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Matérias / O Sequestro do Papa

O Sequestro do Papa: O angustiante rapto de Edgardo Mortara

Em junho de 1858, uma família italiana de origem judaica lidou com a tomada de um de seus filhos pela Igreja Católica; história inspirou filme 'O Sequestro do Papa'

Éric Moreira
por Éric Moreira

Publicado em 18/07/2024, às 20h00

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Cena do filme 'O Sequestro do Papa' (à esqu.) e pintura sobre o caso (à dir.) - Divulgação/Pandora Filmes e Getty Images
Cena do filme 'O Sequestro do Papa' (à esqu.) e pintura sobre o caso (à dir.) - Divulgação/Pandora Filmes e Getty Images

Nesta quinta-feira, 18, chega aos cinemas o filme 'O Sequestro do Papa', distribuído pela Pandora Filmes. Dirigido pelo italiano Marco Bellocchio, o longa estreou na mostra competitiva do Festival de Cannes, e também já foi exibido nos Festivais de Toronto e Nova York, despertando atenção por onde passou.

A obra cinematográfica gira em torno de um evento real ocorrido há quase 200 anos. Mais que isso, um dos casos mais polêmicos, contraditórios e de maior repercussão envolvendo a Igreja Católica, que sequestrou um garoto de apenas seis anos de sua família, em Bolonha, na Itália.

"Em 1858, no bairro judeu de Bolonha, os soldados do Papa invadiram a casa da família Mortara. Por ordem do cardeal, vieram levar Edgardo, seu filho de sete anos. A criança foi batizada secretamente por sua babá e a lei papal é inquestionável", descreve a sinopse da produção.

O caso Edgardo Mortara não pode ser resumido em poucos parágrafos. Raptado em meados de junho de 1858, levou 19 anos até que a história tivesse um desfecho — que, dependendo do ponto de vista, pode ter sido bom ou ruim.

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Acontecimentos amargos

Um aspecto importante da história da Itália para se ter noção do contexto em que o filme se passa, é que, no fim do século 19,  parte do país compunha o que era conhecido como Estados Papais (também chamados de Estados Pontifícios, Estados da Igreja ou Patrimônio de São Pedro).

Com capital em Roma, eram estados independentes, mas que atendiam diretamente a autoridade civil dos papas, que atuavam como monarcas absolutistas, com poderes como reis. E no caso do sequestro de Edgardo Mortara, o papa que estava no comando era o polêmico Pio IX (interpretado com maestria por Paolo Pierobon).

Antigo retrato de Pio IX e sua versão por Paolo Pierobon em 'O Sequestro do Papa' / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons / Divulgação/Pandora Filmes

Uma de suas medidas mais impactantes foi a publicação de um documento em que negava aos não-católicos o direito de liberdade de praticar suas religiões; além disso, também não poderiam criar crianças católicas.

Por isso o caso de Edgardo Mortara é tão complicado e repleto de camadas controversas: ele foi batizado em segredo por uma empregada católica, e levado pela Igreja com apenas seis anos. Como consequência, foi convertido ao catolicismo e se afastou de sua família.

O que torna essa história plausível de debate até hoje é o quanto de liberdade que Edgardo teve durante sua vida. Tomado a força de seus familiares, convertido ao catolicismo ainda jovem, criado sob outras regras e com uma nova "família", ele tornou-se padre e viveu, por decisão própria, como católico até o fim de sua vida, aos 90 anos.

Edgardo Mortara criança (interpretado por Enea Sala) em 'O Sequestro do Papa' / Crédito: Divulgação/Pandora Filmes
Edgardo Mortara jovem (interpretado por Leonardo Maltese) em 'O Sequestro do Papa' / Crédito: Divulgação/Pandora Filmes
Quadro 'O Sequestro de Edgardo Mortara', de Moritz Daniel Oppenheim / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons
Antiga fotografia de Edgardo Mortara como padre (à direita), ao lado de sua mãe e de um homem que possivelmente é seu irmão / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Disputas por Edgardo?

Marco Bellocchio explicou que 'O Sequestro do Papa' aborda, como tema central, o poder da Igreja Católica ao longo dos séculos, algo que ressoa até os dias de hoje. "Naturalmente, o que Edgardo Mortara viveu nunca poderia acontecer hoje, numa época de diálogo aberto e de um papa de mente extremamente aberta", pontua.

De fato, aqueles que assistem ao filme podem se espantar ao ver a influência e poder que o papa possui. Sem mencionar as cenas em que Pio IX demonstra uma convincente raiva e ansiedade por demonstrar poder, sem ser sobrepujado por outras forças.

Por outro lado, um personagem que acompanhamos de maneira bem próxima é Salomone "Momolo" Mortara (vivido pelo talentoso Fausto Russo Alesi), uma das principais oposições à imposição do papa de levar Edgardo — ao lado de sua esposa, Marianna (Barbara Ronchi). 

Família Mortara em 'O Sequestro do Papa' / Crédito: Divulgação/Pandora Filmes

Final amargo

A frieza na decisão dos líderes religiosos cristãos, bem como na forma de tratar não só Edgardo, mas outras crianças, como posses a serem "moldadas", condiz facilmente com a ideia de Bellocchio de evidenciar o poder que a Igreja tinha. A angústia da família Mortara deixa clara a impotência de pessoas marginalizadas frente a instituição.

Por fim, o filme, bem como a história, nos deixa com um sabor amargo na boca. Embora nenhum final possa ser exatamente descrito como feliz dentro dos fatos, a verdade é que a polêmica envolvendo Edgardo Mortara foi capaz de abalar a Igreja Católica no fim do século 19, causando repercussão até mesmo fora da Europa.