O lar de uma órfã virou seu manicômio e prisão pela vida toda
Uma construção histórica no bairro do Bixiga, em São Paulo, já foi cenário de uma história de horror, que faz lembrar o roteiro do filme O Iluminado: uma mulher viveu sozinha ali, da infância até a morte. Não à toa, o casarão ganhou fama de assombrado, inspirando lendas e apavorando as crianças da rua. Virou a Casa de Dona Yayá, a prisão domiciliar de uma órfã de destino trágico.
Residência por onde passaram clãs importantes do passado paulistano, a casa teve como últimos moradores a tradicional família Melo Freire: o político e fazendeiro Manuel de Almeida Melo Freire, vindo de Mogi das Cruzes, se mudou para lá em 1921 com a esposa e os quatro filhos. E não demorou para que desgraças em série acontecessem sob aquele teto.
A pequena Sebastiana era uma das filhas de Manuel, conhecida por todos como Yayá. Num espaço curto de tempo, essa criança teve a infância marcada por perdas terríveis. Uma irmã morreu asfixiada com apenas 3 aninhos. Pouco depois, aos 13, outra irmã perderia a vida para o tétano.
E não demorou para que Yayá logo perdesse também os pais, restando-lhe apenas o irmão mais velho. Mas ele se formou advogado e não perdeu tempo: deixou aquele lar malfadado e abandonou a menina. Então, ainda menor de idade, apesar de rica por herança, Yayá ficou sozinha na imensidão daquela casa – aos cuidados apenas de empregados e tutores.
O isolamento não fez bem à cabeça da órfã. Já aos 31 anos, Yayá perdeu o controle sobre a própria vida ao ser considerada fora de suas faculdades mentais. Sim, uma louca aprisionada, sozinha, numa mansão deserta. O cenário perfeito para que a pecha de casa assombrada pegasse. E os detalhes escabrosos ajudaram.
Com a interdição de Yayá, o casarão virou o manicômio de uma paciente exclusiva. As janelas só podiam ser abertas pelo lado de fora e a comida chegava através de um buraco na parede. Dona Yayá não pôde ver a luz do dia até seus 65 anos, quando finalmente foi construído um solário para ela.
Sebastiana de Melo Freire, a mulher mais solitária e infeliz de São Paulo, morreu aos 74 anos, em 1961, de insuficiência cardíaca. Sem filhos ou parentes, teve sua herança transferida para a Universidade de São Paulo. A casa? Ela permaneceu lá, inabitada até 1991, quando passou por uma reforma. Hoje é sede do Centro de Preservação Cultural da USP.