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Matérias / O Relatório

O Relatório: Veja a história real por trás do filme

O Relatório gira em torno de uma investigação sobre o passado incriminatório da Agência Central de Inteligência dos EUA, a CIA

Éric Moreira
por Éric Moreira

Publicado em 01/12/2024, às 19h00

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Daniel J. Jones: realidade e ficção - Reprodução/Vídeo/YouTube/@VICENews / Reprodução/Amazon Studios
Daniel J. Jones: realidade e ficção - Reprodução/Vídeo/YouTube/@VICENews / Reprodução/Amazon Studios

Neste Domingo Maior, da TV Globo, a partir das 23h55, será exibido o filme 'O Relatório'. Dirigido por Scott Z. Burns e com Adam Driver no elenco, a produção gira em torno de uma longa investigação sobre o passado brutal e incriminatório da CIA, que teria realizado uma série de torturas e interrogatórios escondidos do Estado e do público americano.

"Um funcionário idealista do senado conduz uma investigação sobre o Programa de Detenção e Interrogatório da CIA, criado após o 11 de Setembro, revelando tudo o que a agência fez para esconder um segredo brutal do público americano", narra a sinopse do filme.

Em 'O Relatório', Adam Driver é o protagonista dando vida a Daniel J. Jones, um investigador do Senado dos Estados Unidos que foi chefe sênior da equipe na investigação sobre o uso de tortura pela CIA, após os ataques terroristas às Torres Gêmeas de 11 de setembro de 2001, sob a administração do ex-presidente George W. Bush.

Assim, o filme não se limita apenas a narrar a investigação de Jones em nome do Comitê de Inteligência do Senado sobre a CIA, como também a luta subsequente do Senado contra o governo Obama, que queria impedir a divulgação do que Jones descobriu.

Conheça mais detalhes sobre o caso:

O Relatório

Conforme repercute a Revista Time, Jones trabalhou ao lado da senadora Dianne Feinstein, então presidente do Comitê de Inteligência do Senado. Para se aprofundar nos fatos omitidos pela CIA, Jones e sua equipe revisou mais de 6 milhões de páginas de documentos internos da organização, e emitiu um relatório com cerca de 6.700 páginas sobre as descobertas, que ficou conhecido como "relatório de tortura" e inspirou o filme.

No filme, vale mencionar, são expostos de maneira bastante gráfica os fatos de tortura descobertos por Jones, além da ineficiência do plano de interrogatório da CIA, que era desnecessariamente brutal e acabou escondido dos formuladores de políticas e do restante do povo americano.

À Time, Scott Z. Burns disse que consultou, para o filme, o trabalho de jornalistas investigativos, autobiografias de oficiais da CIA, entrevistas de especialistas militares e policiais sobre os interrogatórios, além de entrevistas com os próprios senadores do Comitê de Inteligência. Porém, a fonte primária foi o resumo executivo do relatório.

"Esta é a própria contabilidade da CIA sobre seu programa, e é um quebra-cabeça incrível que Dan [Jones] conseguiu montar a partir de 6,2 milhões de documentos", ressaltou o cineasta à Time. "E então alguém poderia pensar que se houvesse uma narrativa que dissesse que este programa funcionou, ela teria sido encontrada em algum lugar naqueles 6,2 milhões de documentos".

Relatório de tortura

O que Jones descobriu em suas investigações foi que, entre 2002 e 2008, ao menos 119 pessoas foram detidas pela CIA e mantidas em locais secretos pelo mundo. Pelo menos 26 foram mantidas "injustamente", conforme admitido pela própria agência.

"Os interrogatórios dos detidos da CIA foram brutais e muito piores do que a CIA representava para os formuladores de políticas e outros", explica o resumo executivo do Comitê.

Foi descrito, por exemplo, que 39 detentos foram torturados de diversas maneiras, incluindo arremessos contra parede, tapas, nudez, posições de estresse, privação de sono e até ameaças.

Além disso, pelo menos cinco dessas pessoas foram submetidas a "reidratação retal" sem necessidade; três sofreram afogamentos simulados, e pelo menos um deles, Gul Rahman, morreu, possivelmente devido à hipotermia.

Apesar dos métodos desnecessários, as torturas até mesmo atrapalharam nas investigações, visto que alguns detentos inventaram informações apenas para se safar das torturas, criando o que chamam de inteligência defeituosa.

"Outros detentos forneceram inteligência precisa significativa antes, ou sem terem sido submetidos a essas técnicas", continua o resumo.

Foi concluído, portanto, que o programa foi mal administrado e falho. Uma curiosidade é que foi desenvolvido por James Elmer Mitchell e Bruce Jessen, dois psicólogos interpretados no filme por Douglas Hodge e T. Ryder Smith, que nem mesmo tinham qualquer experiência como interrogadores e sem conhecimento especializado sobre a Al-Qaeda e o contraterrorismo.

Cena de 'O Relatório' (2019) / Crédito: Reprodução/Amazon Studios

Investigações

Toda a investigação sobre o programa de interrogatórios da CIA iniciou-se em 2007, após uma publicação do New York Times de que a agência havia destruído fitas de interrogatório em 2005.

Foi aí que o então presidente do Comitê de Inteligência do Senado, o senador democrata da Virgínia Ocidental Jay Rockefeller, pediu que Jones revisasse os documentos da CIA para descobrir o que estava nas fitas destruídas.

Vale mencionar que Jones, antes de começar a trabalhar para Rockefeller, foi analista do FBI na Seção de Operações de Terrorismo Internacional. E, nos dois anos que se seguiram ao pedido, ele e Alissa Starzak, uma ex-advogada da CIA, mergulharam nos registros do órgão, o que culminou no relatório, entregue ao comitê em 2009.

