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Matérias / Política

João Goulart impediu a execução de prisioneiros após a invasão da Baía dos Porcos, apontam documentos

O presidente teria agido como interceptor entre EUA e Cuba

Victória Gearini | @victoriagearini Publicado em 02/05/2021, às 09h00

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João Goulart em retrato fotográfico colorido - Getty Images
João Goulart em retrato fotográfico colorido - Getty Images

Na última quinta-feira, 29, o jornal O Globo repercutiu informações de um documento que indica que João Goulartteria atuado como mediador secreto entre Kennedye Fidel Castro. Segundo os arquivos divulgados pela imprensa, o então presidente dos EUA teria pedido ao governo brasileiro para intervir nas execuções de prisioneiros, após a invasão da Baía dos Porcos.

Conforme o jornal, os telegramas que comprovam a participação brasileira neste episódio foram revelados pelo National Security Archive — instituição de pesquisa relacionada à Universidade George Washington.

Conduzido pelo historiador norte-americano James Hershberg, os estudos apresentam arquivos inéditos do Itamaraty, do Departamento de Estado Americano e de Cuba. 

Relações internacionais 

Um ano após a tentativa de invasão da Baía dos Porcos, o presidente estadunidense, John F. Kennedy, pediu ao então líder político, João Goulart, que negociasse com o premier cubano, Fidel Castro, para intervir na execução de 1.200 prisioneiros envolvidos na fracassada operação.

Retrato de Fidel Castro / Crédito: Getty Images

De acordo com o historiador James Hershberg, o Brasil teria um papel crucial nas negociações entre ambas potências divergentes. A partir de análises de telegramas secretos, o especialista identificou que entre o final de março e o começo de abril de 1962, Havana se preparava para julgar 1.179 pessoas envolvidas no fatídico episódio. 

“Brasil desempenhava um papel especial — não apenas por seu tamanho e importância na América do Sul, mas porque seu líder, o presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de centro-esquerda, estava prestes a visitar os Estados Unidos para uma cúpula com presidente Kennedy no início de abril, e buscava obter ajuda econômica dos EUA — e, portanto, tinha um incentivo para fazer um favor a Washington”, disse James Hershberg, segundo a reportagem.

De acordo com as pesquisas, devido a posição geopolítica privilegiada do território brasileiro, João Goulart tinha relações amistosas com ambos países, favorecendo o Brasil nas negociações.

As negociações

Na noite de 23 de março de 1962, o Itamaraty comunicou à embaixada de Cuba, que o Brasil desejava o adiamento do julgamento por 30 dias. Quatro dias depois, o chanceler cubano Raúl Roa comunicou que o pedido deveria ser recusado, devido à gravidade do assunto. 

John Kennedy em sua mesa presidencial / Crédito: Getty Images

Poucos dias depois, o julgamento foi iniciado e o então presidente dos Estados Unidos demonstrou preocupação com o andar da situação.

“Além dos motivos humanitários para evitar a execução de prisioneiros, o presidente Kennedy se preocupa [com] o efeito exacerbante que a execução pode ter na opinião pública americana, [que vinha] ficando mais tranquila e menos emocional em relação a Cuba", disse o conselheiro de Kennedy, Richard Goodwin, em comunicado enviado ao Brasil.

Em abril daquele ano, João Goulart enviou uma carta ao presidente cubano Osvaldo Dorticós e ao premierFidel Castro, reforçando seu posicionamento perante o julgamento.

“Movido por sentimentos de solidariedade humana que unem todos os povos americanos, tomo a liberdade de dirigir a vossas excelências um apelo de todo o povo brasileiro para que a magnanimidade seja fator decisivo na condenação de pessoas presas na praia de Girón por ocasião de invasão a Cuba (...) Estou certo de que vossas excelências cuidarão desse assunto conduzido com a clemência que sempre caracteriza a atitude do vencedor para com o irmão derrotado”, dizia o texto, conforme divulgou O Globo.

Retrato de João Goulart / Crédito: Getty Images

Conforme as pesquisas da Universidade George Washington, os prisioneiros foram condenados à prisão. Contudo, graças aos esforços de Jango, não foram condenados à pena de morte. Cuba, por sua vez, declarou que em troca exigia dos EUA uma indenização de US$ 62 milhões, caso contrário, os prisioneiros deveriam ficar 30 anos atrás das grades. 

O desfecho 

Mais tarde, os prisioneiros foram libertados em troca de US$ 53 milhões em comida, remédios e outros utensílios humanitários. Contudo, o governo de Kennedy voltou a atacar o país, com o intuito de derrubar o regime cubano.

Já para James Hershberg, o papel do Brasil neste episódio foi crucial para as relações diplomáticas entre Cuba e EUA — embora alguns líderes norte-americanos desejassem que Jango rompesse relações com os comunistas.

“O Brasil pode ter desempenhado um papel importante na limitação do confronto entre EUA e Cuba em um momento perigoso, influenciando Fidel a salvaguardar e, eventualmente, libertar os prisioneiros da Baía dos Porcos (...) evitando assim um ato que poderia muito bem ter desencadeado uma crise e potencialmente uma intervenção militar dos EUA”, concluiu o especialista do artigo.


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