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Matérias / Violet Jessop

Senhorita inafundável: A mulher que sobreviveu ao Titanic e outros desastres marítimos

Violet Jessop esteve a bordo dos navios Olympic, Titanic e o Britannic — dois deles afundaram e o outro quase naufragou; mas ela sobreviveu

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 08/07/2023, às 00h00 - Atualizado em 26/10/2023, às 14h10

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A enfermeira argentina Violet Jessop - Governo Britânico
A enfermeira argentina Violet Jessop - Governo Britânico

Era por volta das 23h40 do dia 14 de abril de 1912 quando o lendário RMS Titanic colidiu contra um iceberg em sua viagem inaugural — que saiu do porto de Southampton, na Inglaterra, e tinha como destino Nova York, nos Estados Unidos.

O maior transatlântico da época só naufragou duas horas e 40 minutos depois, às 02h20 da segunda-feira de 15 de abril. Em uma das maiores tragédias marítimas de toda a história deixou 1.522 vítimas, segundo dados do Museu Smithsonian, dos EUA — já o britânico o Museu Real de Greenwich aponta que ocorreram 1.503 mortes.

+ Titanic: Existem restos mortais junto aos destroços do naufrágio?

No entanto, o número de sobreviventes não muda: 705 pessoas se salvaram naquele fatídico dia. Uma delas, porém, já parecia predestinada a resistir. A enfermeira argentina Violet Jessop não só superou as dificuldades do Titanic como sobreviveu a outros três desastrosos acidentes marítimos.

Vida de resiliência

Violet Jessop nasceu em 2 de outubro de 1887, em uma província no sul de Buenos Aires perto de Bahía Blanca. Seus pais eram irlandeses, mas se mudaram para o país sul-americano após uma onda migratória no final do século 19. Na região, o patriarca de Jessop se estabeleceu como pastor de ovelhas.

Violet era a mais velha entre seus seis irmão e desde jovem mostrou seu espírito de resiliência. Conforme recorda a BBC, quando ela ainda era criança foi diagnosticada com tuberculose. Sua expectativa de vida era de apenas três meses.

Para que o clima ajudasse na recuperação, sua família se mudou para a província de Mendonza, sobre a cordilheira dos Andes. Um milagre aconteceu: Violet Jessop se recuperou.

Mas as intempéries em sua vida não pararam por aí. Seu pai faleceu logo depois e sua mãe decidiu levar a família para a Inglaterra. Foi no Reino Unido que a matriarca começou a trajetória da família com a vida marítima ao se tornar camareira da Royal Mail Line.

Quando sua mãe adoeceu, Jessop conseguiu uma vaga similar na mesma companhia para manter a família. Ela tinha apenas 21 anos na época e muitas histórias de superação para vivenciar.

Os três desastres

Em meados de 1908, Violet começou a trabalhar para a White Star Line, companhia de navegação dona dos navios Olympic, Titanic e o Britannic. Os "barcos irmãos" acabaram tendo trágicos destinos semelhantes — e Jessop superou cada um deles.

O estaleiro de Belfast, onde foram construídos o Olympic, Titanic e o Britannic/ Crédito: Domínio Público

O RMS Olympic foi o maior barco de sua época — sendo 30 metros maior que seus concorrentes. Meses após sua viagem inaugural, o navio colidiu contra o cruzador HMS Hawke na costa do Reino Unido.

O acidente acabou causando perfurações no casco do RMS Olympic e danos em sua hélice. Mas ninguém se feriu e o navio conseguiu voltar à Southampton.

Um fato curioso é que o capitão do RMS Olympic foi Edward John Smith — o mesmo que capitaneou o RMS Titanic. Tido como 'inafundável', o famoso transatlântico era ainda maior e mais luxuoso que o seu 'irmão caçula'.

O RMS Olympic/Crédito: Domínio Público

Àquela época, Violet Jessop manteve um diário de anotações onde relatava seu vida marítima. Os registros foram publicados após sua morte com o título de Titanic Survivor. Nele, a mulher conta que era feliz a bordo do RMS Olympic e que não planejava deixá-lo.