Basicamente, os membros [do Comitê] descobriram que tinham sido enganados pela CIA", atestou Jones à Time. "Que as técnicas eram muito mais brutais do que eles já haviam descrito. Que todas as alegações de eficácia relacionadas às [origens do programa] simplesmente não eram verdadeiras. E que havia todas essas outras falhas de gestão".

Em resposta ao relatório, em março de 2009 o Comitê decidiu lançar uma nova investigação sobre o programa de detenção e interrogatório da CIA, dessa vez maior e com mais recursos. Nesse meio tempo, Feinstein se tornou presidente do Comitê, e pediu para que o próprio Jones prosseguisse com a investigação.

Na mesma época, o procurador-geral Eric Holder anunciou uma ampliação na investigação sobre a CIA, e a organização, em resposta, declarou que ninguém de dentro da agência podia falar com a equipe de Daniel Jones.

Como resultado, parte do comitê retirou o apoio à investigação, alegando que não poderia avançar sem entrevistas; mas isso não impediu que Jones e sua equipe com quatro membros seguisse investigando.

Com o passar do tempo, a equipe escreveu muitas páginas sobre o que descobriram, concluindo o documento, com 6.700 páginas, em 2012.

Sem colaboração

Concluído o relatório, a senadora Feinstein enviou o documento para comentários e revisão pela própria CIA, além de outras agências de inteligência e à própria Casa Branca.

Porém, ouviu que o relatório apresentava grandes problemas e imprecisões — e, no verão de 2013, Jones e sua equipe viveram o que chamaram de "verão infernal", em que se reuniam com a agência para trabalhar nas partes apontadas.

Sabíamos quais eram os fatos e basicamente dizíamos, você sabe, 'A água do oceano é azul. Aqui está.' E eles diziam, 'Não, achamos que é amarelo.' E eu ficava tipo, 'Mas aqui está a foto, certo? É azul'", disse Jones sobre esse período.

Por razões óbvias, esse momento das investigações gerou tanta frustração, que Feinstein decidiu que Daniel Jones deveria parar de se encontrar com a CIA, e pediu que ele incluísse as objeções da CIA em notas de rodapé do resumo, para "que o mundo soubesse o ridículo de suas respostas".

Porém, o órgão não deixaria às queixas de lado: no final daquele ano, a agência acusou o Senado de acessar ilegalmente uma revisão interna do programa de detenção e interrogatório, e removê-lo das instalações da CIA sem permissão.

No entanto, isso levou o próprio inspetor-geral da CIA a abrir uma denúncia contra a agência, acusando-a de monitorar de forma indevida o que a equipe de Daniel Jones fazia.

Nos meses seguintes, os investigadores e a CIA trocariam mais acusações: em fevereiro de 2014, a agência tentou mais uma vez entrar com uma ação contra Jones e sua equipe, alegando que eles invadiram a CIA e pegaram a revisão interna sem permissão.

Em março, Feinstein confirmou que parte da revisão foi copiada e movida para o escritório do Senado, mas apenas porque a CIA destruiu as fitas de interrogatório e a revisão já havia desaparecido do sistema de computadores do Comitê.

Esse último aspecto, inclusive, levou a outra acusação contra a CIA: a agência teria realizado uma busca sem autorização nos computadores de sua equipe, capaz de violar o princípio de separação de poderes da Constituição. O então diretor da CIA, John Brennan, por outro lado, negou as acusações.

Pouco depois, em julho, o inspetor-geral descobriu que a CIA realmente penetrou na rede de computadores do Comitê de Inteligência do Senado, arquivando a denúncia contra Jones e sua equipe com base em informações falsas. Após essa informação ser divulgada, Brennan desculpou-se publicamente, no mesmo dia.

Daniel J. Jones e John Brennan / Crédito: Reprodução/Vídeo/YouTube/@etowncollege / Getty Images

Conclusão da investigação

Eventualmente, as acusações contra a equipe de Jones foram rejeitadas pelo Departamento de Justiça, e o resumo executivo dos documentos foi enviado para a Casa Branca, para determinar, por fim, o que deveria ser desclassificado.

Após o longo conflito com o governo de Barack Obama, em 9 de dezembro de 2014 o resumo executivo foi divulgado pelo Senado; mas o caso ainda estaria longe de ser finalizado.

Isso porque Jose A. Rodriguez Jr., ex-diretor do Serviço Clandestino Nacional da CIA e mencionado durante todo o relatório, publicou, em 2014, um artigo de opinião no Washington Post em que respondeu e criticou as descobertas.

"A conclusão vazada do relatório, que foi amplamente divulgada, de que o programa de interrogatório não trouxe nenhum valor de inteligência é uma falsidade flagrante; é uma tentativa desonesta de reescrever a história".

Estou perplexo que o Senado tenha dedicado tantos recursos para estudar o programa de interrogatório e, ainda assim, nunca tenha falado com nenhuma das pessoas-chave envolvidas nele, incluindo o cara que o comandou (esse seria eu)", acrescentou Rodriguez.

Apesar do conflito entre as narrativas, o diretor de 'O Relatório' não deixou essa história conturbada de lado, e informou todas essas versões no filme, como parte do conflito. "Como essas duas narrativas batalham no mundo real e qual delas acaba sendo comprada na cultura como a verdade?", diz ele à Time ser o questionamento principal que motivou a obra.

De qualquer forma, 'O Relatório' se encerra nos eventos ocorridos até 2014, depois que o Senado divulgou aquilo que Jones descobriu, no entanto, o caso até hoje corre e gera impactos na Justiça americana.

Em 2015, foi aprovada no Senado a Emenda Antitortura McCain-Feinstein, que proíbe e condena qualquer uso das chamadas "técnicas de interrogatório avançadas" em detidos.