Recorrentes em diversos momentos da humanidade, essas doenças foram responsáveis pela dizimação de milhões de pessoas
O homem é um exemplo de superação nas linhas evolutivas. Não éramos fisicamente dominadores nem estávamos no topo das cadeias alimentares. Éramos caçadores, mas presa fácil também. A evolução do nosso cérebro, as capacidades intelectuais e de cognição deram-nos a vantagem.
Durante milénios, feitos de avanços e retrocessos, a espécie humana prosperou e ocupou os quatro cantos do planeta. A uma capacidade adaptativa gigante juntou-se a sobrevivência assente na coesão de grupo. Há cerca de 10 mil anos começam a aparecer as primeiras sociedades sedentárias possíveis pela domesticação, embora insipiente, de plantas e animais.
Aqui, neste preciso momento, o homem assinava com o destino. Populações crescentes e fixas num local, convivência diária com os animais domesticados e todos os parasitas a eles associados, formaram as condições perfeitas para as primeiras epidemias.
A história da humanidade será agora marcada por episódios epidêmicos e pandêmicos que dizimaram milhões de pessoas. Estas epidemias podem ser equiparadas a grandes guerras no que toca a perdas humanas e materiais e, a sua existência, teve a capacidade de mudar o rumo da história.
Entrando no século 4, entre os anos de 527 e 565, o imperador Justiniano tem o domínio do império bizantino. A peste bubônica assola o império e trespassa as suas fronteiras. Mata entre 30 a 50 milhões de pessoas, provavelmente metade da população mundial à época. Esta epidemia marca um fim de uma época.
O império romano nunca mais será unificado: é o início da era negra da época medieval. Séculos mais tarde, mais precisamente entre 1343 e 1351 — auge —, outro surto de peste bubónica varre a Ásia e Europa matando cerca de 80 milhões de pessoas. Esta epidemia é vastamente conhecida como a famosa peste negra. Esta peste foi tão avassaladora que a Europa precisou de cerca de 200 anos para restabelecer os seus níveis populacionais.
No entanto, ocorreram mudanças sociais e culturais importantes como produto desta devastadora epidemia. Com um número tão elevado de mortes, o nível de vida dos sobreviventes subiu efetivamente. Havia mais postos de trabalho disponíveis, mais habitação disponível, mais terra para cultivo, mas menos bocas para alimentar.
A nível religioso a igreja católica enfrenta uma vaga crescente de misticismo que desafia as suas doutrinas. Algumas minorias, como os judeus por exemplo, começam a ser perseguidos e acusados de serem os causadores da peste que se crê ter tido início na China.
No século 15, os europeus, aquando das conquistas em territórios americanos, levavam dentro de si a arma mais letal de todas. Foram hospedeiros de vírus mortais para as populações locais, entre os quais, a gripe, sarampo, malária, cólera, tifo, peste bubônica e, o mais mortífero de todos, a varíola.
A varíola foi responsável pela morte de milhões de nativos americanos, sendo que, em cem anos, a sua população passou de 60 milhões para cerca de 6 milhões.
O impacto foi tão grande que há cientistas que estudam a possibilidade de ter existido uma alteração climática por conta desta ocorrência. Além de menos emissões de CO2 e da floresta ter crescido exponencialmente, coincidentemente o sol entrava numa fase de baixa atividade levando a uma queda na temperatura mundial. Desta vez, a Europa pagou a fatura e viveu tempos de fome, pois a alteração na temperatura fez perder muitas colheitas.
Já no século 19 temos uma pandemia de cólera. Entre os anos de 1817 e 1823, com início de foco na Índia, a enfermidade dizima milhões de pessoas. Dessa data, até 1961, existiram um total de sete epidemias de cólera. Este vírus continua ativo, infeta milhares de pessoas todos os meses e é responsável por até 140.000 mortes anualmente.
Já no século 20, em 1918, após a Primeira Guerra Mundial, aparece a mais conhecida entre elas: a gripe espanhola. Esta pandemia de H1N1 infectou cerca de 500 milhões de pessoas e matou por volta de 50 milhões — globalmente.
Como já foi referido, esta epidemia ocorre no final da primeira grande guerra e as condições para a travar eram quase nulas. No entanto, o esforço para compreender e tratar pandemias começa a aparecer, tendo forte impacto no melhoramento dos sistemas públicos de saúde. Não esquecendo que há vírus ativos que todos os anos matam milhões. Dos melhores exemplos, temos o HIV ou a malária.
O surto de covid-19, que vivemos na atualidade, não é algo novo na humanidade, faz antes parte dos nossos ciclos. Contudo, mesmo com toda a tecnologia disponível, compreendemos que podemos falhar, que não conseguimos salvar todos ou travar a epidemia com a eficácia com que gostaríamos.
Joana Freitas é formada em história na vertente de arqueologia pela faculdade de letras da Universidade do Porto e tem por áreas de maior interesse a evolução humana e a pré-história. Fora do campo de formação tem como disciplinas preferidas a antropologia e a paleontologia que no fundo complementam a sua formação de base.
Gosta de conhecer outros lugares, principalmente as suas gentes, ler e escrever. Embora tenha participado em diversas escavações de vários períodos históricos de diversos países, o local arqueológico que mais marcou o seu percurso e onde esteve presente em várias campanhas diferentes foi castanheiro do vento, um recinto pré histórico em Vila Nova de foz Côa, em Portugal.
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