A ideia de mulheres lutando nas arenas romanas muitas vezes desafia as noções tradicionais sobre o papel delas na sociedade romana
Uma das dúvidas comumente levantadas sobre os gladiadores romanos é se existiam mulheres gladiadoras na Roma Antiga — conhecidadas também como gladiatrix.
A ideia de mulheres lutando nas arenas romanas muitas vezes desafia as noções tradicionais sobre o papel delas na sociedade romana, que eram amplamente limitados ao cuidado da casa e à família.
Segundo o professor de filosofia Joshua J. Mark, em seu artigo “Gladiadoras na Roma Antiga”, embora os jogos de gladiadores sejam frequentemente associados a homens, evidências históricas e arqueológicas indicam que, em alguns momentos, mulheres também participaram dessas batalhas.
Mark afirma que as gladiadoras costumavam ser mencionadas em textos antigos como ludia (ou seja, performers femininas num ludi, um festival ou entretenimento) ou como mulieres (mulheres), mas não com frequência como feminae (senhoras).
Isso sugere a alguns estudiosos que somente mulheres de classes mais baixas eram atraídas para a arena. "Entretanto, existem evidências significativas de que mulheres das classes mais elevadas também participaram", destacou.
As mulheres que optavam por uma vida na arena podem ter sido motivadas por um desejo de independência, a oportunidade de conquistar a fama e pelos ganhos financeiros, incluindo o perdão de dívidas”, apontou o professor.
Para o historiador Rodrigo Rainha, a presença de mulheres muitas vezes aparecia como "uma crítica ao absurdo, da atropelação moral e da fragilidade", já que em civilizações como Atenas, a prática de mulheres na guerra era visto como algo "bárbaro", associando-a a povos considerados primitivos.
Diversos registros literários reforçam a existência de gladiadoras. Escritos de figuras como o satirista romano Juvenal (séculos I e II), o médico Celso (século II) e os historiadores Tácito (54-120), Suetônio (69-130) e Cássio Dio (155-235) mencionam essas combatentes, geralmente com um tom crítico.
Em suas Sátiras, Juvenal relata:
Que senso de vergonha pode ser encontrado numa mulher portando um elmo, que afasta a feminilidade e adora força bruta... Se um leilão é realizado dos pertences de sua esposa, quão orgulhoso você ficará de seu cinturão, proteção de braço e plumas e sua metade de armadura da perna esquerda! Ou, por outro lado, ela prefere uma forma diferente de combate, quão feliz você estará quando a sua garota do coração vender suas armaduras peitorais! Ouça como ela rosna enquanto pratica golpes conforme ensinado pelo treinador, vergada sob o peso do elmo. (VI.252)
Tácito também afirma:
Muitas senhoras distintas, entretanto, e senadores, desgraçam a si mesmos ao aparecer no Anfiteatro. (Anais, XV.32)
Por fim, Cássio Dio corrobora a descrição de Tácito:
Houve outra exibição que foi ao mesmo tempo a mais embaraçosa e mais chocante, quando homens e mulheres, não somente da ordem equestre, mas mesmo senatorial, apresentaram-se na orquestra, no Circo e no [Coliseu], como aqueles da mais baixa categoria. Alguns tocaram flauta e dançaram em pantomimas ou atuaram em tragédias e comédias ou cantaram com a lira; eles dirigiram bigas, mataram bestas selvagens e lutaram como gladiadores. (História Romana LXI.17.3)
Descobertos em 1996 e revelados ao público em 2000, os restos da chamada "Mulher da Rua Dover" — ou "Garota Gladiadora" — escavados em Londres, poderiam oferecer evidências físicas para corroborar os antigos relatos literários sobre a presença de gladiadoras nas arenas.
Após a cremação, apenas a pélvis da mulher foi preservada, mas a riqueza de lâmpadas a óleo e outros itens de uma cerimônia fúnebre luxuosa, além de pinhas queimadas (usadas para purificar a arena), indicam que se tratava de uma gladiadora respeitada.
Além desse achado, outras evidências físicas que poderiam sugerir a existência de gladiadoras incluem um relevo do século II encontrado em Bodrum, na Turquia, que mostra duas combatentes chamadas Amazona e Aquília, que provavelmente encenavam o combate lendário entre Aquiles e Pentesileia, afirmou Mark.
A inscrição “stans missus” indica que o combate entre as gladiadoras terminou em empate honroso. Equipadas no estilo Murmilo ou Samnita, pelas armas e escudos que portavam, elas aparentavam ter grande popularidade, justificando o gasto com o relevo.
Também foi encontrado um fragmento de cerâmica de Leicester, na Inglaterra, que provavelmente fazia parte de um pingente, com a inscrição “Verecunda Ludia Lucius Gladiator” — que pode significar "Verecunda, a performer, e Lúcio, o Gladiador". Isto sugere a existência de gladiadoras, embora alguns interpretem "ludia" como "atriz" e defendam que Verecunda era namorada de Lúcio.
Também há uma estátua de gladiadora, em estilo italiano, que está no Museu de Artes e Ofícios de Hamburgo, na Alemanha.
Antes vista como uma mulher usando um objeto para raspar o corpo, a obra, do século I, é agora identificada como gladiadora, representada de pé, em pose triunfante, com uma “sica” (espada curva) erguida, peito nu e tanga, o que condiz com o vestuário minimalista das gladiadoras, similar ao dos gladiadores homens, que lutavam com armadura limitada.