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Matérias / Dolní Věstonice

Dolní Věstonice: a curiosa "Pompeia da Idade da Pedra"

Situado próximo à atual fronteira sul da República Tcheca, Dolní Věstonice conta com um acervo excepcional de artefatos; entenda

Felipe Sales Gomes, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 23/03/2025, às 18h00

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Processo de restauração da escultura com o 'retrato mais antigo do mundo' - Reprodução/Wikimedia Commons
Processo de restauração da escultura com o 'retrato mais antigo do mundo' - Reprodução/Wikimedia Commons

Um pequeno pedaço de marfim de mamute, esculpido há cerca de 26 mil anos, representa o mais antigo retrato humano conhecido. A escultura foi descoberta no sítio arqueológico Dolní Věstonice, na República Tcheca, na década de 1920. Com apenas 4,8 cm de altura, a peça é um marco na história da arte e da humanidade.

A escultura retrata o rosto de uma pessoa com traços faciais detalhados: olhos marcados, o esquerdo menor que o direito, covinhas no queixo. Na cabeça, o cabelo pode estar em um penteado para o alto ou sob um chapéu.

Essas características apontam que se trata de um retrato de uma pessoa específica, e não uma figura genérica como outras encontradas no local.

Sítio Arqueológico

O local onde a escultura foi encontrada, Dolní Věstonice, é conhecido como a “Pompeia da Idade da Pedra”. Situado próximo à atual fronteira sul da República Tcheca, o local guarda um acervo excepcional de artefatos, incluindo ferramentas, cerâmicas e sepultamentos.

Vênus de Dolní Vestonice - Reprodução/Wikimedia Commons

Outro achado famoso do mesmo sítio é a Vênus de Dolní Věstonice, uma estatueta de cerâmica de 11 centímetros. Ela não é um retrato: sem características individuais, segue o padrão de outras figuras de Vênus do Paleolítico, com ênfase em seios, barriga e quadris grandes, possivelmente símbolos de fertilidade, e detalhes mínimos na cabeça e corpo.

Uma tomografia em 2004 identificou a impressão digital de uma criança de 7 a 15 anos que manuseou a peça antes de ser assada. 

A cabeça de marfim, com outros artefatos do mesmo sítio, permite hipóteses intrigantes.

Função na sociedade

Os pesquisadores acreditam que a mulher retratada poderia ser uma anciã de importância social e possivelmente uma líder espiritual.

Isso porque um dos sepultamentos mais notáveis de Dolní Věstonice é o de uma mulher que tinha entre 36 e 45 anos, encontrado em 1949. Seu esqueleto estava coberto por ocre vermelho e rodeado por dentes de raposa e uma escápula de mamute.

Este não é um sepultamento padrão: pesquisadores acreditam que ela tenha ocupado uma posição de destaque em sua sociedade.

Características Físicas

Logo quando encontraram o crânio, já foi possível notar grandes lesões cicatrizadas na face. A cicatrização indica que esses danos ao crânio não foram causados após a morte, e que provavelmente a mulher viveu muitos anos com deformidades ósseas.

Em 2018, uma reconstrução facial com base no crânio confirmou que a mulher tinha uma grande assimetria facial, fazendo com que seu lado esquerdo do rosto fosse significativamente menor do que o lado direito. Foi o suficiente para reforçar antigas teorias de que se tratava da mesma pessoa retratada no marfim.

Liderança

Hoje, com a nossa expectativa de vida mais longeva, é difícil imaginar uma mulher de 40 anos como uma anciã. Mas, no Paleolítico, a expectativa de vida ficava entre 30 e 35 anos.

As mudanças do período colaboraram para o avanço lento da longevidade, em razão de avanços em dietas mais variadas, técnicas de caça e coleta e uma organização social mais estruturada.

Como uma pessoa mais velha, que já poderia ser avó, ela poderia ser responsável por transmitir conhecimentos e cuidar dos mais novos. Em algumas culturas, anciões, com sua rara longevidade e rico conhecimento, ocupam papéis centrais. 

Outra possibilidade é que a mulher fosse considerada um xamã, já que outros estudos apontam que pessoas com deformidades físicas ou traços únicos eram frequentemente associadas a poderes sobrenaturais em muitas culturas pré-históricas.

Atualmente, muitos dos artefatos de Dolní Věstonice, incluindo a escultura de marfim, estão em exposição no Anthropos Pavilion, um museu em Brno, na República Tcheca.