No ano de 1924, bombardeios e até mesmo tanque paralisaram a megalópole visando mudanças políticas no Brasil
A cidade da garoa acordou tomada pela neblina, na manhã de 5 de julho de 1924. As pessoas começavam sua rotina, num frio de 6 graus, sem saber que a cidade estava sitiada. Tropas rebeldes do Exército tinham a seu dispor 2,5 mil soldados, incluindo cavalaria e artilharia pesada, e dominavam quase totalmente o grande complexo de quartéis da região da Luz, no centro da cidade. O governo tinha que revidar com apenas 1500 soldados dispersos e desmotivados, quando não simpatizantes dos rebeldes.
Às 7 da manhã, os rebeldes abriram fogo com dois canhões de 105 mm em direção ao Palácio do Governo, no bairro dos Campos Elíseos. Por erro de cálculo, atingiram a torre do Mosteiro de São Bento, que ironicamente começava uma missa em homenagem aos mortos da revolta do Forte de Copacabana, exatos dois anos antes.
Em vez de comparecer à missa, os tenentistas comemoram a data fazendo um segundo, e muito mais letal, ataque à República Velha. Dois anos antes, no Rio de Janeiro, tenentes haviam se rebelado contra a vitória presidencial do mineiro Arthur Bernardes, que diziam ser inimigo dos militares. Após serem bombardeados por mar e terra, os tenentes liberaram o grosso da tropa para debandar, se quisesse, e fizeram um ataque suicida pela cidade, no qual apenas alguns deles sobreviveram.
O grupo ficou conhecido como "os 18 do forte", quando 18 deles foram fotografados por um autor desconhecido. O movimento foi massacrado, muitos insurgentes morreram e os poucos sobreviventes inspiravam a revolução que assolava São Paulo naquela manhã nebulosa de 5 de julho.
É difícil definir politicamente o que queriam os tenentistas. Apesar da vontade de resolver tudo pela via militar, eles não tinham qualquer ideologia radical, de direita ou esquerda. Marco Antônio Villa, historiador da Universidade Federal de São Carlos, explica: "Era uma coisa ideologicamente confusa. Eles pediam voto secreto e eram contra a República Velha, em que as eleições eram maculadas e resultavam às vezes em câmaras legislativas apenas com membros governistas".
O movimento surgido entre militares de baixa patente - a maioria tenentes, daí o nome - planejava, em nome da democracia, depor à bala um governo tecnicamente democrático, pois é notório que as eleições eram manipuladas através do "voto de cabresto". Mesmo com o apoio de anarquistas e comunistas, a vaga agenda tenentista pouco ia além de promessas de instaurar o voto secreto, estabelecer o ensino universal e combater a corrupção.
No entanto, os mesmos tenentistas que afirmavam suas intenções democráticas, no esboço de sua nova constituição, declaravam: "A direção do país será confiada, provisoriamente, a uma Ditadura, cujo governo se prolongará até que 60% dos cidadãos maiores de 21 anos sejam alfabetizados".
Vivendo clandestinamente, os líderes do levante do Rio, os irmãos Juarez e Joaquim Távora e o aviador Eduardo Gomes, persuadiram diversos quartéis da cidade. Andando de táxi, durante a madrugada, sublevaram todo o complexo da região da Luz e o 4º Batalhão em Santana, além de conseguirem canhões emprestados.
No entanto, mesmo antes de amanhecer, seus esforços estavam sendo revertidos literalmente no grito pelo general Abílio de Noronha. Voltando de uma festa em comemoração à independência americana, ele soube que os quartéis estavam rebelados.
Trajando uniforme de gala, enfrentou a guarda do 4º Batalhão de Caçadores, em Santana, e os desarmou apenas com sua autoridade de general. A seguir atacou o quartel-general tenentista na Estação da Luz, com o mesmo sucesso.
Foi detido somente no Corpo-Escola, na mesma região, quando um homem à paisana, já idoso, irrompeu na cena e ordenou a prisão do general. Tratava-se de outro general, Isidoro Dias Lopes, que havia participado da queda da monarquia em 1889 e da Revolução Federalista em 1893 e agora se aliava aos tenentes.
Sem saber que o 4º Batalhão da Força Pública, do outro lado da rua, havia sido conquistado pelos adversários, os irmãos Távora caíram numa armadilha das tropas legalistas, que mantiveram a bandeira rebelde hasteada. Foram presos, o que fez com que os rebeldes desistissem de continuar atacando até o Rio de Janeiro e tentassem resolver seus problemas domésticos.
O presidente Arthur Bernardes declarou estado de sítio em São Paulo: os bondes não circularam, o comércio fechou e ninguém entendeu o tiroteio nem o movimento de tropas, que pareciam idênticas.
O governo havia transformado o palácio dos Campos Elíseos em fortaleza, com sacos de areia e metralhadoras, além de trincheiras cavadas na avenida Rio Branco, e enfrentava os primeiros ataques diretos. As tropas do governo acabariam cercadas pela infantaria rebelde, que passou a atacar das casas em volta. O impasse se alastraria durante dias.
Ao fim da batalha, os rebeldes abandonariam uma São Paulo arrasada. Segundo os dados oficiais, morreram 500 pessoas, 5 mil ficaram feridas e 1182 prédios foram destruídos. Os historiadores são mais céticos: Ilka Stern Cohen, no livro Bombas sobre São Paulo, fala em 720 mortos.
Quando o número bateu em 500, provavelmente Arthur Bernardes mandou parar a contagem. [...] Um só documento da Santa Casa da Misericórdia registrava 158 vítimas", afirma Vladimir Sacchetta, fundador da Companhia da Memória.
Três mil e quinhentos rebeldes se retiraram para o interior pelos trilhos. Duramente atacados em Bauru, perderam um terço do efetivo. Os rebeldes vagaram por muitos meses, invadindo o Paraguai e retornando ao Brasil pela fronteira com o Paraná ao receberem a notícia de que, em dezembro, outra coluna tenentista havia se formado no Rio Grande do Sul e marchava em sua direção. Em abril de 1925, os paulistas encontraram-se com tropas gaúchas de Luís Carlos Prestes - iniciando a Coluna Prestes.
Em 1930, a República Velha foi desfeita por Getúlio Vargas. Instaurou-se o voto secreto e foi dada a anistia aos tenentes. Nas décadas seguintes, absorvidos novamente pelo Exército, os ex-rebeldes, à exceção de Luís Carlos Prestes, protagonizariam o golpe militar de 1964.