A obra "Anais" de Tácito estão entre as mais importantes fontes históricas não cristãs que mencionam a crucificação de Jesus Cristo
Os "Anais" de Tácito estão entre as mais importantes fontes históricas não cristãs que mencionam a crucificação de Jesus Cristo e a perseguição aos seus seguidores no Império Romano.
Tácito, cujo nome completo era Públio Cornélio Tácito, viveu entre aproximadamente 56 d.C. e 120 d.C. e se baseou em registros oficiais, atas do Senado e relatos diretos para compilar sua obra, conhecida por sua perspectiva crítica — e por vezes cínico — da política romana, não poupando críticas a imperadores corruptos e tirânicos.
Escrito por volta de 116 d.C., os "Anais" fornecem um relato detalhado da repressão promovida pelo imperador Nero contra os cristãos, especialmente após o Grande Incêndio de Roma, em 64 d.C.
Esse evento devastador, que destruiu grande parte da cidade, alimentou suspeitas de que o próprio imperador fosse o responsável. Para desviar as acusações, o ele teria escolhido os cristãos como bode expiatório, submetendo-os a torturas e execuções públicas — entre elas, crucificações, fogueiras e ataques por feras no Coliseu.
Segundo Tácito, "Nero atribuiu a culpa e infligiu as mais requintadas torturas a uma classe odiada por suas abominações, chamados cristãos pelo povo". O historiador ainda descreve cenas em que os presos eram crucificados em jardins suntuosos, transformados em espetáculo no circo.
Em outro trecho, ele narra como o imperador se disfarçava de cocheiro, misturando-se ao povo, como se assistisse, encantado, aos jogos cruéis que se desenrolavam.
De acordo com a narrativa bíblica, há 2.025 anos nasceu um menino chamado Jesus em uma cidade pouco conhecida nos limites do Império Romano, vindo a ser executado aos 33 anos. Embora a maioria dos estudiosos concorde que ele foi uma figura histórica real, há intensos debates quanto a sua divindade.
Seus ensinamentos sobre amor e perdão, somados à sua morte violenta, inspiraram seus seguidores a consolidar uma nova fé que evoluiria para o cristianismo. No Livro 15 dos "Anais", Tácito menciona que os cristãos derivaram seu nome de "Cristo", que fora condenado à morte por ordem de Pôncio Pilatos durante o governo de Tibério.
"Christus, de quem o nome se originou, sofreu a pena máxima durante o reinado de Tibério, nas mãos de um de nossos procuradores, Pôncio Pilatos", diz o trecho. No caso, "Christus", a versão latina de "Cristo", significa "o Ungido" ou "o Messias" e tem origem na palavra hebraica Mashiach (Messias).
Diferente dos relatos bíblicos, que abordam a crucificação sob uma perspectiva teológica, o testemunho de Tácito se insere no contexto da administração romana e da política imperial, reforçando a historicidade do evento.
A menção a Pilatos também é corroborada por outras fontes, como os escritos de Flávio Josefo e uma inscrição encontrada em Cesareia Marítima, em Israel, que confirma a existência do governador romano na Judeia.
"Agora, havia por essa época Jesus, um homem sábio, se é lícito chamá-lo de homem. Pois ele realizou feitos maravilhosos, um mestre para aqueles que recebem a verdade com prazer", escreveu Josefo, que viveu entre 37 e cerca de 100 d.C., na obra “Antiguidades Judaicas”.
"Pilatos o condenou à crucificação e à morte. Mas aqueles que se tornaram seus discípulos não abandonaram seu discipulado. Eles relataram que ele lhes apareceu três dias após a crucificação e que estava vivo. Portanto, talvez ele fosse o Messias, sobre quem os profetas narraram maravilhas", acrescentou.
Conforme afirma o site Daily Mail, a hostilidade de Tácito em relação ao cristianismo é evidente em sua descrição dos fiéis como "odiados por seus crimes" e adeptos de uma "superstição perversa".
Esse tom pejorativo sugere que, aos olhos da elite romana, os cristãos eram vistos com desconfiança, não apenas por suas crenças, mas também por recusarem os cultos oficiais do Império, o que os tornava socialmente marginalizados.
No entanto, justamente essa visão crítica reforça a credibilidade do relato, já que Tácito não tinha interesse em promover a nova religião. Seu testemunho corrobora outros registros da época e sugere que, mesmo diante de perseguições brutais, o cristianismo não foi erradicado, mas cresceu e se consolidou, tornando-se uma força transformadora dentro do Império Romano.
O relato de Tácito nos "Anais" também se insere em um contexto mais amplo da relação entre Roma e as minorias religiosas. Ao longo do século 1, a política imperial oscilou entre tolerância e repressão, com os cristãos frequentemente confundidos com os judeus e vistos como uma ameaça à estabilidade do Estado.
A perseguição narrada pelo historiador prenunciava outras ondas de violência, como as promovidas por Domiciano e Diocleciano, antes da conversão de Constantino e a oficialização do cristianismo no século 4.
Assim, o trecho dos "Anais" não apenas confirma a repressão aos cristãos no período neroniano, mas também evidencia como sua fé resistiu e, paradoxalmente, se fortaleceu, influenciando os rumos da história ocidental.