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Matérias / Oppenheimer

Por que Oppenheimer escrevia poemas eróticos?

Durante seus tempos na Universidade de Harvard, onde se formou em química, Oppenheimer encontrou tempo para um hobby: escrever poemas

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 13/07/2023, às 18h00 - Atualizado em 22/07/2023, às 11h09

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O físico J. Robert Oppenheimer - Domínio Público
O físico J. Robert Oppenheimer - Domínio Público

Um dos filmes mais esperados do ano, Oppenheimer já pode ser conferido nos cinemas brasileiros. O longa, dirigido por Christopher Nolan, é baseado no livro escrito por Kai Bird e Martin J. Sherwin chamado Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, publicado no Brasil pela Intrínseca.

"Ambientado na Segunda Guerra Mundial, o longa acompanha a vida de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), físico teórico da Universidade da Califórnia e diretor do Laboratório de Los Alamos durante o Projeto Manhattan – que tinha a missão de projetar e construir as primeiras bombas atômicas. A trama acompanha o físico e um grupo formado por outros cientistas ao longo do processo de desenvolvimento da arma nuclear que foi responsável pelas tragédias nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945", diz a sinopse oficial.

No livro que deu origem ao filme, Martin e Sherwin narram detalhes reveladores e sem precedentes sobre a vida do homem que é considerado o 'pai da bomba atômica'. Em uma dessas passagens, os autores explicam, entre outras coisas, o que levou Oppenheimer a escrever poemas eróticos.

Vida acadêmica

Julius Robert Oppenheimer se interessou por química enquanto ainda estava na escola. O norte-americano de origem judaica alemã se formou na matéria em 1925, pela Universidade de Harvard.

Antes de ingressar na vida acadêmica, porém, Oppenheimer, que sempre foi muito estudioso, tinha dúvidas de qual matéria deveria cursar: filosofia, literatura francesa, arquitetura, inglês e história eram algumas de suas opções.

+ Oppenheimer: 5 coisas para saber antes de assistir ao filme;

No entanto, acabou decidindo se especializar na sua primeira paixão. Sua ideia era se formar em três anos, por isso, escolheu o máximo de cursos permitidos: seis. Além disso, em cada semestre, sempre arranjava tempo para frequentar outros dois ou três como ouvinte.

Devido à carga excessiva de estudo, Oppenheimer não tinha uma vida social ativa, recordam Martin e Sherwin. Mesmo assim, ele ainda arrumava tempo para alguns hobbies. Leitor assíduo, ele começou a escrever poesias em seus tempos acadêmicos.

Fotografia de Oppenheimer quando mais jovem, entre 1926 e 1927
Fotografia de Oppenheimer quando mais jovem, entre 1926 e 1927 / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Em 1922, T. S. Elliot publicou 'A Terra Devastada', considerado um dos poemas mais importantes de seu século. "Robert se identificou instantaneamente com o esparso existencialismo do poeta, uma vez que as respectivas poesias lidavam com temas de tristeza e solidão", apontam Kai e Martin. Quando esteve em Harvard, ele escreveu os seguintes versos:

A aurora investe nossa substância com o desejo
E a lenta luz nos trai, e nossa melancolia:
Quando o açafrão celeste
Desaparece e se torna incolor,
E o sol
Se tornou estéril, e o fogo crescente
Nos impele a nos levantarmos
Encontramo-nos de novo
Cada um sem sua prisão separada
Prontos, desesperançados
Para negociação
Com outros homens."

A depressão

No final de seu primeiro ano como calouro em Harvard, Oppenheimer chegou à conclusão que errou ao escolher química como sua disciplina principal ao invés de física. O fato, aliado ao sua falta de interação social e poucos amigos, lhe fizeram ser um estudante cada vez mais recluso.

Sua rotina pode ser constatada por uma troca de correspondências que mantinha com Herbert Smith, seu antigo professor na Escola de Cultura Ética. Em uma missiva enviada no inverno de 1923, Oppenheimer escreveu:

"Eu trabalho e escrevo inúmeras teses, notas, poemas, histórias e lixo; vou até a biblioteca de matemática e leio, depois até a biblioteca de filosofia, divido meu tempo entre Minherr [Bertrand] Russel e a contemplação de uma bela e adorável dama que está escrevendo uma tese sobre Spinoza [Baruch de Espinosa] — isso não é encantadoramente irônico?", questionou ele.

