O rádio, o computador, o carro e outras criações brilhantes foram recebidas com indiferença
"Acho que no mercado mundial há lugar talvez para cinco computadores", afirmou ninguém menos que o presidente da IBM, Thomas Watson, em 1943. Prever o futuro é certamente uma ciência inexata. Inclusive no mundo bem palpável da tecnologia. Computador, automóvel, rádio... Inventos hoje indispensáveis à sua vida, revolucionários quando surgiram, amargaram tempo, dinheiro e descrédito antes de vingar.
A declaração de Watson, que assumiu o comando da IBM em 1914, soa absurda, mas deve ser examinada no contexto em que foi dita. Por muito tempo o computador foi considerado um aparelho sem apelo comercial. "Era uma máquina de fazer contas rapidamente e não parecia tão necessária", afirma Ivan da Costa Marques, professor de História da Ciência da UFRJ. O cientista-chefe da IBM Brasil, Fábio Gandur, lembra que a interface de comunicação da máquina era outra, exigia o domínio de linguagens de programação e levou muito tempo antes que se tornasse multifuncional. O computador é uma criação coletiva, resultado de uma série de adaptações. Da ideia da notação binária (1679) ao IBM Mark 7 (1937), precursor dos mainframes, a transformação foi gigantesca. Já o primeiro computador eletrônico, de 1941 (gigantesco e ainda assim limitado), foi impulsionado pela Segunda Guerra. Mesmo elementos cruciais na evolução do equipamento, como o chip, foram menosprezados. "Mas... para que serve isso?", disse o executivo da IBM Robert Lloyd a respeito do circuito integrado em miniatura, novidade nos anos 1950.
A primeira versão doméstica do PC ajudou a desacreditar o computador como um item para se ter em casa. Em 1969, a loja de departamentos Neiman Marcus lançou o Honeywell Kitchen Computer. Por 10600 dólares, a moderna dona de casa americana podia ter uma máquina para armazenar e consultar receitas culinárias. Claro que ainda era bem mais barato e prático manter um caderno de papel e o Honeywell foi um fracasso. "Não há razão para que alguém queira ter um computador em casa", disse Ken Olson, presidente da Digital Equipment Corp., ainda em 1977. De instrumento para fazer contas a janela virtual, é fato que a aceitação do computador cumpriu etapas, em função das ferramentas que oferecia e da incorporação destas no cotidiano das pessoas. "Quando inventaram o marca-passo, em 1941, ele foi tratado como um computador cardiológico. Ninguém queria usá-lo, achando que os transformaria em robôs ou em seres insensíveis. Hoje não se pensa mais assim", diz a professora de História da Tecnologia da UFRS, Marília Levacov.
Nem todas as invenções foram introduzidas na sociedade de forma tão gradual. Desde que os irmãos Lumière criaram o cinematógrafo, em 1895, havia o desejo de sincronizar imagem e som. Apresentações de música ao vivo animavam a exibição das películas. Depois foram usados discos, mas os esforços para incrementar o áudio seguiam firmes. Mesmo assim, Harry Morris Warner, co-fundador do estúdio Warner Brothers Pictures, declarou, em 1927: "Quem diabos quer ouvir os atores falando?" Mas a empresa já ajudava a desenvolver a técnica necessária e no ano seguinte exibiu Luzes de Nova York, integralmente falado e sonorizado. O cinema mudo entrou em decadência imediatamente. E sob protestos. "Ninguém mais sente, ninguém mais age, todo o mundo fala e canta", reclamou o escritor Octávio de Faria, em artigo de 1930 para a revista O Fan. Nessa época, chique era chegar aos cinemas falados de carro particular. O caminho dos automóveis até aí, porém, não foi simples. Os primeiros protótipos com motor de combustão interna movido a gasolina são de 1889. Só que, em 1903, ao pedir um empréstimo ao Michigan Savings Bank para investir na revolucionária linha de produção do Ford T, o advogado de Henry Ford, Horace Rackham, ouviu do presidente George Peck: "O cavalo está aqui para ficar, mas o automóvel é apenas uma novidade, uma moda". Quando os carros com motor a explosão começaram a rodar (barulhentos e a vertiginosos 18 km/h), alguns foram apedrejados porque "ameaçavam a segurança pública".
