Até a década de 20, bonito era ser pálido. Por influência da estilista Coco Chanel, o bronzeado passou a ser valorizado
Vamos falar de bronze. Não dos que ganhamos normalmente nas Olimpíadas. Mas o da pigmentação que se tornou moda. Como deixamos para trás a brancura do mármore, tornando-nos morenas-douradas? Que fim teve as heroínas de romance, brancas como neve, ou os cosméticos que, no máximo, tornavam as bochechas rosadas? Desde quando é moda se torrar ao sol, ou sob câmaras artificiais? As modas também têm história. E antes dos dermatologistas começarem a apontar o bronze como uma das causas de câncer de pele, ele operou uma revolução nos cânones da beleza pigmentar.
Tudo começou no pós-guerra, em 1925, com Coco Chanel. Depois de passar férias na Riviera, no iate do Duque de Wellington, ela lançou a moda do rosto queimado. Só o rosto, pois ela tomava sol... de luvas! Os produtos começaram a pipocar. Em 1927, o Huile de Chaldée, ou óleo de Caldeia, de Jean Patou. Em 1935, o Ambre Solaire, da L"Oréal, avós dos atuais bronzeadores.
Enquanto a revista Vogue criticava a prática de algumas "excêntricas" que depois do banho de mar se esticavam na areia para "um banho de Sol que lhes deixava a pele como couro curtido", Chanel e Patou se deram as mãos para investir na descontração chique. Ela, lançando as calças compridas. Ele, como o pioneiro da moda esportiva, usando, inclusive, uma campeã de tênis para ser manequim de seus modelos: saias plissadas e cardigan-casaquinho. Com esse guarda-roupa, braços e pernas ficavam de fora, enquanto se multiplicavam as golfistas, tenistas e esquiadoras que aderiam sem resistência à invenção do bronzeamento.
Na mesma época, multiplicaram-se as clínicas de helioterapia, apostando nos poderes bactericidas do Sol, enquanto o arquiteto Le Corbusier justificava as aberturas para o Sol nas casas que projetava como um remédio para a tuberculose. Começam a surgir, também, os primeiros campos naturistas, em nome de corpos tão nus quanto bronzeados.
Mil novecentos e quarenta e cinco foi o ano de criação da revista de moda francesa Elle. Pela primeira vez, não se publicaram anúncios de cremes clareadores. Ao contrário. O público feminino era bombardeado por produtos que prometiam uma cor dourada, recursos, então, inéditos ao bronzeamento artificial, e um alerta: “Não deixe sua cor de férias ir embora!”. A pele morena se tornou sinônimo de beleza, enterrando, definitivamente, a tez cor-de-rosa das décadas anteriores. Mas também se tornou sinônimo de gente rica, que podia tirar férias.
De corpos livres dos horários de trabalho, em contato com a natureza. Daí os cremes e óleos remeterem sempre às cores que se ganhavam nos longínquos Mares do Sul: Taiti e Havaí, espaços de mitos polinésios. A química e a dermatologia, amparadas em estratégias comerciais, propunham “cuidados”, e os EUA lançam em 1944 o creme Coppertone. Lá, o cobre ocupou o lugar do bronze. Nasciam os cremes que filtravam e bronzeavam e expressões do tipo, “bronzear sem queimar”. As campanhas publicitárias fizeram o resto. Em 1946, o biquíni começou a se democratizar e o “duas-peças” enchia as páginas da moda verão. Na contramão, os médicos alertavam contra o "exibicionismo solar" e os moralistas, contra as indecências, inclusive a do monoquíni, lançado em 1964.
Se nos anos 30 o bronzeamento apareceu como uma prática de pequenos grupos de elite, criando um signo de distinção, ele rapidamente se democratizou. A mundialização do turismo e a multiplicação de destinos "ensolarados" aumentou a tribo dos queimados do sol. Mas ao longo das décadas, num mundo globalizado e, sobretudo, mestiço, caiu a moda dos brancos que pigmentavam suas peles como uma forma de distinção social. Os avanços da medicina fizeram o resto. Hoje, todo o cuidado é pouco. Bronzeamento começou a rimar com câncer de pele. Boa razão para fugir dele.
Por Mary Del Priore - Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.