Encontrada há mais de um século, a máquina de Anticítera, que teria sido feita há mais de dois mil anos, surpreende por sua tecnologia
Publicado em 03/11/2024, às 10h00 - Atualizado em 06/11/2024, às 17h56
Há mais de um século, uma tempestade levou um grupo de catadores de esponjas marinhas a buscar abrigo na ilha grega de Anticítera, uma decisão que entrou para os livros.
Aproveitando a parada inesperada, os mergulhadores decidiram explorar as águas ao redor da ilha e acabaram encontrando um antigo navio romano naufragado, cujos restos estavam depositados a 42 metros de profundidade. Entre tesouros de mármore e bronze, havia no local engrenagens corroídas de um objeto enigmático: a Máquina de Anticítera.
O achado, datado entre 70 a.C. e 50 a.C., intrigou cientistas do mundo inteiro. Formado por um conjunto de engrenagens de bronze do tamanho de um laptop, o artefato foi apelidado de “computador antigo”, devido à sua capacidade de realizar cálculos astronômicos sofisticados.
Como enfatiza o portal BBC, a complexidade da Máquina de Anticítera é surpreendente, tanto que levou 1.500 anos até que algo semelhante fosse inventado: os relógios astronômicos mecânicos europeus.
Até a época da descoberta, que se deu entre 1900 e 1902 — há divergências quanto à data — ninguém imaginava que os gregos antigos pudessem construir um dispositivo tão avançado.
Como afirmou o matemático Tony Freeth, da Universidade de Cardiff, à BBC, "se não tivessem descoberto a máquina, ninguém teria imaginado, ou nem mesmo acreditado, que algo assim existisse, pois é muito sofisticada".
O estudo aprofundado do artefato começou a ganhar força em 1950, com o físico inglês Derek John de Solla Price, que analisou os 82 fragmentos da máquina.
Em 1971, Price e o físico nuclear grego Charalampos Karakalos submeteram o objeto a exames de raios-X e raios gama, revelando um interior repleto de rodas dentadas. O mecanismo incluía 27 engrenagens — um sistema extremamente complexo para a época.
As pesquisas mostraram que as engrenagens codificavam ciclos astronômicos, como o ciclo Metônico, que consiste em 235 meses lunares (exatos 19 anos solares). Outros números, como 127, representavam as revoluções lunares ao redor da Terra. Esses cálculos eram fundamentais para os gregos, pois, as fases da Lua determinavam aspectos cruciais da vida, como o momento de plantar, eventos religiosos e até decisões militares.
Mas, o poder da Máquina de Anticítera ia além: o mecanismo também conseguia prever eclipses lunares com precisão. Outro número encontrado, 223, fazia referência ao ciclo de Saros, uma sequência de 18 meses e 11 dias, conhecida por prever eclipses.
Essa capacidade de antever eclipses lunares incluía até detalhes como a hora exata, a direção da sombra e até a cor da Lua.
Na antiga Babilônia, o ciclo de Saros era considerado um presságio de maus agouros, especialmente para os reis. Durante os eclipses, o governante temporariamente abdicava de seu posto para evitar más consequências, retornando ao poder após o evento.
Para alcançar tal precisão, o mecanismo incluía engrenagens menores e uma configuração de roda com 26 dentes e meio, que ajustava a velocidade do movimento lunar em função de sua órbita elíptica ao redor da Terra.
Como explica a BBC, a parte frontal do aparelho refletia o entendimento grego do cosmos, mostrando a Terra no centro e cinco planetas conhecidos orbitando ao seu redor, uma representação notável do pensamento astronômico da época.
Outra característica fascinante da Máquina de Anticítera era a previsão das datas dos Jogos Pan-Helênicos. Entre os quatro grandes festivais (Jogos Olímpicos, Píticos, Ístmicos e Nemeus), curiosamente, o destaque era dado aos Jogos Ístmicos, realizados em Corinto.
Isso levou os pesquisadores a especularem que o criador do mecanismo poderia ser coríntio, possivelmente alguém com ligações estreitas a Siracusa, uma colônia grega rica e conhecida pela tradição científica. Uma forte pista apontava para o nome de Arquimedes, o famoso matemático e engenheiro que viveu em Siracusa.
Reconhecido por suas contribuições à matemática e à física, Arquimedes teria sido um dos poucos capazes de projetar um aparato tão avançado.
Após a conquista de Siracusa pelos romanos, em 212 a.C., os tesouros da cidade foram levados a Roma. Sabe-se que o general Marco Cláudio Marcelo possuía duas invenções de Arquimedes, e estudiosos acreditam que uma delas pode ter sido uma versão anterior da Máquina de Anticítera.
Com a queda da civilização grega e, posteriormente, da romana, a tecnologia das engrenagens teria migrado para o Oriente, onde foi preservada e aprimorada por cientistas bizantinos e árabes, até ser reintroduzida na Europa.