Por muito tempo, a humanidade encarou com menos rebuliço a criação de novas tecnologias, diz o historiador Jozimar Paes de Almeida, da Universidade Estadual de Londrina. "Fundamentados em suas experiências ao longo dos anos, os homens foram aperfeiçoando instrumentos e técnicas e, como isso ocorria no interior de suas comunidades, essas invenções não eram interpretadas com tanto assombro." Isso mudou progressivamente com o crescimento das cidades, no fim da Idade Média. Houve uma especialização das profissões em determinados ramos de trabalho e um aumento do uso técnico e energético na produção de equipamentos e máquinas. A Revolução Industrial, entre os séculos 18 e 19, é um marco importante desse processo.
Para Carlos Maia, professor de História das Ciências da Uerj, até a interferência da Igreja era limitada, voltada para questões éticas ou metafísicas. Estudos mais recentes apontam que ela inclusive teria contribuído para o desenvolvimento de novas tecnologias, como na construção das catedrais. "Há muitos casos de boas ideias que surgem antes de seu tempo, que deixam de florescer por falta de condições experimentais ou linguagem adequada", diz José Luiz Goldfarb, historiador da PUC-SP.
O padre brasileiro Landell de Moura estava tão à frente de seu tempo que a batina não evitou que fosse acusado de bruxaria ao estrear a radiodifusão em 1894 (ele disputa a prioridade com Nikola Tesla e Guglielmo Marconi, que levou a patente em 1896). Em 1900, um grupo de fiéis invadiu e destruiu seu laboratório dizendo que ele tinha um pacto com o demo.
Novidades costumam causar estranhamento, mas é certo que a forma como os artefatos são difundidos influencia seu progresso. Hoje (mais do que nunca) a promoção das invenções é crucial, segundo o presidente da Associação Nacional de Inventores, Carlos Mazzei. É esse processo que alimenta a mudança de hábitos do público e favorece que a tecnologia inovadora seja incorporada a nossa rotina. "Assim foi o caso do CD substituindo o vinil. Os marqueteiros estão aí para garantir isso", diz. É, mas a História já provou que os investimentos na produção e divulgação em escala, por si só, não resolvem o problema. Basta lembrar o computador que armazenava receitas ou o cigarro "sem fumaça" da R.J. Reynolds. Quando o lançou, em 1988, a empresa já tinha investido dez anos e 300 milhões de dólares para fabricá-lo. Complicado de acender, vinha com manual de instrução e o gosto era péssimo. Foi um desastre. "Em se tratando de tecnologia, melhor mesmo é não fazer previsões", afirma, rindo, o cientista-chefe da IBM, Fábio Gandour.
Previsões furadas
Inventos essenciais e o que já foi dito sobre eles
"Como assim precisa de cabo para funcionar? Inútil" / Shutterstock
► Computador
"No mercado mundial há lugar talvez para cinco computadores." - Thomas Watson, presidente da IBM, 1943► Carro
"O cavalo está aqui para ficar, mas o automóvel, uma moda." - George Peck, presidente do Michigan Savings Bank, em 1903► Cinema falado
"Quem diabos quer ouvir os atores falarem?" - Harry Morris Warner, um dos irmãos Warner que fundaram a W.B., 1927► Rádio
"O rádio não tem futuro." 0 Lord Kelvin, matemático e físico, 1897► TV
"A televisão não vai durar porque, logo, as pessoas irão ficar cansadas de olhar para uma caixa de madeira todas as noites." - Darryl Zanuck produtor de 20th Century Fox, em 1946► Telefone
"É uma grande invenção, mas, de qualquer forma, quem iria usar isso?" - Rutherford B. Hayes, presidente norte-americano, depois da demonstração de Graham Bell, em 1876