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Matérias / Getúlio Vargas

70 anos após sua morte, qual legado Getúlio Vargas deixou?

O legado de Getúlio Vargas é marcante, com contribuições que moldaram profundamente a história brasileira, mas também envolto em controvérsias

Luiza Lopes Publicado em 24/08/2024, às 10h00

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Getúlio Vargas - Getty Images
Getúlio Vargas - Getty Images

Setenta anos após sua morte, Getúlio Vargas (1882-1954) permanece uma figura complexa e ambígua. Seu legado é marcante, com contribuições que moldaram profundamente a história brasileira, mas também é envolto em controvérsias e críticas.

Durante os períodos em que esteve no poder, Vargas implementou uma série de reformas que tiveram impacto duradouro.

“Todo mundo que fala sobre Vargas lembra imediatamente das leis trabalhistas. Talvez essa seja a conexão mais forte e que permanece na mente das pessoas hoje em dia”, explica Thiago Cavaliere, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), à Aventuras na História.

A criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1º de maio de 1943, que estabeleceu direitos trabalhistas e regulamentou as relações de trabalho, influencia até hoje as políticas de emprego. 

Além disso, segundo o historiador, “o governo promoveu a industrialização do país através da criação de estatais estratégicas como a Indústria de Base nacional, a Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Petrobrás e a Eletrobrás (essa última teve o projeto desenvolvido no governo dele, mas foi criada no governo Jango)”.

Nacionalismo econômico

A política de nacionalismo econômico que Vargas implantou visava reduzir a dependência do Brasil em relação a produtos e capitais estrangeiros, estabelecendo uma base econômica mais autônoma. 

“O estilo político e administrativo dele deixou um legado muito assimilado por governos e lideranças políticas posteriores. Podemos dizer que o varguismo reformou e reforçou o Estado nacional brasileiro, reposicionando as oligarquias regionais no jogo político nacional. No campo econômico, mesmo a ditadura militar imposta em 1964, que era antivarguista em princípio, manteve elementos do nacional-estatismo e da intervenção na economia para fins de industrialização do país, influências de Vargas”, afirma Marcos Napolitano, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), à Aventuras na História. 

Ele complementa que há certos traços ainda fortes na política brasileira que remetem a Vargas: “Por exemplo, a tendência a acomodar interesses ideológicos diversos dentro do governo, de usar o Estado nacional como regulador da política e da economia e como tutor dos direitos sociais”.

Trabalhismo

Os historiadores entendem que existem paralelos entre Vargas e outros líderes, como o peronismo na Argentina, que surgiu, mais ou menos, na mesma época e compartilha muitos aspectos com o trabalhismo.

“O trabalhismo pode ser resumido como um programa de desenvolvimento capitalista nacional, sem ser uma ruptura ou revolução, mas sim um projeto de desenvolvimento dentro dos marcos do capitalismo. Esse projeto visa uma maior autonomia nacional, considerando o mercado interno e o trabalhador como elementos dinamizadores do desenvolvimento econômico”, explica Fernando Sarti, doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), à Aventuras na História. 

Apesar de não haver uma memória varguista muito forte entre as massas populares ao contrário do peronismo na Argentina, conforme aponta Napolitano, a tradição trabalhista inaugurada por Vargas acabou sendo incorporada ao decorrer das décadas.

“Embora alguns trabalhistas possam discordar, o PT [Partido dos Trabalhadores], no governo, herda essa perspectiva. A figura de Vargas, no entanto, não tem mais o mesmo poder de aglutinação. A ditadura contribuiu para apagar esse passado e desarmar a força política do trabalhismo e do varguismo no Brasil. O surgimento do PT também ofuscou a figura de Vargas, transformando-se em uma nova referência”, destaca Sarti.

Ele acrescenta que hoje, a perspectiva comum sobre Vargas é mais negativa, “devido à hegemonia da visão liberal de desenvolvimento no Brasil”.

“Essa visão considera qualquer intervenção econômica como populismo e corrupção, defendendo que o Estado não deve induzir crescimento e que a vocação natural do país é a produção agrária. Portanto, a opinião pública brasileira tende a rejeitar a figura de Vargas”, avalia.

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Getúlio Vargas durante evento de inauguração da Petrobras com as mãos sujas de petróleo / Crédito: Divulgação/Petrobras

Repressão e censura

O Estado Novo, regime autoritário que vigorou entre 1937 e 1945, é frequentemente criticado por sua repressão política e censura. Durante esse período, Vargas centralizou o poder, suprimiu opositores e limitou as liberdades civis, deixando um legado controverso em termos de direitos democráticos.

Ele utilizou amplamente os órgãos de segurança, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), para controlar a informação e moldar a opinião pública.

Além disso, o governo perseguiu adversários políticos, sindicalistas e intelectuais que se opunham ao regime. O aparato repressivo incluía prisões arbitrárias, tortura e, em casos extremos, desaparecimentos.

Quando falamos publicamente sobre Vargas, a reação das pessoas não tem meio termo: parte o chama de ‘fascista’ ou ‘ditador’, parte chama de ‘o melhor presidente que o Brasil já teve’", diz Cavaliere

Eleições

Para Cavaliere, Vargas também deixou um legado notável para as eleições, uma vez que no período dele surgiu a Justiça Eleitoral, o voto secreto e o voto feminino.

Em 1932, com a publicação do Código Eleitoral, foram introduzidas medidas significativas como a criação da Justiça Eleitoral, um órgão responsável por organizar e supervisionar o processo eleitoral, garantindo a lisura e a imparcialidade das eleições.

Esse código, que entrou em vigor no mesmo ano, também instituiu o voto secreto, uma inovação crucial que buscava proteger a liberdade dos eleitores, permitindo que expressassem suas preferências políticas sem a influência de pressões externas ou coerção.

Outro marco histórico foi a concessão do direito de voto às mulheres, também assegurado pelo Código Eleitoral de 1932. Essa conquista foi o resultado de longas lutas das sufragistas brasileiras, que, desde o início do século XX, vinham demandando maior participação na vida política do país.

‘Presente ausente’

Apesar da ambiguidade do legado de Vargas, seu impacto na estrutura social e econômica do Brasil é indiscutível, conforme explica Sarti

“O Estado brasileiro ainda é muito tributário da construção realizada durante seus governos. Muitas das instituições que temos hoje são frutos do período Vargas. Embora sua figura não seja muito reivindicada ou apareça mais para críticas ao autoritarismo e conservadorismo, ainda está presente em vários aspectos progressistas da nossa sociedade. Ele é, portanto, um grande presente ausente”, diz o estudioso.

“O que não faltam são desdobramentos e consequências, hoje em dia, de iniciativas tomadas durante o governo Vargas, e tudo isso é um legado”, conclui Cavaliere.