionalismo de seu colega de profissão, o apresentador declarou: “Silvio Santos é por isso que seu jornalismo não dá dinheiro... pra mostrar um jornalismo rasteiro desse no programa do Gugu, não vale a pena ter jornalismo mesmo. Vai lá ver lá em casa como está minha família, com medo de sair, botar o nariz na rua! Estou profundamente magoado, desiludido”.

Datena comentando as ameaças em seu programa / Crédito: Divulgação

Marcelo Rezende também comentou sobre o caso. Durante o Repórter Cidadão, seu programa, ele entrevistou Hélio Bicudo, que indagou: “As pessoas que fazem ameaça cometem um crime. E aqueles que divulgam a ameaça, não cometem?”.

Investigação policial

A entrevista exibida no Domingo Legal virou caso de investigação policial. Sob a suspeita de fraude, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigação e solicitou cópias das gravações, que foram encaminhadas à Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo.

O procurador-geral de Justiça na época, Luiz Antônio Guimarães Marrey, levantou suspeitas sobre a veracidade da entrevista e sobre o fato da dupla pertencer ao PCC. "Ambos os indivíduos, que disseram ter cumprido penas longas, não parecem ter linguagem de quem esteve anos no sistema prisional”.

Saulo Castro de Abreu, secretário de Segurança Pública, sugeriu que Gugu “montou um personagem”. A secretaria negava a existência do PCC nessa época. "Pegou uma situação que tomam por realidade, um negócio chamado PCC, que estava morto e enterrado em São Paulo, travestiu duas pessoas, colocou capuz, montou um personagem e aproveitou uma semana de debate sobre sequestro de autoridades, de atentado ao padre Marcelo”.

Trechos da entrevista repercutiram em outros programas policiais, como o Brasil Urgente (Rede Bandeirantes) / Crédito: Divulgação

Na ocasião, alguns promotores levantaram a hipótese de que os bandidos da entrevista seriam ex-policiais que trabalhavam como seguranças no SBT. O DEIC (Departamento de Investigação Sobre o Crime Organizado), passou a coletar depoimentos de pessoas envolvidas na produção do programa.

A reação de Gugu e do SBT

Devido à todo o rebuliço causado pela matéria, Silvio Santos fez uma reunião com diretores para gerenciamento de crise. Preocupado, ele temia uma repercussão ainda mais negativa do caso e uma possível retaliação do governo.

Sob orientações da emissora, Gugu se calou. Cancelou reuniões e passou a semana cuidando de seu pai Augusto, que havia sido internado com embolia, e de sua mãe Maria do Céu, que estava com diverticulite.

O que Silvio Santos mais temia aconteceu. As retaliações contra o programa haviam começado. Naquela semana a Petrobras cancelou uma enorme campanha publicitária que faria com Gugu — algo em torno de R$ 1,7 milhão. Além do mais, o Domingo Legal viu seu faturamento cair de R$ 750 mil para R$ 400 mil em duas semanas.

O Ministério da Justiça advertiu a emissora e o Tribunal de Justiça ordenou que o programa fosse retirado do ar. Durante dois finais de semana o SBT teve que preencher a lacuna deixada pelo programa com reprises do Programa do Ratinho, o Grammy Latino e o Troféu Imprensa.

Gugu pede desculpas

No dia 15 de setembro, durante o programa de Hebe Camargo, Gugu apareceu de surpresa e pediu um espaço a colega para se desculpar. Ele afirmou que não tinha visto o material antes de ir ao ar.

Gugu "invadiu" o programa da Hebe para pedir desculpas em rede nacional / Crédito: Divulgação

O depoimento fez o programa saltar de 10 para 19 pontos de audiência. A apresentadora aproveitou a ocasião para dar um conselho a seu colega de emissora: "Posso te dar um conselho como mãe? Não sofra tanto por um negócio de audiência, meu amor. Você tem o seu programa há tantos anos, é tão querido. Quando um programa dá dois ou três pontos a menos, você tem uma audiência magnífica. Não tem que sofrer por causa de dois, três pontos que o Faustão ganha. De repente, no outro domingo, o público acha que o seu programa está melhor”.

A conclusão do caso

Na semana seguinte o apresentador prestou depoimento responsabilizando o SBT pela exibição do material. Em depoimento no DEIC ele afirmou desconhecer a farsa. Segundo o delegado Alberto Pereira Matheus, o apresentador admitiu que solicitou à produção do programa que realizasse uma reportagem sobre as ameaças do PCC ao padre Marcelo.

Cinco pessoas que participaram da entrevista foram indiciadas por apologia ao crime pela Polícia Civil de São Paulo: o produtor Hamilton Tadeu dos Santos (o Barney), Wagner Faustino da Silva (o Alfa), Antônio Rodrigues da Silva (o Beta), o repórter Wagner Maffezoli e o produtor Rogério Casagrande.

Barney, Alfa e Beta se apresentaram à polícia para depor. Em entrevistas a jornalistas quando estava a caminho do DEIC, Barney declarou que não participou das gravações, mas admitiu que teria cedido uma arma para a produção.

Já Rodrigues e Faustino, que, segundo a polícia, simularam ser integrantes do PCC, afirmaram que havia um roteiro — escrito em cartolinas — com o texto que deveria ser falado. Cada um teria recebido R$ 150 para participarem da entrevista.

Também durante depoimento, o produtor Rogério Casagrande declarou que o Domingo Legal pagou R$ 3.000 para que Barney intermediasse uma entrevista com membros do PCC. O diretor do programa, Maurício Nunes, também foi ouvido pela polícia.


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