Em agosto de 2013, cinco pessoas foram assassinadas na mesma casa em um crime que chocou os brasileiros há 11 anos
Em agosto de 2013, o Brasil conheceu um dos crimes mais chocantes que já ocorreram no país. Na tarde do dia 5 daquele mês, a chacina da família Pesseghini gerou um sentimento nacional de puras indignação e injustiça.
Muitos defendem até hoje que o crime não foi cometido por um garoto de 13 anos. Por esse motivo, inclusive, o caso poderia ser levado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Tudo começou na tarde de 4 de agosto de 2013, quando a polícia foi chamada para investigar um assassinato, às 18h daquele dia. Segundo a denúncia, cinco pessoas da mesma família foram mortas na própria casa, em São Paulo.
Além de Benedita Oliveira Bovo, de 65 anos, e sua irmã, Bernardete Oliveira da Silva, de 55, um casal de policiais também foi encontrado sem vida, ao lado do filho de 13 anos. Eram a cabo da Polícia Militar Andreia Regina, o sargento da ROTA Luis Marcelo e o jovem Marcelo Eduardo.
Logo que chegaram na casa da família, por perto das 19h, os policiais perceberam que a cena do crime não estava em estado idôneo (preservado para os oficiais). Cerca de 200 pessoas entraram e analisaram o local naquele dia. No entanto, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) enfatizou que "evidentemente, não quer dizer que houve violação proposital da cena do crime", repercutiu o UOL.
Na série documental Investigação Criminal, o dr. Ermindo Lopes, perito-chefe do caso, explica por que não houve violação danosa. "Depende do que eu estou procurando no local. Veja só, se eu estivesse procurando pegadas, seria impossível, lá tinha muita gente. Se eu tivesse procurando dentro da residência impressões digitais, seria impossível, todo mundo estava mexendo lá. Inclusive, eu vou até explicar mais (...) Veja, os estojos do quarto, havia três estojos, encontram-se sobre uma estante, fora do quarto. Veja só, alguém poderia chegar e falar: 'Não está prejudicado o local?'. O local está prejudicado, mas a prova não. Porque o percussor, quando bate, ele deixa marca no estojo. Esse estojo pode estar em qualquer lugar que não é prejudicada a marca que está nele, que é diferente de uma pegada ou impressão digital. Repito, depende do que nós estamos procurando no local, aquilo pode ser prejudicial ou a prova que estou trabalhando não. A arma não, o estojo não, a bala que está no interior do cadáver não. Isso tudo aí está integro", disse o perito.
Pouco depois que as investigações do crime começaram, os profissionais já descartaram a teoria de que os assassinatos tenham sido algum tipo de ataque específico ao casal de policiais. Assim, nasceu a hipótese de um crime familiar.
Não demorou muito até que os dedos fossem apontados para Marcelo, o menino de 13 anos. Para os investigadores, o garoto matou toda a sua família e cometido suicídio logo em seguida. Assim, ele se tornou o principal suspeito.
A Polícia Civil deu o seguinte cenário: por volta das 12h do dia 4 de agosto de 2013, um domingo, o adolescente e os pais se dirigiram até um shopping e voltaram para residência, às 19h. No mesmo terreno, viviam Bernadete, avó do rapaz, e Benedita, tia-avó de Marcelo. No dia do crime, Marcelo telefonou para um colega e disse que mataria os pais. Ele teria questionado como seria fugir de casa, explica o R7.
Era por volta da 0h quando vizinhos escutaram disparos, que apresentaram segundos de intervalo. Aproximadamente dez minutos depois, outros três disparos, com intervalos semelhantes, foram escutados. Confundidos com barulhos emitidos por escapamento de moto, os tiros não chamaram atenção.
Em seguida, câmeras de segurança mostram Marcelo estacionando o veículo da mãe às 1h da madrugada da segunda-feira, num local próximo da escola. Os registros atestam que ele saiu do veículo às 6h, para comparecer às aulas. Também estava com uma mochila nas costas. Por volta das 12h, ao retornar para casa com uma carona do pai de um colega, Marcelo tirou a própria vida.
Como detalha a série documental 'Investigação Criminal', autoridades do caso comprovaram que Marcelo utilizou a arma da mãe durante o crime. Primeiro, ele disparou contra o pai. Com o acontecimento, a mãe foi checar o que aconteceu e acabou executada pelo filho. Depois, ele foi até a edícula e atirou na avó. Por fim, disparou duas vezes contra a tia-avó.
