Precursora da luta feminista no Brasil, Nísia é autora de obras importantes sobre o tema e responsável por criar uma escola exclusiva para garotas
Pamela Malva / Atualizado por Fabio Previdelli Publicado em 10/01/2021, às 09h00 - Atualizado em 15/10/2021, às 00h00
O jornalismo destinado ao público feminino nasceu em meados do século 19, com revistas e jornais pensados para uma nova audiência. Acontece que, naquela época, depois de anos concentradas apenas nos cuidados da casa, as mulheres passaram a se interessar pela literatura e pela escrita, o que abriu portas para um mercado promissor.
Mesmo que tivessem pautas pensadas para as mulheres, contudo, as publicações eram exclusivamente escritas por homens. Indignada com o irônico cenário, uma dama bastante influente em sua cidade decidiu tomar providências, em meados de 1831.
Foi assim que Dionísia Gonçalves Pinto tornou-se Nísia Floresta Brasileira Augusta. Sob o pseudônimo, ela lutou pela educação de outras meninas.
Nascida em 1810, em Papari, no Rio Grande do Norte, Dionísia era filha de um advogado português com uma rica herdeira da região. Ao lado de três irmãos, a menina cresceu acostumada com mudanças, já que o antilusitanismo crescia cada vez mais.
Aos sete anos, a pequena entrou para o convento das carmelitas, onde recebeu aulas de clássico manual e canto. Diferente das outras alunas, entretanto, ela também sentia-se atraída pelos livros da biblioteca, paixão que sempre foi incentivada pelo pai liberalista.
Quando completou treze anos, a menina foi obrigada a casar-se com um rico proprietário de terras, conforme as normas sociais da época. Poucos meses depois do matrimônio, todavia, Dionísia rompeu com seu esposo e fugiu de volta para casa.
Anos mais tarde, em 1828, a jovem passou por um período triste em sua vida, repleto de luto e saudade. Por fazer parte de um levante contra a poderosa família Cavalcanti, influente na elite de Olinda, onde moravam na época, o pai de Dionísia foi assassinado.
Três anos depois, no entanto, ela finalmente descobriu aquele que parecia ser seu papel no mundo. Motivada por seu amor pela literatura, a jovem assumiu o nome Nísia e passou a escrever para o jornal O Espelho das Brasileiras, editado em Recife.
Segundo Antônio Carlos de Oliveira Itaquy, que escreveu um estudo sobre a autora, Nísia acabou escolhendo seu pseudônimo por diversos motivos. “Floresta” porque esse era o nome da fazenda onde nasceu, "Brasileira" pelo orgulho do país e "Augusta" em homenagem ao seu grande amor, o acadêmico Manuel Augusto de Faria Rocha.
Em seus textos, a escritora falava sobre as condições de vida das mulheres, além de defender a educação feminina em ambas às esferas cívicas e moral. No total, o jornal para o qual ela escreveu teve 30 edições. Todas elas contaram com Nísia como redatora.
Dos primeiros textos no jornal, Nísia se apaixonou pela arte de escrever e, em pouco tempo, lançou sua primeira obra. Publicado em 1832, o livro da educadora chama-se “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens”.
Hoje, discute-se sobre a teoria de que a obra era baseada em “A Vindication of the Rights of Woman”, de Mary Wollstonecraft. Existe ainda a ideia de que Nísia teria traduzido literalmente o livro “La femme n'est pas inferieure a l'homme”, publicado em 1750.
Independentemente da inspiração, a obra da brasileira foi considerada um ícone da literatura da época. Mas Nísia se recusou a parar por aí. Assim, o foco dela passou a ser a educação de meninas, que, até então, aprendiam apenas a cuidar da casa.
Em meados de 1838, o pioneirismo feminista de Nísia extrapolou as barreiras literárias e se expandiu para um contexto sociocultural. Isso porque, naquele ano, ela fundou o Colégio Augusto, um dos primeiros do país exclusivos para meninas.
Ainda que as jovens não fossem proibidas de estudar, elas costumavam receber aulas de bordado, canto e etiqueta. Nas mãos de Nísia, porém, meninas e adolescentes brasileiras passaram a estudar matemática, português e história.
Defensora da emancipação feminina, que chegou a publicar um livro sobre o tema em 1853, Nísia mudou-se para a Europa, em meados da década de 1840. Por lá, ela publicou diversos artigos, mas também ficou sob a mira daqueles que não concordavam com seus ideais e, assim, ela caiu no esquecimento.
Foi apenas décadas mais tarde, no final do século 20, com o trabalho de mulheres como Zahidé Muzart e Constância Duarte que a história de Nísia voltou à tona. Falecida na França, aos 74 anos, a potiguar voltou a ser lembrada.
Apesar de ter morrido em meados de 1885, devido à um quadro de pneumonia, o corpo da primeira autora feminista do Brasil chegou em terras tropicais apenas em 1954. Hoje, a Nísia está enterrada na cidade onde nasceu.
Em homenagem à mulher que tudo mudou no século 19, inclusive, o município de Papari hoje chama-se Nísia Floresta. É um dos únicos lugares no Brasil onde a memória de uma das precursoras do feminismo e defensora da educação feminina no país ainda pulsa.