Ocupando um território estratégico, por onde passam importantes oleodutos e gasodutos, os chechenos lutam há mais de dois séculos contra o domínio russo
A iminente desintegração da União Soviética, em 1991, foi a grande chance encontrada pelos chechenos para livrar-se de vez do domínio russo. O poderoso vizinho promovia incursões militares desde o século 18, que resultavam em deportações e massacres de sua população. A oportunidade, porém, mostrou-se um fiasco: Moscou não desistiria facilmente de um território tão estratégico como o da Chechênia. Duas guerras e dezenas de atentados terroristas seguiram-se à negativa russa de reconhecer a independência. O resultado foi a morte de mais de 200 mil chechenos e soldados russos e a fuga de mais da metade da população da região.
Hoje a Chechênia é, sem dúvida, um dos piores campos de batalha do planeta, em que guerrilheiros chechenos e tropas russas travam combates cada vez mais sangrentos. “A guerra na Chechênia ainda se arrasta. Apesar de uma campanha bastante cruel que visa eliminar os combatentes chechenos e seus partidários, as forças russas falharam em acabar com a resistência e em capturar líderes como Shamil Basayev”, afirma o professor Georgi Deluguian, especialista em Repúblicas do Cáucaso da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.
Petróleo e gás
A Chechênia está localizada no Cáucaso, região que abriga grandes reservas de petróleo e gás natural. Os oleodutos que abastecem os compradores têm de passar por boa parte dos 13 mil quilômetros quadrados do território checheno. É essa ligação o principal interesse da Federação Russa na região. Os russos também acreditam que a região é parte integrante de seu território, ao contrário de outras repúblicas, como o Cazaquistão e a Ucrânia, que, logo após a queda da União Soviética, se tornaram países independentes sem nenhuma resistência do governo central.
O Cáucaso, região montanhosa entre o mar Cáspio e Negro onde vivem vários grupos étnicos, está sob o domínio russo há muito tempo. Mesmo quando não se sabia da existência de petróleo na região, o então Império Russo também considerava o território estratégico. Duas rebeliões chechenas, em 1791 e em 1859, foram sufocadas pelas tropas czaristas. A Revolução Russa de 1917 não mudou muito a vida da população caucasiana. Com a ascensão bolchevique, a população sofreu um forçado processo de coletivização da produção agrícola nos anos 30.
Em 1936, a Chechênia tornou-se uma república autônoma dentro da então União Soviética, juntamente com a Inguchétia. Mas a autonomia duraria pouco. Ao final da Segunda Guerra, Josef Stalin ordenou a deportação de chechenos e inguchétios, acusando-os de colaboração com os nazistas, o que realmente havia acontecido. Os habitantes da região tinham apoiado os alemães para obter em troca a tão sonhada independência. O castigo infligido pelo ditador foi deportar entre 400 mil e 800 mil pessoas para a Ásia Central e Sibéria. A volta do exílio só seria permitida em 1956, três anos após a morte do ditador.
Duas guerras
Desde 1936, chechenos e inguchétios viveram sob o status de uma mesma República Autônoma. Em 1991, os chechenos declararam-se independentes e formaram uma república. A Inguchétia também aproveitou para separar-se da Chechênia. Mas nenhum país reconheceu sua independência. Três anos depois, o impasse foi parar no campo de batalha. Tropas russas voltaram à região e destruíram a capital, Grozny. Nessa primeira guerra, mais de 80 mil pessoas morreram, principalmente civis chechenos.
A guerrilha chechena buscou a ajuda de radicais islâmicos como os experientes combatentes da guerra do Afeganistão e o auxílio financeiro da Arábia Saudita. A tática deu certo. Em 1996, o então presidente russo, Boris Yeltsin, retirou o exército da região. Seguiram-se anos de tensão até que o novo presidente russo, Vladimir Putin, ordenasse uma nova invasão. Dessa vez, o governo russo conseguiu emplacar um presidente pró-Moscou. O primeiro deles, Akhmad Kadyrov, morreu num atentado suicida em 2004. O atual, general Alu Alkhanov, mantém-se no poder graças às tropas de Putin.
Tanto os governantes apoiados por Moscou quanto as tropas russas são acusadas de freqüentes abusos contra a população chechena, como massacres, estupros e tortura. Além disso, a deterioração da economia local e o surgimento do crime organizado fizeram com que houvesse uma radicalização do conflito, com a aproximação chechena do fundamentalismo islâmico.
Atualmente, as forças chechenas estão divididas entre os seguidores do presidente pró-Moscou e os guerrilheiros contrários ao domínio russo, que, por sua vez, se fragmentaram em vários grupos que também lutam entre si. Esses grupos são formados por antigos agricultores e trabalhadores de baixa qualificação que não conseguiram fugir do país. “A fragmentação de forças dos dois lados continua estável e conduz a uma perpetuação da violência, porque nenhum governo estável consegue surgir”, afirma Derluguian.
The Dirty War, Anna Politkovskaya, Harvill Press, 2004
Jornalista russa denuncia a barbárie cometida por seus compatriotas na Chechênia. Após o lançamento, a autora foi obrigada a exilar-se por ameaças de morte.
A Small Corner of Hell, vários autores, University of Chicago Press, 2003
Em uma série de artigos, especialistas sobre o conflito descrevem várias facetas da guerra entre russos e chechenos, do século 18 aos dias de hoje.Djohar Dudayev
Declarou a independência chechena em 1991 e tornou-se o primeiro presidente. Liderou a resistência contra os invasores, até ser morto por um míssil russo em 1995.
Aslan Maskhadov
Eleito presidente em 1997, instituiu a lei islâmica (Sharia). Não conseguiu unir a resistência chechena e morreu em março de 2005 durante cerco realizado por forças russas.
Shamil Basayev
Participou do seqüestro de um avião russo em 1991 e organizou a invasão da escola em Beslan. É o mais violento líder checheno, conhecido como Che Guevara do Cáucaso.O movimento pela independência chechena organizou os piores atentados terroristas da Federação Russa. Foram em sua maioria seqüestros de civis em locais públicos, aviões derrubados e explosões de estações de metrô e prédios residenciais. Em apenas dois anos, as ações provocaram a morte de quase mil pessoas.
O principal deles ocorreu em setembro de 2004 em uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte. Durante três dias, 32 terroristas chechenos mantiveram mais de 1 200 reféns, principalmente mulheres e crianças. Os seqüestradores exigiam a retirada das tropas russas de Grozny. Um tiroteio ainda não explicado provocou a explosão de bombas e a invasão do ginásio. O saldo foi a morte de 339 reféns e de 31 seqüestradores.
A ação foi semelhante a uma ocorrida dois anos antes. Cerca de 50 terroristas chechenos dominaram o Teatro Dubrovka, em Moscou. A platéia era composta de cerca de 800 pessoas. Para evitar uma tragédia, as forças russas usaram um gás paralisante antes de invadir o teatro. Só que o gás era tóxico: matou os seqüestradores e 127 reféns.