Quando as autoridades chegaram em casa, encontraram o pai de Marcelo de bruços. Já a mãe estava de joelhos sobre o colchão. A avó e tia-avó do rapaz estavam deitadas na cama e cobertas. Já o adolescente se encontrava sobre a arma do crime e a segurava com a mão esquerda. "Se fosse crime comum, as vítimas seriam acordadas. Teria acontecido, briga, e não foi isso que se evidenciou", destacou na época o delegado Itagiba Franco, responsável pelo caso.
A medida que as investigações avançavam, as autoridades do caso descobriram que o rapaz tinha fibrose cística. Doença degenerativa, não tem cura e também não permite com que o indivíduo viva por muito tempo. Vale ressaltar que Neiva Damaceno, médica de Marcelinho, como era conhecido, alegou que a condição não resultava em alterações ou limitações em seu comportamento.
A fim de analisar a saúde mental do garoto, então, exames psicológicos póstumos foram realizados. Guido Palomba, psiquiatra contratado para traçar o perfil psicológico do rapaz, comprovou que Marcelo tinha uma doença conhecida como encefalopatia encapsulada ou sistematizada.
O laudo registra que o adolescente passou por uma complicação num procedimento hospitalar aos 2 anos. Ele ficou sem oxigênio no cérebro por um momento e sofreu uma lesão hospitalar. Depois, sofreu a encefalopatia e começou a viver com delírios.
A doença se origina através da falta de oxigenação do cérebro. O psiquiatra explica que a enfermidade gerou um cenário pré-disposto para que Marcelo desenvolvesse o delírio encapsulado ou sistematizado que resultou na chacina, ao confundir a ficção com a realidade.
"(...) Isso [a doença] acabou dando um território pré-disposto para que depois ele tivesse desenvolvido esse delírio encapsulado ou sistematizado que levou ele a cometer esse delito, mas é uma conjuntura, uma série de fatores nos quais há circunstâncias nas quais ele vivia, nas quais ele estava inserido e foram elas que contribuíram", explicou Palomba ao R7.
Tendo pais policiais, o rapaz sempre teve contato com assuntos voltados à violência. As investigações mostraram que Marcelo aprendeu a atirar ainda criança. "Ele também aprendeu a atirar muito cedo, participava de jogos e isso foi formando o núcleo mórbido delirante dele, porque em cima dessa encefalopatia, que é o comprometimento cerebral, se desenvolveu um delírio sistematizado. É nele que estavam as ideias delirantes para matar os pais e se tornar um assassino justiceiro errante. Essas ideias delirantes e graves muitas pessoas souberam. O único problema é que as únicas pessoas que souberam eram da idade dele e ninguém deu trela a isso, ninguém contou aos adultos. Se tivesse contado, talvez alguém tivesse percebido, conversado e naturalmente poderia ter tido um outro desfecho", explicou o psiquiatra ao R7.
O laudo aponta que Marcelo, ao confundir o real e imaginário, quis se tornar justiceiro. Em seu grupo imaginário, que tinha assassinos de aluguel, ele passou a usar um capuz, inspirado por um jogo de videogame. Assim, precisaria eliminar 'obstáculos' para atingir o sonho de se tornar justiceiro.
O delegado Itagiba Franco disse em 2013 que um amigo do Marcelo, em depoimento, alegou que o jovem manifestou o desejo de fugir de casa para ser matador de aluguel.
"Esse amigo (do Marcelo) nos disse hoje: 'desejo manifestado pelo Marcelo: ele sempre me chamou para fugir de casa para ser um matador de aluguel. Ele tinha o plano de matar os pais durante a noite, quando ninguém soubesse, e fugir com o carro dos pais e morar em um local abandonado'", disse Itagiba ao G1.
Ao mesmo tempo, as autoridades também mostram que uma das professoras do jovem disse aos investigadores que Marcelo questionou "se ela sabia dirigir quando era criança" e "se havia atingido de alguma forma os pais".
Outro depoimento de uma professora do adolescente menciona que colegas de sala e outros funcionários reclamaram de se seu comportamento: "(...) No sentido de que MARCELO ameaçava de morte seus colegas de sala; Além de advertir verbalmente MARCELO também levou ao conhecimento de ANDREIA, mãe dele, a qual lhe falou que ele também brincava dessa forma em casa", diz o trecho do depoimento.
Na época do caso, muitos jornais apontaram o gosto de Marcelo pelo videogame Assassin´s Creed, citado pelo psiquiatra no laudo médico. Tamanha foi a repercussão, que a empresa desenvolvedora do jogo até publicou uma nota, afirmando que sua produção nada tinha a ver com o assassinato, já que ela não incitava violência.
