Em maio de 1896, a comemoração tomou um rumo inesperado que parecia ser um presságio para o desastroso governo do czar
Apesar das expectativas criadas por grandes boatos sobre um evento suntuoso e inesquecível, a coroação do czar russo Nicolau II pareceu um presságio e uma anunciação da tragédia que seria seu reinado, marcado como o último do país antes da grande Revolução que derrubou a monarquia.
Reunindo milhares em Moscou, o evento que iniciaria o começo de uma nova era na Rússia teve um início semelhante ao de uma grande festa, uma comemoração à altura de um novo czar. Mas, no final, o episódio ficou conhecido como a Tragédia de Khodynka.
Tudo começou em maio de 1896, na celebração da coroação do imperador, quatro dias após o evento. Naquela data, a festa popular se transformou no campo de Khodynka, na região noroeste de Moscou, onde o governo realizou um banquete público em comemoração ao seu novo líder.
O local da celebração ficou lotado com tantas pessoas que, em meio ao aumento da pobreza na Rússia, diversos rumores surgiram sobre o vasto e luxuoso jantar que seria empreendido pelo czar em uma data tão especial.
Porém, as promessas de ricos presentes acabaram em decepção: na verdade, havia apenas um jantar comum distribuído individualmente, com pão, um pedaço de salsicha, frutas secas, um biscoito e uma caneca de metal comemorativa.
Atá mesmo o local da celebração estava deplorável naquele dia, cheio de irregularidades no chão que não foram reformadas pela organização. Aquele não era, de forma nenhuma, o padrão para um evento realizado por um grande líder.
Porém, o clima manteve-se de festa, pois o povo comemorava o sucesso de mais um czar, jovem e bonito. Fora divulgado ainda que o banquete seria seguido por uma peça de teatro e o lançamento de balões. Uma série de fontes foi instalada para a distribuição de bebidas à vontade. O povo esperava com grande ânimo.
Na manhã daquele dia, mal começada a festa, já havia 400 mil russos a espera da celebração. A ansiedade pelo evento fez com que muitas pessoas forçassem a abertura dos portões do campo mais cedo, pois estavam acampando no local desde a madrugada anterior. Um clima de euforia e histeria se alastrou, e os funcionários do palácio começaram a gritar para que a população se acalmasse.
Ocorreu uma invasão coletiva ao campo de Khodynka, em uma cena de empurrões, pisoteamentos e tapas. Ao mesmo tempo, a guarda do czar decidiu revidar e inciou agressões contra a população, na esperança de impedir a desobediência. Tiros de armas de fogo também foram utilizados na ocasião.
Uma série de tapumes usados como barreiras nos poços da região cederam com a força da multidão e muitas pessoas começaram a cair dentro das estruturas. A histeria coletiva tomara a situação, e diversas pessoas acabaram pisoteadas, baleadas ou violentadas.
Diante do caos, os bombeiros e o Exército foram acionados para resgatar os feridos, sendo que cerca de três mil pessoas foram auxiliadas nos poços, enquanto o número de mortes ainda é uma dúvida. A situação da fome no país, todavia, era tão grave que, mesmo na confusão, milhares de russos mantiveram-se no campo, se alimentando.
Com o corrido, uma série de discussões se iniciou para que se atrelasse uma responsabilidade pelas, pelo menos, 1.300 mortes. Muitos alegavam que o culpado era o czar Nicolau II, que permitira a negligencia da guarda e da organização, outros atribuíam pelo homem indicado para a realização do banquete, o conde Vorontsov-Dachkov.
Já os policiais atribuíram a culpa de toda a situação ao grão-duque Serge Alexandrovich, por sua participação na elaboração da festa. Por mais que Nicolau II tenha defendido o duque na época, atribuindo a culpa para a baixa nobreza da população local, o povo nunca mais perdoou a corte russa pelo acontecido.
Uma gigantesca mobilização popular deu início para uma campanha de culpabilização a Serge e Nicolau, que a polícia do czar não conseguiu deter. Pessoas ligadas ao obscurantismo, à astrologia, cartomantes, místicos e videntes começaram a atribuir a Tragédia de Khodynka a um mau presságio.
Não demorou, então, para que as pessoas relacionassem a enrome tragédia com o futuro da monarquia Romanov, que poderia ser absolutamente conturbado. No final, o fato era correto: aquele foi o início do fim do absolutismo russo, que acabara em 1917, após uma série de tragédias autoritárias comandadas pelo novo czar.
Nicolau IIficou conhecido na história russa como um mal governante, responsável por uma série de decisões desastrosas que levaram o povo à miséria e à guerra, fazendo com que a sociedade chegasse a seu limite e se rebelasse contra a mais antiga dinastia do mundo (existente desde o século16). O ocorrido em Khodynka foi, no final, uma ilustração da falta de organização e da violência de um governante despreparado, que esperava ser um intelectual da nobreza, mas acabou com a coroa na cabeça.