Entretanto, ela acabou convencida por familiares e amigos, que estavam encantados com toda a beleza e luxo do transatlântico. Assim, Jessop se tornou uma entre as 23 mulheres que faziam parte da tripulação do RMS Titanic. Ela tinha apenas 24 anos na época.

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A argentina, inclusive, relatou os momentos pós-colisão e descreveu como sobreviveu ao lendário naufrágio: "Me mandaram ir para o convés. Os passageiros passeavam tranquilos. Eu e as outras camareiras observamos como as mulheres se agarravam a seus maridos antes de serem colocadas nos botes salva-vidas com os filhos".

Algum tempo depois, um oficial ordenou que nós entrássemos no bote número 16 para mostrar às mulheres que era seguro", prosseguiu.

Violet ainda relatou que, quando entrou no bote, um bebê lhe foi entregue e ela abraçou a criança contra seu colete salva-vidas para mantê-lo quente e impedir sua morte por congelamento.

Fotografia do Titanic partindo de Southampton, no Reino Unido, em 1912/ Crédito: Domínio Público

Já no RMS Carpathia, uma mulher apareceu e ficou com a criança — quem ela supôs ser a mãe do bebê. Ela e os outros sobreviventes foram levados para Nova York, nos Estados Unidos.

Apesar de tudo o que viveu, Violet Jessop não desistiu dos trabalhos marítimos e continuou sendo camareira pela White Star Line, agora com o HMHS Britannic.

Entretanto, com o auge da Primeira Guerra Mundial, em 1916, após ser requisitado pela Marinha Real Britânica, ele foi transformado em um navio-hospital antes de entrar em operação comercial — Violet acabou se alistando como enfermeira da Cruz Vermelha para fazer parte de sua tripulação.

Enquanto cruzava o Mar Egeu em sua sexta viagem, em 21 de novembro daquele ano, o HMHS Britannic foi atingido por uma explosão. A imprensa da época relatou que o navio foi alvejado por um torpedo alemão, mas outras fontes dizem que ele teria batido em uma mina. O fato é que a embarcação afundou em menos de uma hora.

Mas Violet Jessop não foi resgatada como das outras vezes: em um bote salva-vidas — afinal, seu barco de apoio acabou sendo sugado pelas hélices do transatlântico. A enfermeira tentou se jogar no mar, mas acabou batendo a cabeça e só foi resgatada ao ser puxada pelos cabelos.

O naufrágio do HMHS Britannic deixou 30 vítimas — número considerado baixo, visto que haviam 1.125 pessoas a bordo e ele naufragou com um terço do tempo do Titanic.

O HMHS Britannic/ Crédito: Domínio Público

A aposentadoria

Mas está enganado quem pensa que Violet deixou a vida marítima após mais esta tragédia. Sobrevivente de dois naufrágios, ela ainda voltou ao RMS Olympic, que se tornou o único dos 'três irmãos' a não ter seu local de descanso embaixo das águas. Em 1926, ela trocou de companhia e passou a prestar serviços para a Red Star Line e, anos depois, retornou à Royal Mail Line.

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, Violet Jessop fez uma pausa nas navegações ao conseguir uma vaga como secretária. Três anos depois, ela voltou a navegar e só se aposentou em 1950 — quando tinha 63 anos.

As mais de quatro décadas em alto mar fizeram Violet ter uma vida um tanto quanto solitária. Quando tinha 40 anos, ela até que chegou a se casar com um marinheiro, mas o matrimônio durou pouco e não lhe rendeu frutos.

Sem filhos, ela passou a morar sozinha em uma casa de campo em Suffolk, um condado no leste da Inglaterra, após sua aposentadoria. Violet Jessop morreu aos 84 anos, em 1971, vítima de uma insuficiência cardíaca. Suas anotações viraram um livro de memórias em 1998, publicados por seu sobrinho. Por sua trajetória, ela recebeu o apelido de "Senhorita Inafundável".