Identidade do bebê com menos de um ano usado como cobaia humana gera debate até os dias atuais. Afinal, que era o pequeno Albert?
Publicado em 29/04/2023, às 00h00 - Atualizado em 04/05/2023, às 12h07
Em 1919, John B. Watson, membro da Universidade Johns Hopkins e fundador do behaviorismo, ao lado da estudante de pós-graduação Rosalie Rayner, que no futuro se tornaria sua esposa, realizou um experimento perturbador com uma criança de pouco menos de um ano de idade.
O pequeno Albert, como a cobaia humana foi chamada, passou por um experimento chamado por Watson de 'fobia instalada por condicionamento'; ou seja, o pesquisador queria demonstrar que poderia condicionar certos medos e fobias numa pessoa emocionalmente estável e saudável.
+ Cobaia humana: O duro experimento do pequeno Albert
Ultrapassando a discussão ética, a pesquisa ainda hoje instiga enorme polêmica. Além disso, a identidade do pequeno Albert ainda é alvo de discussões dentro da comunidade científica. Afinal, quem poderia ser o jovem que serviu de cobaia humana?
Embora John B. Watson jamais tenha revelado a identidade do pequeno Albert, muitos pesquisadores tentaram encontrar a cobaia humana ao longo dos anos. Hall Beck, da Appalachian State University, em Boone, Carolina do Norte, foi um dos pesquisadores mais tenazes do caso.
Segundo as anotações de Watson, Albert era o filho de uma ama de leite que trabalhava no hospital. Beck, por sua vez, passou sete anos estudando todas as possibilidades e estudando candidatos em potencial e até mesmo fazendo uma análise facial neles.
Em 2009, Hall Beck publicou um estudo no The American Psychologist concluindo que o pequeno Albert se tratava de Douglas Merritte, filho de uma funcionária do hospital chamada Arvilla.
Douglas nasceu no mesmo dia que o pequeno Albert. Segundo o New Scientist, outros pontos coincidem entre Douglas e as anotações de Watson. Entretanto, um fato trágico foi relatado sobre a suposta identidade da cobaia.
Merritte sofreu de graves problemas neurológicos e morreu ainda em terna idade em decorrência de água no cérebro. De acordo com seus registros médicos, a enfermidade causou no jovem certos problemas de visão, tanto que ele chegou a ser considerado cego.
Outro ponto que chama a atenção é que Beck e seus colegas reanalisaram imagens de vídeo granuladas dos experimentos de Watson. Com isso, afirmam que o pequeno Albert mostra déficits comportamentais que eram “anormais” — o que incluía um desinteresse incomum pelos animais quando foi inicialmente apresentado a eles e algum tipo de problema de percepção.
Hall também consultou dois médicos especialistas que sugeriram que o pequeno Albert apresentava sinais de danos neurológicos que se encaixavam nos registros médicos de Merritte — o que foi descoberto posteriormente.
Eis que surte uma grande questão: John Watson poderia saber sobre isso e mentiu ao dizer que havia escolhido o pequeno Albert porque era um bebê saudável e psicologicamente estável?
O significado da revelação de Beck indicava que a escala e a natureza das práticas duvidosas do pesquisador eram muito maiores do que se supunha anteriormente", diz Alex Haslam, psicólogo da Universidade de Exeter, Reino Unido.
Apesar dos indícios, nem todos se convenceram da proposta de Hall Beck. "Quando Beck afirmou ter descoberto o pequeno Albert, fiquei muito empolgado", disse Russ Powell, da MacEwan University, em Alberta, Canadá, "mas depois comecei a encontrar inconsistências".
Powell e seus colegas decidiram investigar o caso e, em 2014, publicaram um artigo na American Psychological Association se concentrando no filho de outra mulher que trabalhava no hospital.
A adolescente Pearl Barger que, segundo o grupo, foi descartada após não encontrarem evidências de que ela teve um filho, havia dado à luz no período condizente com o nascimento do pequeno Albert.
Analisando uma nova documentação genealógica, Powell descobriu que Pearl Barger era conhecida também como Pearl Martin. Um censo dos EUA revelou, posteriormente, que Pearl Martin teve três filhos com o marido — sendo um deles em 1919, portanto, antes deles se casarem. O nome dessa criança é William Albert Barger, mas os registros do hospital mostraram que ele usava o nome do meio.
Albert B.", aponta Powell, "tudo se encaixou."
A equipe ainda argumenta que existem consistências mais significativas entre Albert Barger e o pequeno Albert do que entre Douglas Merritte e a criança. Embora os dois meninos tenham nascido no mesmo dia que o pequeno Albert, Barger estava muito mais próximo em peso e deixou o hospital exatamente na mesma idade.
Em relação ao suposto comprometimento neurológico visto nos vídeo, Powell procurou um conselho de pesquisadores familiarizados com o comportamento infantil. Assim, argumenta que o comportamento da criança, ao primeiro encontro com os animais, não era de fato anormal, mas consistente com a pesquisa anterior de Watson, que mostrou que a maioria das crianças não tem medo de animais que nunca viram antes.
Ele também aponta que o pequeno Albert agarra uma pequena bola de gude em um vídeo, o que não corresponde aos problemas de deficiência visual observados nos registros médicos de Merritte. Sendo assim, Watson havia realmente testado uma criança saudável e estável, conforme alegado.
Em contrapartida, Alan Fridlund, da Universidade de Santa Bárbara, que trabalhou com Hall Beck em seu artigo, defende a descoberta original. "Procuramos dois especialistas clínicos para ver Albert no filme", diz Fridlund.
Alan também argumenta que o peso corporal não tem sentido quando a estatura não é considerada e que a baixa estatura do pequeno Albert é consistente com a de alguém com hidrocefalia. Fridlund aponta que Powell e seus colegas cometeram vários erros em sua interpretação médica.
Sem o conselho de especialistas externos, eles foram vítimas de um franco viés de confirmação", rebate.
Mas o que aconteceu com Albert Barger? Segundo repercute a New Scientist, ele morreu em 2007, após uma vida longa e feliz, conforme descreveu sua sobrinha. Entretanto, a família jamais teve ideia de que poderia ser o pequeno Albert. Sua mãe também havia escondido o fato dele ter nascido fora do casamento.
A familiar ainda o descreveu como uma pessoa intelectualmente curiosa que ficaria emocionada ao saber que havia participado desse tipo de experimento.
Um fato curioso é que Albert Barger tinha certa aversão por animais. Tanto é que os cães da família tinham que ser mantidos em uma sala separada toda vez que realizava uma visita. Entretanto, a mulher aponta que isso pode ser consequência de um trauma ocorrido na vez que ele testemunhou um cachorro morto em um acidente.
"Nunca poderemos confirmar nem negar a possibilidade de que sua aversão aos animais possa ser, até certo ponto, os efeitos prolongados do procedimento de condição", disse Powell. "Talvez um resultado adequadamente ambíguo para um experimento mal projetado realizado há quase um século."
Mas, acrescenta ele, se Barger foi de fato o pequeno Albert, isso sugere que a afirmação de John Watson, de que seus experimentos causariam relativamente pouco dano a longo prazo, era, felizmente, correta.