Especialista na História do Brasil, a estudiosa revelou detalhes sobre seus mais de 40 anos de carreira com exclusividade ao site da AH
Com 52 livros já publicados e feitos de fonte para os mais diversos trabalhos acadêmicos, Mary del Priore atende o telefone com uma gentileza contagiante. Acomodada na varanda de sua casa, ela fala sobre a trajetória que percorreu para se tornar uma das maiores historiadoras do país, narrando sua vida ao som de afinados passarinhos.
Pós-doutora pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais, em Paris, na França, Mary especializou-se na História do Brasil. Em suas obras, ela fala não apenas sobre os personagens já conhecidos dessa narrativa, como também sobre as figuras misteriosas que fazem parte do passado da nação que conhecemos hoje.
Nascida no Rio de Janeiro e com uma carreira impressionante, Mary é indicada na categoria “Historiador do ano” do Prêmio Descobertas do Ano, do Aventuras na História. Ainda mais, a historiadora será homenageada pelo evento e, com exclusividade ao site da AH, narrou os detalhes de sua trajetória acadêmica.
Ver essa foto no Instagram
Tendo estudado em um colégio de freiras no Rio de Janeiro, Mary lembra que “sempre fui má aluna de todas as matérias, menos em História”. Assim, em algum momento entre uma professora que ela considerava excepcional e seu gosto pelos livros, a menina desenvolveu uma imensa curiosidade pelas tramas do passado.
“Eu lia sobre tudo, desde viagens, vidas de pessoas, biografias, aquilo me interessava enormemente”, lembra Mary. Não eram apenas os livros, contudo, que alimentavam a criatividade da futura historiadora, já que ela sempre viajou com a família e visitou os mais distintos museus na companhia de seu irmão.
“Era muito comum que minha mãe nos mandasse para os museus, era uma maneira de passar o tempo”, narrou a historiadora, recordando o início de sua paixão pelo passado. Antes de se tornar uma grande pesquisadora, no entanto, Mary tornou-se mãe e formou a própria família, tendo três filhos ainda muito nova.
Ver essa foto no Instagram
“Eu também sou muito filha da minha geração, me casei muito cedo”, conta a historiadora. “Na época ninguém pensava em se formar, queria colocar logo um anel no dedo, ter filhos, uma casa bem burguesa, uma vida doméstica. Assim vivi até engravidar a minha terceira filha. E aí me deu uma vontade enorme de estudar.”
Foi nesse momento que Mary decidiu investir em sua carreira acadêmica e, entre os 26 e 27 anos, iniciou sua trajetória com um curso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi na universidade que a estudante teve a oportunidade de se apaixonar por documentos históricos, durante as aulas de Pesquisa Histórica.
Entre “conversas com os mortos” e interpretações de “palavras carcomidas”, Mary descobriu o que ela, mais tarde, viria a definir como o verdadeiro “trabalho do historiador”. “Aquilo foi me apaixonando, descobrir como viviam as pessoas no passado, qual era o vocabulário empregado, a influência da religião” narra a historiadora.
Ver essa foto no Instagram
Eventualmente, o curso da PUC terminou e a estudiosa partiu para sua pós-graduação na Universidade de São Paulo, a USP. Em menos de dois anos, Mary pulou direto para o doutorado e trabalhou em sua tese com a professora Maria Luísa Marsili. “E foi assim que minha carreira começou”, lembra a historiadora.
Durante o doutorado, Mary venceu um prêmio que lhe abriu diversas portas. “Esse prêmio me levou para a Escola de Altos Estudos e lá aconteceram dois fenômenos interessantíssimos”, narra a historiadora. “Primeiro passei a conviver com historiadores e depois com as feministas que haviam fundado uma revista chamada 'Penélope'.”
Ao lado das outras mulheres, Mary aprendeu “a fazer o que as francesas chamam de história relacional”, técnica que ela passou a aplicar em grande parte de suas obras, inclusive em “Ao Sul do Corpo”, livro que produziu no mesmo período.
“Em 2001, depois de 11 ou 12 anos de docência,eu saí da USP”, narra Mary. “Saí porque queria um projeto que permitisse que o historiador oferecesse ao leitor o prazer de ler aquilo que ele escreveu com prazer”, um tipo de interação que ela conseguiu atingir com a escrita, uma atividade que a historiadora descobriu amar.
Entre seus 52 livros, anos de aulas lecionadas e uma coluna dividida com Raquel de Queiroz, Mary entendeu que “o lugar do historiador é em toda parte. Ele tem que estar nos museus, nas empresas, no turismo cultural, nos meios de comunicação. A presença do historiador deveria ser algo obrigatório”.
“Temos historiadores fenomenais em toda parte, teses excepcionais, mas acho que não existe a demanda da sociedade por história”, lamenta a historiadora. “Os brasileiros estão muito desinteressados de seu passado, eles têm até interesse em apagá-lo. E quando querem revivê-lo, o fazem da forma mais cruel, através do ódio.”
Por isso, inclusive, Mary del Priore tem certeza que quer continuar fazendo aquilo que mais ama, disseminando o conhecimento que adquiriu através dos anos. “Realmente sou apaixonada pelo o que faço. Eu acho que o diferencial é esse. Eu digo que na aula a gente comunica o que sabe, mas transmite o que sente”, narra a historiadora, por fim.
+AH: Mary Del Priore: A vida íntima de Maria I Portugal e de Leopoldina