"Preparo fedores em três laboratórios diferentes, escuto [o professor Louis] Allard fofocar sobre Racine, sirvo chá e falo de forma culta com algumas almas perdidas, saio no fim de semana para destilar energia de baixo nível em risos e exaustão, leio grego, cometo deslizes, vasculho minha escrivaninha e busca de cartas e gostaria de estar morto. Voilà", continuou.

Oppenheimer (à esq.) em condecoração de grau honorário em Harvard/ Crédito: Domínio Público

Kai Bird e Martin J. Sherwin repercutem que, anos mais tarde, um dos amigos de Oppenheimer em Cambridge, William Boyd, relatou que Robert sofria com episódios depressivos naquela época, que eram provocados por sua vida no campus e pelas visitas de sua família.

Outro amigo de Oppenheimer nos tempos de Harvard, Francis Fergusson, relatou que o futuro 'pai da bomba atômica' encontrava na caminhada uma forma de terapia. Mas nem sempre a prática era suficiente.

Durante seus anos na universidade, diversos de seus colegas notaram que ele parecia lutar contra demônios internos. "Minha sensação em relação a mim mesmo", descreveu o próprio conforme citado por Alice Kimball Smith e Charles Weiner em Robert Oppenheimer: Letters and Recollections, "era sempre de extremo descontentamento. Eu tinha pouca sensibilidade para os seres humanos, muita pouca humildade perante as realidades do mundo".

Desejo sexual

Alguns dos problemas internos sofridos por Robert Oppenheimer diziam respeito a desejos sexuais não realizados, apontam Martin e Sherwin. À época com 20 anos, nem ele e tampouco seus amigos tinham uma vida social que incluísse um círculo de amizade com mulheres.

Além disso, nenhum de seus colegas da época se recorda de Robert se relacionando com uma mulher. Jeffries Wyman, um dos amigos de Robert na universidade, apontou que seus colegas estavam "apaixonados demais" pela vida intelectual "para pensar em garotas", descrevem Smith e Weiner.

No entanto, Robert Oppenheimer sentia desejos sexuais e os mostrava através de poemas eróticos, como um recebido por Francis Fergusson:

Esta noite ela veste uma capa de pele de foca
diamantes negros reluzentes onde a água cobre as coxas
e perniciosos vislumbres conspiram para surpreender
uma palpitação tolerando a ânsia do estupro".

Já entre o inverno de 1923-24, Oppenheimer escreveu "meu primeiro poema de amor", destinado a homenagear a "bela e adorável dama que está escrevendo uma tese sobre Spinoza".

No poema, ele descreve a mulher misteriosa que o encanta, mas que ele, aparentemente, jamais conversou. Oppenheimer também se demonstra incapaz de iniciar uma conversa, apesar de se manter esperançoso com uma possível reciprocidade:

"Não, sei que houve outros que leram Spinoza,
Até mesmo eu;
Outros que cruzaram seus braços brancos
Em torno das fuscas páginas;
Outros puros demais para espiar, mesmo por um segundo,
Além do sacro esfíncter de sua erudição.
Mas o que é tudo isso para mim?
Você deve vir, digo eu, e ver as gaivotas do mar,
Douradas no sol poente;
Você deve vir e falar comigo e me contar por que,
Neste mesmo mundo, pequenos chumaços brancos de nuvem —
Como algodão se movendo, se quiser, ou lingerie,
Já ouvi isso antes —
Pequenos chumaços brancos de nuvem deveriam flutuar calmamente
através do límpido céu,
E você deveria se sentar, pálida, num vestido negro que teria agraciado
A severa consciência ascética de um beneditino,
E ler Spinoza, e deixar o vento soprar as nuvens,
E deixar eu me afogar em uma êxtase de escassez…

Bem, e se eu esquecer,
Esquecer Spinoza e sua constância,
Esquecer tudo, até que permaneçam comigo
Apenas uma leve meia esperança e um meio arrependimento
E as incontáveis faixas do mar?".