Entenda as questões e conspirações por trás da queda de um regime extremamente popular
Wagner Gutierrez Barreira Publicado em 15/11/2019, às 08h00
O vapor Alagoas, que levava a família imperial para o exílio em novembro de 1889, afastava-se do continente sul-americano para o mar aberto, ao largo da costa da Ilha de Fernando de Noronha. Emocionados, dom Pedro e seus parentes resolveram enviar uma última mensagem à pátria.
Apanharam um pombo a bordo e discutiram o conteúdo de seu derradeiro recado em território brasileiro. Escolheram uma única palavra - saudade - e soltaram o bicho, que deveria voar em direção ao país com a homenagem singela.
Mas o pombo não tinha vocação para correio. Suas asas haviam sido aparadas. O resultado: a "saudade" foi ao fundo do oceano com seu portador, a poucos metros do navio.
Talvez a cena da última tentativa de comunicação entre a família imperial e o povo brasileiro funcione como metáfora do que foram os anos da monarquia. As intenções sempre eram as melhores. As atitudes, por vezes desastrosas.
O órfão da nação
O menino tinha apenas 5 anos quando foi arrancado da cama e levado da Quinta da Boa Vista para o Paço Imperial do Rio de Janeiro. Assustado, chorava sem parar, encolhido no banco de trás da carruagem. No caminho, o veículo foi parado por populares, que tiraram os cavalos e se encarregaram de levar eles mesmos a carga preciosa ao seu destino. Havia cheiro de pólvora, vindo de tiros de artilharia.
Uma multidão tomava as ruas. O pequeno Pedro, tornado imperador do Brasil naquela noite de 7 de abril de 1831, ocuparia o lugar do pai, que acabara de abdicar. Sua mãe, Maria Leopoldina, havia morrido quando ele era um bebê. Enquanto o garoto era levado ao paço, Pedro I já estava a bordo da fragata inglesa Warspite. Pai e filho nunca mais se viram outra vez.
Por quase meio século, o chamado "órfão da nação" ocuparia o papel de fiador do império. O golpe que lhe garantiu a maioridade aos 14 anos transformou Pedro de Alcântara no condutor do Segundo Reinado. Enquanto os vizinhos latino-americanos se fragmentavam em pequenas repúblicas, comandadas por caudilhos, o Brasil, grande e unido, era visto pelo resto do mundo como uma ilha de civilização em meio à barbárie.
Pedro foi criado por tutores (o primeiro deles foi o Patriarca da Independência, José Bonifácio) e por funcionários do palácio. Sua formação foi uma só: seus professores trataram de lhe ensinar como ser magnânimo, justo, educado, comprometido e fiel ao Brasil.
Pedro cumpriu à risca o que lhe foi ensinado. Quando morreu no exílio, aos 66 anos, em 1891, seu obituário no jornal The New York Times afirmou que ele "foi o mais ilustrado monarca do século".
Dom Pedro II foi um escravo de seu país desde a abdicação de seu pai. Seus passos eram vigiados, suas atividades se transformavam em relatórios analisados no Parlamento. O Marquês de Itanhaém, o tutor que sucedeu Bonifácio, preparou um regulamento para o garoto que incluía acordar diariamente às 7 da manhã. A partir daí, cada hora tinha uma atividade específica e até as conversas seguiam um tema definido.
A rubrica "diversão" durava duas horas diárias. O dia acabava às 21h30 e o sono era precedido de mais leituras. O objetivo do tutor, como relata José Murilo de Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, era criar um paladino.
"Itanhaém queria formar um monarca humano, sábio, justo, honesto, constitucional, pacifista, tolerante", afirma Carvalho na biografia D. Pedro II. "Isto é, um governante perfeito, dedicado integralmente a suas obrigações, acima das paixões políticas e dos interesses privados."
A vida pessoal de Pedro, como se vê, não pertencia a Pedro. Visitas de parlamentares para checar in loco a educação do príncipe eram comuns. O Parlamento recebia relatórios sobre os avanços do futuro monarca. O de 1837, por exemplo, dava conta que Pedro falava e escrevia em francês e era capaz de traduzir do inglês.
Mas, como registra José Murilo de Carvalho em seu livro, o deputado Rafael de Carvalho criticava a falta de exercícios e divertimento. "Segundo os observadores, era um menino tímido, ensimesmado e, seguramente, muito carente de afeto", definiu o historiador.
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