Com uma história antiga que tem ligação com a amante de D. Pedro, o imóvel pode ter abrigado o primeiro quilombo da capital paulista
A capital paulista é recheada por casarões abandonados que podem impressionar caso alguém decida ir atrás da história certa — o podcast da Folha de S. Paulo, “A Mulher da Casa Abandonada” foi uma das maiores provas disso.
Na Marginal Tietê, situada no acesso à rodovia Anhanguera, está localizado um outro imóvel não tão misterioso, mas com uma história antiga e bastante curiosa, que relembra a saga do Brasil Império.
Conhecido como 'Casarão do Anastácio', o imóvel é um das muitas construções históricas da cidade de São Paulo que chamam a atenção de quem passeia pela capital, agora repleta de altos prédios e movimentadas calçadas.
Construída em 1920, a mansão foi erguida com o estilo neocolonial hispânico e tornou-se ainda mais gritante por conta da arquitetura, da qual ela é uma das únicas representantes na cidade, responsável por deixá-la ainda mais cenográfica.
Embora tenha sido construída há pouco mais de um século, o terreno que a abriga possui uma história bem mais antiga. A propriedade conta com mais de 180 mil metros quadrados e equivale a cerca de um parque e meio da Aclimação, para se ter uma ideia do tamanho.
O coronel Anastácio de Freitas Trancoso, que fazia parte do Governo Provisório de São Paulo, foi o primeiro dono do terreno, em 1823, que abrigaria o icônico casarão muitas décadas depois.
Em 1856, a propriedade foi vendida ao brigadeiro Tobias de Aguiar e sua esposa, a Marquesa de Santos, que a mais famosa amante do imperador do Brasil Dom Pedro I. Quando Tobias morreu, a mulher se tornou a única dona do terreno até sua morte em 1867.
Segundo a revista Arruaça, especula-se que Domitila de Castro — o verdadeiro nome da marquesa — costumava fumar com as pessoas que eram escravizadas na época pela família em uma área dos fundos da fazenda Anastácio, no terreno que abrigaria o casarão mais tarde.
Existem relatos de moradores da região daquele período e outros indícios históricos que apontam que a propriedade pode impressionantemente ter alojado o único quilombo da cidade de São Paulo.
Depois da morte da marquesa, uma parte do terreno foi vendida pelos herdeiros para a empresa canadense Ligth and Power, responsável pela geração e distribuição de energia elétrica da região na época. Em 1917, a Companhia Armour do Brasil comprou o que restava da propriedade.
Na época em que a Marquesa de Santos era dona do terreno, havia ali somente uma casa para a fazenda, erguida em taipa de pilão. Quando a Companhia Armour do Brasil comprou a propriedade, a empresa construiu o casarão que permanece ali até hoje para os funcionários do seu frigorífico, demolindo a antiga construção.
O imóvel foi tombado somente em 2013, 21 anos depois do antropólogo Edson Domingues abrir um pedido para seu tombamento no Secretaria Municipal de Cultura. À revista Arruaça, o pesquisador explica que a demora ocorreu porque o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) tem pouca estrutura.
“Enquanto reuníamos documentos, fotos, depoimentos sobre a história do imóvel, o DPH não havia constituído o processo físico. Falta equipe para a gestão do patrimônio cultural em São Paulo”, explicou.
Embora possua grande importância histórica, o casarão e o terreno estão em estado de abandono. A propriedade está nas mãos da empresa norte-americana Tishman Speyer desde 2007, quando foi previsto que o imóvel seria transformado no primeiro centro cultural de Pirituba, um projeto que ainda não foi concretizado.
Como destacou Domingues, “o Casarão é tido pelos moradores do entorno como alguém mais idoso, uma referência de carinho” e a “a proposta acordada em audiência pública realizada pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente em 2007 foi de garantir a transformação do imóvel em espaço cultural”.
“A região de Pirituba tem 400 mil habitantes e nenhum cinema, teatro ou auditório para apresentação de grupos que fazem do bairro um referencial de produção cultural”, ressaltou.