Em meados de outubro, a Polícia Civil, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo concluíram que o Marcelo teria sido o responsável pelo crime. A Polícia Militar (PM), por sua vez, seguiu investigando o caso.
Ultrapassando a repercussão nacional, os assassinatos tomaram conta da mídia internacional. Veículos como os britânicos Daily Mail e Daily Mirror e o espanhol Telecinco criticavam o fato de que, na época da chacina, a mãe de Marcelo estava movendo uma denúncia contra corrupção. As reportagens sugeriram a teoria de queima de arquivo.
Acontece que, segundo o deputado estadual Major Olímpio, “a cabo Andreia foi convidada por colegas para participar do furto de caixas eletrônicos", conforme repercutido pelo G1 em 2013. Após ter recusado a oferta indecorosa, ela passou a denunciar o esquema de corrupção dentro da PM.
O caso de crime familiar logo se tornou alvo de teorias. Ainda que não houvesse registros de que Andreia estava sendo ameaçada, as pessoas começaram a duvidar da polícia. No entanto, um depoimento de um policial militar explica que "Pelo que sabe o SGTO PERSEGHINI [grafia incorreta] não tinha inimigos e não estava sofrendo nenhuma ameaça. Caso ele tivesse sofrido qualquer ameaça, fatalmente lhe contaria", mostra a série documental Investigação Criminal. Além disso, também foi registrado em depoimento que "Quanto a Andreia, já ouviu boatos no sentido de que ela estaria sofrendo ameaças, porém não sabe de mais detalhes, tampouco de quem ouviu tais boatos, já que eram boatos generalizados, o que o impede de dizer se tais ameaças de fato ocorreram".
Na série documental, as autoridades também explicam que, na época dos crimes, as imagens amplamente divulgadas mostravam Marcelo mais jovem e consequentemente com uma imagem inocente, o que intensificou a teoria de que ele seria incapaz de matar os pais.
Como se, para muitos, já não fosse suficiente a ideia de um crime de vingança, apontamentos surgiram, sugerindo que Marcelo realmente não cometeu os crimes. Análises mostraram que o menino não tinha pólvora nas mãos, conforme repercutido pela Folha de S.Paulo em 2013. No entanto, a polícia explicou que o fato de não existir tais vestígios se deve ao fato da pistola.40, usada no crime, não deixar marcas.
Um laudo feito pelo médico-legista George Sanguinetti sugeriu que as marcas na mão esquerda, como repercutido pelo UOL, indicariam que Marcelo teria lutado em legítima defesa antes de ser morto, argumento defendido pela defesa da família das vítimas. Entretanto, o laudo do IML não menciona sinais de defesa. Em 2013, ao Gauchazh, o médico legista disse que "A posição do corpo é incompatível com a hipótese de que ele tenha atirado em si mesmo".
"A configuração dos braços e o jeito como o corpo caiu não são encontrados em casos de suicídio. Ele não foi o autor do tiro, com certeza. Outros detalhes chamam a atenção. O menino toca só levemente na arma, enquanto nos suicídios a arma fica fixa na mão. Além disso, a mão esquerda - e o menino é canhoto - apresenta uma ferida recente no pulso, que não foi explicada. Na palma da mão, há evidência de que ele antepôs alguma defesa, de que tentou uma reação. Não tenho dúvida de que a cena foi montada. Ela não é natural. Houve manuseio do corpo", disse ele.
Na época, o DHPP emitiu um comunicado: "O DHPP trabalha com laudos oficiais. Esse não é um laudo oficial", destacou a assessoria. "Qualquer um pode elaborar um laudo, mas os laudos que valem são os dos [peritos] que frequentaram o local do crime".
Após o fechamento do caso, diversos pedidos de reabertura foram protocolados, apontando 'provas' de que a solução estavam equivocadas. Nenhum deles foi aceito pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal.
“É lógico que não foi meu neto”, disse Maria José Uliana Pesseghini, avó paterna, ao G1 em 2018. “(...) Choro muito ainda. Ele jamais iria fazer isso com a mãe dele, o pai dele e os avós”.
Indignada, a família das vítimas queria levar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), nos Estados Unidos, em 2018. Caso o pedido seja aceito pelo órgão, uma nova comissão será enviada ao Brasil, com o objetivo de investigar a chacina dos Pesseghini.
*Matéria atualizada em janeiro de 2024 com mais informações sobre a investigação;